quarta-feira, 11 de abril de 2007

O Indio está Certo

O índio está certo
Sebastião Nery na Tribuna da imprensa

O índio está certo
No dia 14 de fevereiro de 1879, as Forças Armadas do Chile invadiram e ocuparam o porto boliviano de Antofogasta, no Pacífico, porque a Bolívia havia criado um royalty de 10 centavos sobre a exportação de um quintal (100 quilos) do salitre boliviano, explorados pela Companhia de Salitre e Trens de Antofogasta, que pertencia à Inglaterra e ao Chile.
Começou a "Guerra do Pacífico". Logo o Peru nacionalizou seu nitrato de sódio e o Chile, apoiado pela Inglaterra, também invadiu, pilhou e ocupou os portos peruanos de Tacna, Arica e Tarapacá. A guerra acabou em 1883, com a Bolívia perdendo 560 quilômetros de costa e ficando sem acesso ao Pacífico, e o Peru recuperando só o porto de Tacna.
Um século depois, dias atrás, o novo presidente da Bolívia, o índio Evo Morales, foi a Santiago discutir o reatamento das relações diplomáticas com o Chile, suspensas há muitos anos, e negociar a recuperação de um acesso ao Pacífico para a Bolívia, entre o norte do Chile e o sul do Peru. No Estádio Nacional, 10 mil chilenos aplaudiram Morales, pedindo "Mar para a Bolívia".
Morales
Essa nacionalização do petróleo e do gás boliviano, agora decretada pelo presidente da Bolívia, é um dos capítulos mais deprimentes da grande imprensa brasileira. Como sempre a serviço de alguém, tomando dinheiro de alguém, grandes televisões, revistas e jornais brasileiros passaram três meses mentindo, enganando, para agradar as empresas internacionais de petróleo e gás, inclusive a Petrobras, que exploram petróleo e gás na Bolívia.
Toda a campanha eleitoral de Morales, no ano passado, foi feita sobretudo em cima de uma promessa, um compromisso básico: nacionalizar o petróleo e o gás. Foi com essa bandeira, principalmente por causa dela, que Morales ganhou as eleições. Todo mundo ouviu isso, todo mundo sabia disso.
Mas Lula, que atingiu a auto-suficiência da arrogância e pensa que todos são como ele, cuja palavra não vale um tostão de mel coado, garantia, e a imprensa repetia, que ele não deixaria Morales cumprir o compromisso.
Nacionalização
Quando fez 3 meses de governo, no dia 22 último (eu já estava no Chile), Morales fez um balanço para a imprensa internacional e confirmou tudo:
1 - "A Bolívia já não é terra de ninguém. A Bolívia se respeita. Não se submete a interesses estrangeiros. Nosso país está recuperando a dignidade e a confiança. Já não se submete aos interesses estrangeiros, como ocorreu ao longo de nossa história colonial e republicana e nos últimos 20 anos".
2 - "Começamos a cumprir, um por um, os compromissos do programa eleitoral: convocamos a Constituinte, iniciamos o Plano Nacional de Alfabetização (ensinar um milhão de bolivianos a ler) e o Plano de Austeridade (redução de 50% nos salários do funcionalismo, inclusive o do presidente)".
3 - "Nos próximos dias (falava em 22 de abril), apresentaremos o Plano Nacional de Desenvolvimento e o Programa de Nacionalização (sic) do Petróleo e do Gás, para resolver de maneira estrutural os problemas de pobreza, dependência e subdesenvolvimento da Bolívia".
Ele avisouMais claro do que isso, impossível. Dez dias depois, Morales anunciou a nacionalização. Não enganou ninguém. O velho ranço colonialista dos países mais fortes, de nunca respeitarem a soberania dos mais fracos, imaginou que a Bolívia jamais teria coragem de "contrariar os ricos".
Na TV, o beligerante William Waak, sempre doidão por uma guerra, falava em "confisco, expropriação", e parecia querer que o Brasil invadisse a Bolívia naquela noite. No jornal, a causídica de negócios Miriam Leitão dizia que a Bolívia, "sem mais nem menos", "rasgou contratos" e "expropriou".
Nem rasgou nem expropriou. E que contratos? Não é só a Petrobras que está lá. Há mais de 20 empresas estrangeiras, de numerosos países, explorando petróleo, gás, transporte: a British Petroleum e a British Gas da Inglaterra, a Total da França, a Repsol da Espanha, a YPF da Argentina, dezenas.
Presidentes ladrões da Bolívia, que saíram quase todos de lá fugidos, venderam concessões e facilidades, doaram as riquezas do país em troca de polpudas contas em dólares no exterior. Isso era contrato? Isso era roubo.
Petrobras
Fizeram bem a Petrobras e seu competente presidente Sergio Gabrielli em reconhecerem logo que é um problema de soberania da Bolívia. O Brasil não faz a mesma coisa? O petróleo não é nosso? Por que o gás não pode ser da Bolívia? Nosso petróleo é patrimônio nacional. O que faz a Petrobras? Negocia concessões às empresas em condições fixadas pela lei brasileira.
É o que a Petrobras e as demais empresas estrangeiras na Bolívia vão fazer. Eles precisam da nossa experiência, tecnologia e investimentos. Mas também não podiam deixar que o país continuasse a casa da mãe Bolívia.
Gritam os histéricos do colonialismo: a Petrobras vai perder! Perder o quê? Entre 1996 e 2004 (nove anos), a Petrobras investiu lá US$ 1 bilhão, ou US$ 110 milhões por ano. E quanto a Petrobras já ganhou lá? O que pode acontecer é todas diminuírem a margem de lucro. O índio está certo.

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