quarta-feira, 11 de abril de 2007

Debate Aberto- Marcio Pochmann

DEBATE ABERTO
MARCIO POCHMANN
24/10/2005
Fazenda ataca novamente
De maneira mais ortodoxa que o deputado Delfim Neto, o Ministério joga fora o que tinha de bom na proposta de déficit zero (enquadramento do Banco Central na elevação dos juros) para apoiar a ampliação da desvinculação das receitas da União na área social.
Neste ano em que deve assumir a dianteira do gastamento federal, o Ministério da Fazenda volta, mais uma vez, à carga contra a área social, por acreditar que ela é, justamente, perdulária e injusta. Lembra-se, contudo, que no terceiro ano do governo Lula, o Ministério da Fazenda vem liderando o dispêndio total da União, com comprometimento estimado em mais de 150 bilhões de reais no pagamento dos serviços da dívida pública, o que deverá representar 7% a mais do que a despesa geral da Previdência Social (R$140 bilhões), responsável pelo segundo lugar na hierarquia do orçamento federal, e, ainda, 54% maior que o gasto total com todo o pessoal (R$97 bilhões), colocado na terceira posição orçamentária.
De maneira mais ortodoxa que o deputado Delfim Neto, o Ministério da Fazenda joga fora o que tinha de bom na proposta de déficit zero (enquadramento do Banco Central na elevação dos juros) para apoiar a ampliação da desvinculação das receitas da União na área social. Em síntese, o Ministério da Fazenda pretende aplicar mais um prego no caixão da Constituição Federal de 1988, que vem sendo constantemente desviada dos seus reais objetivos.
Previamente ao Plano Real, em 1994, o governo Itamar, sob a batuta do Ministério da Fazenda chefiado por FHC, operou-se, com o distinto nome de Fundo Social de Emergência, a desvinculação de 20% de toda a receita federal voltada à área social, visando tanto conter o conjunto dos dispêndios sociais no país como ampliar os gastos com juros da dívida pública. Desde lá, ocorreu também a marcha da descentralização do gasto social para estados e municípios, embora sem a contrapartida necessária de recursos, pois o governo federal tem optado pela reconcentração fiscal. Por conta disso, governadores e prefeitos oscilam entre a ridícula posição de mendigos dos recursos públicos federais ou a tentativa de administração de serviços públicos crescentemente precários e de baixa eficiência, quando não concorrentes entre si.
Até o ano de 2002, por exemplo, o governo Cardoso praticou um programa de ajuste fiscal de caráter anti-social menos intensivo que o verificado no governo Lula. Isso porque a medida de ajuste do governo Cardoso não se concentrou fundamentalmente no corte do gasto social. No seu primeiro governo (1995/98), o gasto social per capita cresceu 16,7% e no segundo (1999/02) caiu 5,3%, com saldo de 10,8% nos oito anos.
O governo Lula, diante da exaustão da medida de elevação da carga tributária, teve que operar quase que exclusivamente no corte do gasto social. No ano de 2004, por exemplo, o orçamento social total do governo federal por habitante foi 8,3% inferior ao de 2001.
Tem sido por essa medida, de contenção do gasto social, que o governo federal obtém e preserva o contínuo o superávit fiscal. Com base na desvinculação atual de 20% das receitas fiscais, a área social respondeu pela geração de 55% do total do superávit fiscal do ano de 2004.
Se aprovada a nova proposta do Ministério da Fazenda de ampliar de 20 para 35% a DRU (Desvinculação das Receitas da União), a área social deverá passar a responder por 96% do superávit fiscal do setor público. Nada mais injusto socialmente do que um ajuste fiscal desse tipo.
Não obstante a prática da injustiça tributária no Brasil, o Ministério da Fazenda permanece a conceder razão aos vassalos do neoliberalismo, sobretudo quando assume que o gasto social não alcança os pobres, salvo o programa Bolsa Família. Tamanha é a desfaçatez de quem apela para esse tipo de argumento, pois não tem demonstrado interesse em fazer o mínimo de algumas continhas primárias.
Em 2005, por exemplo, o Ministério da Fazenda deverá transferir 120 bilhões de reais a 20 mil clãs de famílias extremamente ricas, que possuem cerca de 80% dos títulos da dívida pública, equivalendo, em média, ao repasse de 6 milhões de reais por família ao ano (quinhentos mil reais por mês ou 1.667 salários mínimos mensais). Já a Previdência Social deverá comprometer 140 bilhões de reais em 21 milhões de famílias com aposentados, o que representa, ao ano, a quantia de R$6.667,00 (R$556,00 ou 1,85 salário mínimo mensal), enquanto o programa Bolsa Família deverá comprometer cerca de 7 bilhões de reais com 8 milhões de famílias, o que significa o repasse mensal de 72 reais mensais (0,24 salário mínimo mensal).
Nesses termos, onde está a injustiça? Nas políticas sociais ou na política econômica?



Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp. Foi secretário do Trabalho na gestão de Marta Suplicy (PT) na Prefeitura de São Paulo (2001-2004).

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