segunda-feira, 26 de outubro de 2009

RESOLUÇÕES SOBRE A TÁTICA- TESE PARA O XIV CONGRESSO DO PCB

RESOLUÇÃO SOBRE A TÁTICA



2ª PLENÁRIA NACIONAL – "AURORA
MARIA NASCIMENTO FURTADO"
1ª EDIÇãO
CONSULTA POPULAR
SãO PAULO - 2009
Expediente:
cartilha 20 - rEsoluçõEs sobrE a tática
2ª Plenária Nacional – "aurora Maria Nascimento Furtado"
Publicação: consulta Popular
rua abolição, 227 – 2º andar
01319-010 – são Paulo / sP
telefone: (11) 3104-6746
Pedidos: secretaria@consultapopular.org.br
Março de 2009
SUMáRIO
O resgate de nOssa tática nO últimO períOdO ......................................9
as características centrais da conjuntura anterior .................................9
O caráter do governo lula ...................................................................10
nossa principal tarefa tática definida na 3ª assembleia ......................11
O balançO de nOssa tática nO últimO períOdO ...................................15
balanço geral .......................................................................................15
a tática e o caráter do governo lula....................................................15
a busca da unidade, as articulações e o
investimento em força própria .............................................................16
a assembleia popular como espaço prioritário de construção ............17
Os processos eleitorais ........................................................................18
a esquerda social, o debate estratégico e o poder .............................18
construção orgânica, políticas setoriais, diretrizes e frentes ...............19
a comunicação, as campanhas e o projeto popular para o brasil ........20
a crise inaugura um nOvO períOdO históricO ....................................23
impactos da crise .................................................................................24
consequências para o próximo período histórico ................................26
O cenáriO pOlíticO nO próximO períOdO ..............................................31
elementos políticos que determinam a tática ......................................31
O papel da luta eleitoral ......................................................................32
Os cenários da luta política .................................................................35
nOssa tática .............................................................................................39
O elemento diferenciador do novo período histórico –
a possibilidade do projeto popular como alternativa de poder ...........39
Os passos necessários para construir a alternativa de
poder do projeto popular .....................................................................41
O programa do projeto popular ...........................................................48
tarefas importantes para o próximo período .......................................50
"A questão mais importante, a fundamental,
é a questão do poder. Os revolucionários no Brasil não se
podem propor a uma outra coisa senão a tomada do poder,
juntamente com as massas."
Carlos Marighella
(Carta à Executiva do PCB, dezembro de 1966)
O Resgate de nossa táica no último período as características centrais da conjuntura anterior
A década iniciada em 1990 constituiu um momento que conjugou
diversos fatores negativos e adversos para a classe trabalhadora: o início
do ciclo neoliberal, a crise do socialismo e o fortalecimento da hegemonia
burguesa sobre amplos setores populares e, em especial, sobre
os dirigentes do movimento operário forjado na década anterior.
Em nosso esforço de sistematizar uma avaliação da conjuntura
desse período, identificamos as seguintes características como
determinantes:
• "enfrentamos um período longo de uma conjuntura extremamente
adversa para a classe trabalhadora, dominada pela
ofensiva do capital";
• "marcada pelo descenso do movimento de massas";
• "pela ausência de um projeto de país nas forças populares";
• "com o esgotamento do ciclo marcado pela palavra de ordem
"Lula-lá", esgotaram-se também as propostas políticas que
organizavam e unificavam a esquerda brasileira".
A "Resolução sobre a tática", aprovada em nossa 3ª Assembleia
Nacional, em julho de 2007, já apresentava nossa perspectiva de qual
seria a tendência de evolução dessas características. Desde então, já
apontávamos os seguintes cenários:
• "a crise que se avizinha poderá alterar o quadro econômico
atualmente favorável à ofensiva do capital. A aparente
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estabilidade econômica dos últimos anos não se manterá
por muito tempo. Com a capacidade de endividamento
da sociedade estadunidense se reduzindo, tudo indica que
nos próximos anos enfrentaremos turbulências de efeito
imprevisível nas economias chamadas de periféricas";
• "o reascenso da luta de massas. Existem fortes e crescentes indícios
de um reascenso da luta popular no próximo período";
• "a retomada de um projeto popular. Desde nosso surgimento
em 1997, insistimos na necessidade de um projeto
popular para o Brasil";
• "o surgimento de um novo ciclo. Com o acelerado esgotamento
do ciclo político, retoma-se o debate estratégico
entre as forças de esquerda e os militantes populares".
O caráter do governo lula
Na 3ª Assembleia também enfrentamos o debate sobre o caráter
do governo Lula, que, mesmo conservando sua atualidade, merece
novas reflexões que faremos mais à frente. Na ocasião, julho de
2007, caracterizamos o governo como "um fracasso histórico do
ponto de vista da perspectiva da transformação social. O projeto
de buscar melhorias sociais sem confronto e ruptura revelou sua
inviabilidade histórica na atual fase capitalista. Premido pela lógica
da ordem econômica mundial e dos interesses da classe dominante,
não restou ao governo Lula seguir outro caminho que não fosse se
adaptar ao neoliberalismo".
Sobre Lula, enquanto liderança de massas, avaliamos que "o
líder popular Lula em nenhum momento sinalizou para as massas
que era necessário e possível construir uma força social para mudanças;
ao contrário, desqualificou e enfraqueceu os setores que foram
à luta, fortalecendo lideranças e setores reacionários da sociedade.
Sua ação e seus discursos deseducam o povo ao estimular confusão
sobre os verdadeiros inimigos e fazem a apologia da desmobilização.
A consequência cruel dessa política é o rebaixamento do horizonte
da luta popular".
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Nesse contexto avaliamos que: "Esse cenário gerou uma intensa
divergência tática entre as forças populares. Alguns setores acharam
que o centro da tática era sustentar a todo custo o governo Lula e
outro setor passou a ter como objetivo central constituir-se numa
oposição eleitoral ao governo Lula".
Diante disso: "Entendemos que ambas as táticas permanecem
aprisionadas na lógica do governo e na centralidade da luta eleitoral
e parlamentar".
"Os setores que buscam subordinar as forças sociais para a
sustentação do governo Lula perdem espaço político e a tentativa
de recompor a esquerda no plano eleitoral fracassa nas eleições de
2006, abrindo condições para uma tática que não mais se centraliza
pela lógica institucional".
"Nosso esforço é romper essa armadilha que paralisa e divide a
esquerda e as forças populares, construindo ações autônomas que
não se pautam pelo apoio ou oposição ao governo Lula, mas se organizam
em torno de um programa mínimo que enfrente nossos
verdadeiros problemas".
nossa principal tarefa tática definida na 3ª assembleia
Definimos que:
O centro de nossa tática é organizar uma alternativa popular que recoloque
na ordem do dia a necessidade de alterar o sistema de poder para realizar
mudanças estruturais. A isso chamamos de Projeto Popular para o Brasil.
O cumprimento dessa tarefa histórica exige trabalhar centralmente na
construção de uma força social capaz de atuar de maneira decisiva num
reascenso da luta de massas.
Isso implica nas seguintes tarefas:
1. Concentrar esforços na construção de uma frente única das forças populares,
por meio de lutas de massas.
2. Preparar-se para o novo ciclo de reascenso, investindo mais energias no
tripé formação, lutas e organização.
3. Implementar e fortalecer iniciativas de lutas e articulações unitárias em
torno do programa mínimo.
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4. Propagandear e agitar os pontos do programa mínimo.
5. Privilegiar a Assembleia Popular – Mutirão por um Novo Brasil como
espaço unificador, fortalecendo sua organicidade, mas participando na
construção de todos os esforços e articulações unitárias que viabilizem a
agenda de lutas de uma frente única das forças populares.
6. Priorizar os setores sociais da juventude trabalhadora urbana, investindo
no estímulo a experiências de luta e na construção de uma metodologia
organizativa.
7. Construir e fortalecer os meios de comunicação próprios.
"O êxito ou o fracasso não é o que indica que uma linha esteja correta. Todos nós
poderíamos ter morrido em nossa luta, e estivemos a ponto de morrer mais de uma
vez. Se muitos de nós tivessem morrido, diriam que estávamos equivocados. Eu
penso que se tivéssemos morrido não estaríamos equivocados. Nosso caminho era
correto e existem uma série de fatores imponderáveis que interferem, inclusive o
azar. Nós sobrevivemos naqueles dias quase por um milagre. Nessas circunstâncias,
não se pode dizer que o êxito seja a medida da justeza de uma linha."
Fidel Castro (entrevista a Gianni Miná, julho de 1987)
O balançO de nOSSa tátIca
nO últIMO peRíOdO
balanço geral
O balanço feito pela 2ª plenária nacional permite afirmar
que, na essência, nossa tática foi correta e adequada. Com todas
as dificuldades que nossa classe teve, graças à adequação da nossa
tática acumulamos mais acertos que perdas.
Investimos nossas energias em acumular forças através de nosso
tripé (lutas de massa, formação e organização) e na construção da
unidade das forças populares em torno de lutas concretas. Foi uma
tática correta que nos possibilitou avanços nos últimos anos.
Em razão dos acertos táticos do último período, crescemos e
qualificamos nossos quadros. Além disso, somos uma organização
que ocupa um lugar privilegiado para construir a unidade entre as
forças de esquerda.
a tática e o caráter do governo lula
Tivemos uma análise correta sobre o caráter do governo Lula e
seu papel enquanto liderança de massas. Foi acertada a tática adotada
de não cair no isolamento oposicionista ou no seguidismo governista,
na armadilha de pautar-se em ser a favor ou contra o governo, o que
fez com que atraíssemos mais forças, novos militantes, dialogando
com os setores que ainda guardavam ilusões em relação ao governo e
a centralidade eleitoral. Enfrentamos as políticas e ações do governo
sempre que necessário, mas não desviamos de nosso alvo central: a
burguesia e as grandes corporações. Com isso, politizamos e qualifi-
camos os debates e as lutas, ganhamos legitimidade para propor lutas
unitárias na esquerda e em nenhum momento nos somamos com as
iniciativas da direita contra o governo.
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Deixamos claro que o governo Lula não era o nosso inimigo,
mas não deixamos de enfrentá-lo na questão agrária, na política econômica,
na política energética, nos leilões entreguistas do petróleo
e em todas as outras ações antipopulares. Em cada oportunidade,
participamos decisivamente da construção de atos e jornadas de
lutas unitárias, articulando, em torno de cada manifestação, forças
políticas, que em função de suas divergências sobre o governo,
encontravam dificuldade em construir unidade.
Diferenciamos-nos das demais forças e saímos mais preservados
do período do que as demais correntes que se limitaram a pautarse
em torno do governo. Soubemos compreender que manter a
unidade das forças populares, construída em torno de definições
estratégicas e métodos de ação constitui elemento muito mais importante
do que apostar energias em processos eleitorais nos quais
não estarão colocadas perspectivas de transformação.
a busca da unidade, as articulações e o
investimento em força própria
Foi acertado pautar-se pela luta unitária de massas dirigida contra
o verdadeiro inimigo. Nosso papel na construção do ato unitário
contra Bush em 8 de março de 2007, da jornada de lutas no dia 23 de
maio de 2007, da jornada dos estudantes e da juventude, do Plebiscito
Popular sobre a Companhia Vale do Rio Doce, Campanha Nacional
dos Metalúrgicos com uma paralisação de 2 horas em 8 Estados, envolvendo
aproximadamente 120 mil trabalhadores, Jornada de lutas
da Via Campesina e da Assembleia Popular, Jornada de Lutas pela
Soberania Alimentar e na Campanha contra os leilões de petróleo,
foi fundamental para assegurar a unidade das forças populares. Estas
foram as principais ações nacionais de luta contra o imperialismo e
o capital em 2007 e 2008. Constituíram os principais momentos
em que a luta popular foi para ofensiva e não aceitou ser pautada
pela mídia da classe dominante. Em todos esses momentos, nossos
quadros jogaram um papel decisivo para que as divergências sobre o
governo não impossibilitassem ou fragmentassem as lutas.
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Porém, a centralidade que demos à construção da unidade, por
vezes desconsiderou divergências que viriam se aguçar. Quando
contribuímos para o surgimento da Coordenação dos Movimentos
Sociais – CMS, menosprezamos a importância das divergências
sobre a relação com o governo Lula que viriam a centralizar as outras
forças políticas. Não consideramos que as forças políticas iriam
permanecer aprisionadas na lógica do ciclo anterior, pautando-se na
sustentação ou oposição ao governo Lula, priorizando suas divergências
e secundarizando a importância de enfrentamentos unitários
com a burguesia e o imperialismo. A CMS permanece como
uma articulação que reúne movimentos e entidades representativas,
mas limitada a apenas uma parte dos setores populares.
Nossos esforços para a construção de espaços unitários das
forças populares privilegiaram o trabalho de articulação. Menosprezamos
que a construção da unidade exige investir em força
própria. O trabalho de articulação é importante, mas insuficiente
para assegurar a unidade quando não apostamos em nossa própria
força.
Ainda não assimilamos a complexidade da tarefa de agrupar
as correntes diferenciadas da esquerda, e ainda temos diferentes
compreensões sobre como realizar essas articulações em cada
Estado, inclusive em razão das diferenças regionais existentes em
cada corrente ou organização. Assegurar compromissos e alianças
com as direções políticas desses agrupamentos não garante necessariamente
o cumprimento dos acordos nos Estados.
a assembleia popular como espaço prioritário de construção
Foi correto eleger a "Assembleia Popular – Mutirão por um
Novo Brasil" como espaço privilegiado de articulação. Nossa militância
teve contribuição decisiva para a construção desse espaço
político de luta pelo Projeto Popular em diversos Estados.
Todavia, nossa contribuição para a construção da Assembleia
Popular – Mutirão por um Novo Brasil, como espaço unificador
dos lutadores populares que compreendem a importância estra-
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tégica do Projeto Popular, foi insuficiente. É certo que a maioria
de nossa militância empenhou-se decisivamente nesse trabalho.
Porém, em diversos momentos importantes dessa construção, não
demos a atenção suficiente a uma articulação que consideramos
prioritária.
Foi um erro achar que todas as forças políticas, partidos e
organizações pudessem integrar a Assembleia Popular – Mutirão
por um Novo Brasil. Tivemos a ilusão de que seria possível construir
uma instância articuladora ampla nesse espaço, porém, tais
forças não estavam empenhadas nesse processo de construção, não
priorizavam um espaço centrado no trabalho de base e participavam
unicamente com o intuito de promover disputas e travar luta
interna. Aprendemos que a necessária unidade entre as forças de
esquerda não se resolve apenas na criação de instâncias unificadoras,
mas sim no plano político.
Os processos eleitorais
Nosso posicionamento de não participar de processos eleitorais
merecerá maior reflexão quando discutirmos a tática para o próximo
período mais à frente. Por hora, basta afirmar que no nosso balanço
avaliamos que o fato de termos deixado de participar dos processos
eleitorais foi um dos principais acertos de nossa tática até agora,
ajudando a nos preservar, ao deixar de estimular o carreirismo e
os projetos pessoais entre nossos quadros.
a esquerda social, o debate estratégico e o poder
Apostar na esquerda social como sujeito principal na construção
deste novo ciclo foi extremamente positivo. Os movimentos sociais
que participaram do processo histórico de construção da Consulta
Popular foram compreendendo, cada vez mais, a importância estratégica
de um instrumento político de natureza partidária.
Nossas definições estratégicas fizeram com que o debate teórico
se explicitasse e representaram uma fundamental contribuição ao
debate das forças de esquerda. Foi importante ter pautado o debate
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teórico sobre a questão do poder como centro tático e estratégico,
orientando como prosseguir na definição de nossa tática para o
próximo período. Ter em conta esse objetivo central nos ajudou ao
longo do processo preparatório de nossa 2ª Plenária Nacional, no
enfrentamento teórico a posições que desarmam a classe trabalhadora
e na definição dos locais prioritários de atuação.
A compreensão sobre a importância da questão do poder nos
ajudou a enfrentar o debate teórico com as correntes que cometem
o equívoco de considerar que o erro estratégico do ciclo político
anterior seria a adoção do programa democrático popular e não a
perda da perspectiva da conquista revolucionária do poder.
construção orgânica, políticas setoriais, diretrizes e frentes
Nosso trabalho de acompanhamento das frentes de massa foi
insuficiente e descontínuo. Não formulamos políticas específicas
e deixamos de apoiar os quadros que necessitavam de diretrizes e
linhas de ação.
Reafirmamos e reforçamos o princípio de respeitar a autonomia
dos movimentos sociais, mas distinguimos esse princípio
da necessidade de contribuir politicamente na construção das
ferramentas de luta. Especialmente nos casos em que essas ferramentas
são fruto de nossas reflexões e iniciativas, como é o caso
do MTD, em que o próprio surgimento do movimento social se
originou em nossos debates. Na medida em que a próxima conjuntura
sinaliza com o crescimento do desemprego, temos que
apoiar, com mais energia, nossos militantes que se empenham na
construção do MTD.
Nossos esforços em desenvolver trabalho de base no proletariado
foram tímidos e insuficientes. Embora tenhamos iniciado as
discussões em torno de um Setor Sindical, tivemos poucos avanços
na sistematização das experiências em que já estamos envolvidos
e na formulação de diretrizes de ação. Um exemplo é o fato de
não termos avançado em experiências de organização por local de
trabalho, apesar de apontarmos para essa necessidade.
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Nossos avanços na estruturação financeira da organização foram
mínimos e isso se refletiu em nossa dificuldade em articular
os setores e frentes de massa.
É necessário investirmos na formação de uma cultura dirigente
em nossas instâncias, em especial na coordenação nacional
e nas coordenações estaduais. Em diversos momentos, sentimos
a necessidade de que a coordenação nacional se colocasse como
direção, mais presente e mais atuante.
a comunicação, as campanhas e o projeto popular para o brasil
Não desenvolvemos um trabalho de agitação e propaganda
adequado em relação ao Projeto Popular para o Brasil. Em muitos
momentos deixamos de pautar esse debate. Cometemos o grave
erro de deixar de sustentar a centralidade dessa bandeira para não
prejudicar a unidade com outras forças.
Nossas experiências de ações e campanhas unitárias nacionais
ainda permanecem como eventos descontínuos e uma vez concluídos,
tanto o tema quanto as bandeiras trabalhadas passam a ser
secundarizados, quando não são completamente abandonados. O
principal exemplo é a Campanha pela Anulação do Leilão da Vale
do Rio Doce.
Não trabalhamos devidamente com os meios de comunicação
populares a que temos acesso. Nosso esforço para a divulgação
e sustentação do jornal Brasil de Fato foi insuficiente. Embora
tenhamos tido algumas boas experiências de trabalho com o jornal,
identificamos que foram excepcionais. Na maioria das vezes,
deixamos de utilizar o enorme potencial desse veículo em nosso
trabalho de propaganda cotidiana, limitando-se ao trabalho com
as "edições especiais".
As massas não atuam somente por uma convicção que se lhes injete de fora – sem
diminuir o valor da propaganda revolucionária. Elas não se lançam ao combate
pelo simples fé nas promessas de um mundo melhor e um ideal futuro; é a própria
experiência que acumulam ao confrontar seus interesses vitais com as realidades
econômicas e políticas em que vivem, que se torna a principal escola na qual aprendem
o caminho estratégico de sua libertação e os meios práticos de avançar por ele.
Portanto, frente ao problema de como fazer triunfar a estratégia somente pode-se responder
mediante diferentes táticas de luta. Por conseguinte, a elaboração e aplicação
vitoriosas das táticas revolucionárias é a prova mais completa e definitiva de uma
vanguarda. Na vida real, não existe tarefa mais difícil que a adequação das táticas à
linha estratégica adotada, pois enquanto esta repousa numa análise científica da realidade,
as primeiras devem ter em conta, além disso, múltiplos fatores conjunturais,
dificilmente controláveis ou predizíveis cientificamente. Por isso, a ação cotidiana
requer junto com a formação teórica da vanguarda, uma especial capacidade e sensibilidade
para captar o concreto-real. Somente assim se poderá manejar a dialética da
luta, com tal flexibilidade que permite implementar decisões rápidas e eficazes frente
ao desenvolvimento dos acontecimentos, em especial nos períodos revolucionários,
que costumam apresentar frequentemente situações inéditas.
A rigor, as vanguardas e as lideranças individuais nascem precisamente onde, além
de sua estratégia correta, se define e se desenvolve, em cada momento, a tática acertada
de luta. Esse é em síntese o atributo fundamental de uma legítima vanguarda.
Manoel Piñeiro Losada
(A crise atual do imperialismo e os processos
revolucionários na América Latina e Caribe, 1982)
a cRISe InaUgURa UM nOvO
peRíOdO hIStóRIcO
Não estamos diante de apenas uma crise do modelo neoliberal
ou de uma mera crise financeira, mas de uma crise global, prolongada,
com características depressivas e recessivas, cuja intensidade
encerra um período histórico de ofensiva do capital ao abrir a possibilidade
de um reascenso da luta de massas, com distintas tarefas
políticas, ideológicas e organizativas.
Conforme esclareceu Marx, a crise capitalista tem uma lógica
interna. O capital é uma riqueza que só tem sentido, só sobrevive,
se aumentar continuamente, empurrada pela concorrência intercapitalista.
Esse processo leva ao desenvolvimento das forças produtivas,
ao aumento da produtividade do trabalho e à concentração e
centralização de capitais.
Portanto, embora as primeiras manifestações da crise tenham
se produzido no terreno financeiro, estamos perante uma crise de
superprodução. Na essência, trata-se da tendência do capitalismo
de produzir um desenfreado aumento da capacidade produtiva na
busca de lucro, ultrapassando seus próprios limites e engendrando
contraditoriamente o declínio da taxa de lucro, implicando na diminuição
do ritmo de acumulação, no desemprego dos trabalhadores e
na própria destruição e desvalorização de capital como remédio.
Existem dois importantes elementos que dão singularidade a
atual crise capitalista. Um primeiro elemento são os efeitos sobre
a imensa massa de recursos sob a forma de capital fictício (títulos
de dívida, ações etc.), estimulada em grande parte pela mudança no
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sistema monetário internacional nos anos de 1970, que manteve a
moeda americana como meio internacional geral de pagamento,
mesmo com seu vínculo ao ouro tendo sido rompido. Essa massa
de capital fictício vem sofrendo um importante processo de
desvalorização e destruição, não só na forma do capital bancário,
mas também nas formas dos chamados investidores institucionais
(Seguradoras, Fundos de Investimento, Fundos de Pensão etc.).
Um segundo elemento é que a fase neoliberal do capitalismo,
enquanto projeto de desenvolvimento, se esgota, dado que sua
hegemonia ideológica de duas décadas contribuiu não só para
engendrar as bases da atual crise, mas também não consegue dar
respostas satisfatórias ao atual momento.
Impactos da crise
Se a crise traz elementos objetivos para o enfraquecimento
da hegemonia econômica e política dos EUA, embora mantenha
inalterada sua hegemonia militar, também fornece meios para sua
manutenção.
A presença de uma forte retração econômica no setor real, aliada
a problemas no setor financeiro dos EUA, convivem com um importante
movimento no plano político, a substituição do desgastado
governo Bush – caracterizado por uma política externa unilateral,
pelas invasões do Iraque e do Afeganistão, pelo uso sistemático de
tortura e suspensão de direitos civis – pelas promessas e pelo otimismo
midiático em torno do governo Obama. É importante ter
claro o caráter conservador e imperialista dessa manobra política,
já sinalizada pela manutenção de republicanos em cargos-chave do
governo e pelos discursos de apoio a Israel e de reforço da presença
estadudinense na América Latina.
A América Latina tende a jogar um papel cada vez mais importante
nessa conjuntura internacional, já que protagonizou
importantes ações de resistência ao neoliberalismo, elegendo governos
populares que podem ser decisivos no fortalecimento de
uma correlação de forças favorável à classe trabalhadora numa nova
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ordem econômica e política mundial. A queda nas receitas vindas
da exploração e exportação de recursos naturais tende a agravar o
enfrentamento de classes na Bolívia e Venezuela, dada a dependência
desses países do petróleo e do gás.
O Brasil não está menos vulnerável à crise. Muito ao contrário.
Ela encerra um ciclo de crescimento no qual a burguesia se fortaleceu,
não só pelas condições favoráveis de acumulação (evidenciadas
nas elevadas taxas de investimento dos últimos anos), com destaque
para as frações exportadoras (ligadas principalmente a grãos e minérios)
e o setor financeiro (sucessivos recordes tanto de cotação
na Bolsa de Valores, quanto de lucro dos grandes bancos), mas
também de integração ao capital internacional (grande afluxo de
capitais estrangeiros nas chamadas formas de investimento direto
e portifólio), fato que já tínhamos concluído em nosso Programa
Estratégico (itens 6 e 9), o da burguesia brasileira não apresentar
projeto de caráter nacional e sim de integração à burguesia internacional.
O elevado grau de integração ao imperialismo, em meio à crise
internacional, constitui-se um forte fator desestabilizador para a
economia brasileira. O ritmo de acumulação mostra os primeiros
e fortes sinais de diminuição (retração da produção industrial,
aumento das taxas de desemprego etc.), conjugado a uma reversão
da tendência de inserção no mercado internacional (diminuição do
superavit comercial e da entrada de capitais internacionais etc).
Com isso, as bases da estratégia de conciliação de classe até então
implementadas pelo governo Lula, permitindo grandes ganhos
da burguesia em troca de pequenas concessões aos trabalhadores
(diminuição do desemprego, programas sociais compensatórios,
aumento do rendimento médio real), colocam-se em xeque. Desemprego,
inflação, arrocho salarial, diminuição e encarecimento
do crédito ao consumidor, além da retirada de direitos, colocam-se
na ordem do dia.
A burguesia brasileira iniciou um movimento de implementação
de programas de ajuda governamental para suas frações mais afeta-
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das (linhas de crédito para os exportadores em geral e o agronegócio
em específico, redução e postergação no pagamento de impostos,
disponibilização de recursos do BNDES), além da intensificação
do movimento de centralização de capital, com destaque para as
fusões e aquisições no setor financeiro (Itaú/Unibanco, Banco do
Brasil/Nossa Caixa e Banco Votorantim), agronegócio (Votorantim
Celulose e Aracruz) e telecomunicações (Brasil Telecom – Oi).
consequências para o próximo período histórico
O desenrolar de um período recessivo internacional nos
próximos anos aponta para a intensificação do conflito de classes
e a possibilidade de mudanças na correlação de forças e "janelas
revolucionárias", em que se espera o reascenso da capacidade de
luta das massas que possibilitem revoluções socialistas, dado que as
crises desestruturam os mecanismos de dominação e antecedem as
mudanças ao impossibilitar as mesmas condições de sobrevivência
e empurrar o povo para as lutas.
Porém, embora uma crise constitua uma premissa material
para o surgimento de situações revolucionárias, a agudização das
contradições internas do capitalismo sem a presença de forças
revolucionárias não permite o aproveitamento de tais situações.
Em outras palavras, sem organização e direção política do sujeito
revolucionário a crise terá uma solução capitalista. Daí vislumbrarmos
duas saídas.
Uma saída seria dirigida pela burguesia, destruindo a superacumulação
através de guerras de conquista; recompondo a taxa de lucro com
superexploração dos trabalhadores; diminuição absoluta e relativa do
valor da força de trabalho; utilização do Estado para apropriar-se da mais
valia social: impostos e compra de empresas (estatizações temporárias).
No plano político, essa saída pode ser acompanhada por um ascenso
de governos fascistas no centro e na periferia capitalista.
Outra saída seria a revolucionária, com a superação das relações
de produção capitalistas e a criação de outras superiores. Portanto,
o fator que determinará a superação dessa crise mundial é a capa-
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cidade subjetiva do proletariado colocar-se enquanto alternativa de
poder em cada país.
A experiência histórica demonstra que as massas somente
se lançam a lutas mais radicais quando esgotam suas esperanças
nos caminhos usuais e permitidos. O cenário provável indica as
seguintes possibilidades e tendências que devem ser consideradas
em nossas definições táticas.
A crise econômica agrava a crise alimentar inaugurada com a
especulação nos preços das commodities que perdurou em 2007 e
parte de 2008. Com isso, esperamos:
• Carestia em razão do aumento dos preços dos alimentos;
• Manifestações em mercados e armazéns exigindo alimentos
e ocupações de fábricas falidas, com a possibilidade de articular
os movimentos de desempregados e movimentos por
moradia com as entidades sindicais em lutas conjuntas.
As medidas econômicas utilizadas pela burguesia para aplacar a
crise, através de injeção de recursos públicos nos setores debilitados,
se demonstrarão incapazes de conter o processo de queda da taxa de
lucro, gerando tensões cada vez maiores resultantes de desemprego
e tentativa de redução de salários. Com isso, esperamos:
• aceleração do processo de deterioração e desmonte dos
aparatos públicos de saúde e educação;
• intensificação das medidas jurídicas e do aparato repressivo
para criminalizar as lutas sociais;
• reconfiguração e fortalecimento do setor militar no mundo
que não foi atingido pela crise e segue crescendo.
A crise também abre uma oportunidade histórica, porque altera
o quadro geopolítico internacional, determinando o rearranjo dos
países e da ordem econômica mundial e possibilitando iniciativas
que enfraqueçam o imperialismo. Isso traz importância para:
• fortalecimento de uma articulação das lutas continentais
como o Conselho de Movimentos Sociais da Alba.
A crise nos atinge num momento em que a economia brasileira
vinha apresentando indicadores positivos (redução de desempre-
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go, pequena recuperação salarial e melhoria no acesso ao crédito)
e seus primeiros impactos, em especial na produção industrial e
no mercado de trabalho, já se fazem sentir no final de 2008, mas
eclodirão de modo drástico no primeiro semestre de 2009, gerando
um agravamento súbito nas condições de vida da maior parte das
famílias, apontando para:
• aumento do desemprego em todos os setores da economia;
• fechamento e falência de empresas;
• agravamento súbito das condições de vida das famílias, em
especial dos setores que tiveram acesso a empregos e bens
de consumo nos últimos anos.
Além disso, devemos considerar que o próximo período histórico
intensifica a luta teórica entre as concepções revolucionárias.
O debate sobre as concepções estratégicas ganha relevância e se
constitui em tarefa fundamental. Aos lutadores populares incumbe
a tarefa de utilizar todos os recursos pedagógicos disponíveis para
explicar as causas, efeitos e saídas para essa crise. Os grandes meios
de comunicação explicam a crise como uma catástrofe da natureza,
que exigirá uma postura passiva ante seus inevitáveis e terríveis
efeitos. Nosso papel será explicar sua causa, apontar os responsáveis
e propor as soluções que interessam ao povo.
A "revolução dentro da ordem" se articula e se confunde com a "revolução contra a
ordem". A desagregação do Estado burguês é fatal. Perdido ou anulado pela maioria
da população o esteio da violência institucional encarniçada, ele desaba. Os que
sempre foram tratados como "inimigos da ordem" e sempre foram excluídos da sociedade
civil só acham uma saída: construir uma ordem social própria e uma sociedade
civil transitória, que ligue a revolução nacional-democrática e anti-imperialista à
emergência e à vitória do socialismo.
Florestan Fernandes
(Nós e o marxismo)
O cenáRIO pOlítIcO
nO pRóxIMO peRíOdO
elementos políticos que determinam a tática
Quatro concepções determinam a direção da bússola ao elaborarmos
nossa tática no plano político:
• a luta só é de natureza política quando ameaça o poder político
da classe opositora. Não se propondo a isso, embora
os combates possam ser violentos e o governo, através dos
aparatos do Estado, participe da desmobilização, a luta não
vai além do seu estágio espontâneo, de duração temporária
e de reivindicações limitadas;
• nosso objetivo é o poder. O poder não se encontra apenas
no aparato do Estado, mas sabemos que a conquista revolucionária
do Estado é o principal objetivo estratégico que
desarma o inimigo e possibilita mudanças estruturais;
• conquistar o poder é construir uma nova correlação de
forças, conquistar a estrutura do Estado para destruí-la e
instaurar uma nova ordem econômica e social que desmonte
os fundamentos da sociedade capitalista;
• nosso objetivo também é construir força social para uma
revolução política democrática que se enfrenta com a democracia
burguesa. No Brasil, a democracia só é possível
enquanto luta "contra a ordem";
As experiências de construção do socialismo no século 20 nos
ensinam que essa tarefa histórica tem aspectos complexos que não
podem ser menosprezados. Além da libertação do trabalho pela
32
transformação das relações sociais de produção e das formas de
propriedade, a defesa do meio ambiente, de processos sustentáveis
de desenvolvimento e a libertação das mulheres são aspectos igualmente
decisivos para se alcançar o socialismo.
O papel da luta eleitoral
Temos claro que o Estado burguês é um instrumento de
dominação de classe. A gerência do Estado é uma necessidade da
propriedade privada dos meios de produção e do capital que precisam
do controle da estrutura do Estado para se desenvolverem com
segurança. Sendo assim, aqueles que detêm a propriedade buscam
no Parlamento e nos cargos executivos, através das organizações
partidárias estruturadas nos limites pré-estabelecidos pela lei, espaço
para garantir os seus interesses. Portanto, as legislações burguesas
não permitem a disputa democrática do aparato do Estado e somente
uma pequena parcela do poder é submetida a mecanismos eleitorais.
Em resumo, nenhum Estado burguês assegura mecanismos de
acesso a todo o aparato político administrativo. Somente parcelas
delimitadas, como uma parte dos chamados poderes Executivo e
Legislativo, podem ser legalmente disputadas, desde que os postulantes
se submetam às regras e à lógica do processo.
Compreendemos que o processo eleitoral é um meio de fazer
política. Ainda que as parcelas de poder submetidas ao voto sejam
cada vez menores e esvaziadas, elas ainda representam controle
de poder político. Compreendemos também que os meios de luta
política são determinados pela correlação de forças e pelo processo
histórico. Mas a disputa eleitoral como meio de luta, assim como
a guerra, não pode ser utilizada e nem ser considerada eficiente
o tempo inteiro. Faz parte das táticas combinadas e as táticas são
sempre determinadas não pela vontade de alguns indivíduos ou de
organizações, mas pelas condições apresentadas pelas circunstâncias
históricas.
A opção tática pela luta eleitoral contempla vantagens e desvantagens
a serem avaliadas a partir de nossos objetivos estratégicos.
33
Dentre os elementos a serem considerados, os principais são as
consequências deixadas por essa forma de luta na configuração
política e ideológica de nossa esquerda. O último ciclo político da
esquerda foi marcado pela centralidade da luta eleitoral e conformou
uma geração que tem dificuldades em perceber que a luta política
não se limita a essa forma de luta.
Concentrar energias na disputa de parcelas da administração do
Estado, pelas mãos do sufrágio eleitoral, aceitando o financiamento
dos capitalistas, como tem sido o esforço central de muitas forças de
esquerda atualmente, é um grande desserviço que prestam à classe
trabalhadora em geral. Não se pode querer mudar a natureza da
política quando a política é determinada pela própria natureza do
instrumento que obriga a manter intacta a ordem que receberam
dos administradores anteriores.
O custo ideológico que a luta eleitoral cobra das organizações
revolucionárias contribui em longo prazo para afastá-las de seus
objetivos estratégicos. As eleições burguesas transformaram o voto
numa mercadoria e os candidatos nos seus comerciantes. As disputas
eleitorais tornam-se cada vez mais caras, pois se converteram num
grande e rentável investimento. Os capitalistas sabem da importância
do Estado para o seu projeto de acumulação. Os trabalhadores,
embora haja exceções localizadas, jamais ganharão essa disputa sem
enfrentar essa lógica que banaliza todas as propostas, pois não terão
finanças para competirem em tão caro negócio.
Não é mera coincidência que as duas únicas experiências "eleitorais"
de nosso continente que implementaram reformas antineoliberais
e ações de enfrentamento às classes dominantes sejam a
Venezuela e a Bolívia. Em ambos os casos, não se trata de projetos
eleitorais que se fortaleceram gradativamente ao longo dos anos,
mas de lideranças que foram legitimadas em processos insurrecionais.
Romperam a banalização figurando como exemplos pedagógicos
que se mostravam diferenciados pela ação e não pelo discurso.
Construíram apoio de massas exatamente porque romperam com
a banalização da luta eleitoral e não por terem apostado na lógica
34
imposta a essa forma de luta. Mesmo no Equador, a candidatura
de Rafael Correa se viabiliza a partir de um conjunto de forças que
tiveram papel decisivo nos levantes insurrecionais.
O exemplo da Bolívia é bem significativo. A luta de massas
ganhou expressão, desdobrou-se para um patamar insurrecional,
mas não havia correlação de forças que permitia a conquista do
poder, da mesma forma que a burguesia não dispunha de forças
para sufocar a organização popular. O embate se transferiu para a
disputa eleitoral e agora prossegue entre o governo apoiado pelas
forças populares e a oposição burguesa.
Em nosso caso, a centralidade e a exclusividade da luta eleitoral
como luta política foi a característica de todo um ciclo histórico da
esquerda que se esgotou, do ponto de vista de um projeto revolucionário,
com a vitória de Lula em 2002. Desde então, as eleições já não
têm a capacidade de unir as forças populares, que vem se apresentando
cada vez mais fragmentadas, e sem configurar uma alternativa política.
Os ínfimos minutos destinados à propaganda de idéias acabam
neutralizados pela vala comum da banalização do processo eleitoral,
quando não são meramente consumidos para fortalecer personagens
capazes de carrear os votos "necessários" à legenda.
A luta eleitoral acaba consumindo a maior parte das energias,
recursos financeiros e quadros das organizações que se dedicam a
ela. Quando algum candidato se destaca, acaba premido pela lógica
da "opinião pública", rebaixando seu discurso na mesma proporção
em que sobe nas pesquisas. Os eleitos acabam sucumbindo à lógica
do possível, pautando-se invariavelmente pela gradativa domesticação
de discursos e atitudes. As exceções, como que confirmando a regra,
permanecem isoladas, esvaziando completamente o papel da tribuna
parlamentar. Nessa lógica, quanto mais se avança eleitoralmente
mais se perde no plano ideológico e organizativo.
Esses são os elementos de análise que sustentam nossa posição
de seguir, neste momento, não participando da luta eleitoral.
Respeitamos a opção das forças políticas que apostam na luta
eleitoral como forma de acúmulo e propaganda, mas entendemos
35
que, nesse momento, nossa autopreservação no plano ideológico
se sobrepõe, assim como entendemos que as condições históricas
ainda não ensejam um caminho de utilizar essa forma de luta sem
cair na banalização.
Temos claro que não participar da luta eleitoral é apenas uma
opção tática e não um princípio político. Essa questão precisa ser
afirmada. Não participar da luta eleitoral burguesa não pode ser um
princípio de nossa organização. Até o momento, entendemos que
esse caminho não representa acúmulo diante das perdas e riscos
ideológicos previsíveis. Mas a conjuntura é dinâmica e pode se alterar,
exigindo que utilizemos essa forma de luta se as circunstâncias
históricas impuserem.
Os cenários da luta política
Neste momento histórico a luta política encontra-se limitada
à luta eleitoral entre propostas que não implicam em verdadeira
alternância de projetos. Nosso objetivo é alterar tal situação. Nesse
sentido, o surgimento de um cenário de intensificações das lutas sociais
se apresenta como o aspecto promissor que poderá possibilitar
o surgimento de novos fatos que alterem a correlação de forças.
No terreno da luta eleitoral, o cenário atual é profundamente
desalentador. As eleições municipais de 2008 confirmaram a ausência
de debate sobre projetos políticos para a sociedade brasileira e o
processo despolitizador das campanhas e dos embates eleitorais.
O forte prestígio de Lula nas massas e sua liderança na classe
trabalhadora constituem o principal elemento do cenário sucessório
nas eleições gerais previstas para 2010. Qualquer que seja a
candidatura a ser apoiada por Lula, desde já, fica evidente que será
uma proposta política ainda mais recuada e conciliatória. Ainda
que consiga eleger o sucessor, um próximo governo será ainda mais
refém da burguesia, especialmente em razão dos efeitos econômicos
e sociais da crise.
Embora seja precipitado prever cenários políticos para um período
tão distante e sequer garantir que esse calendário se cumprirá,
36
neste momento, o que se desenha é uma reprodução piorada das
candidaturas que disputaram em 2006. Até agora, não está se gestando
uma candidatura que expresse o Projeto Popular e existem
imensos obstáculos para que isso ocorra. Tal situação, bastante
desfavorável, deixará organizações, movimentos, lideranças políticas
regionais, personalidades, intelectuais, que potencialmente
poderiam assumir o Projeto Popular sem uma candidatura que
os represente.
Não podemos descartar a possibilidade de que a intensificação
da crise altere o quadro político e proporcione condições para
uma candidatura que expresse a unidade das forças políticas que
compõem o Projeto Popular. Tampouco podemos desconsiderar a
possibilidade de construir ações que se constituam numa referência
não eleitoral que se aproveite do debate político e paute o Projeto
Popular. Todavia, neste momento, tais cenários não são perceptíveis.
Sem a construção de condições que superem os atuais obstáculos,
caminharemos para eleições gerais no bojo de uma intensa crise,
sem uma alternativa que represente o Projeto Popular.
O certo é que temos como tarefa inserir o Projeto Popular no
debate político e a eleição geral de 2010 constitui um momento
privilegiado. Nosso papel é construir essas condições considerando
sempre essa questão. Isso exigirá ousadia, habilidade política e
capacidade de perceber como o quadro político irá se definindo.
Mas principalmente exigirá que tenhamos êxitos na construção
de nossa tática.
Não se pode atingir o socialismo senão pela via da revolução democrática
anti-imperialista, mas tampouco se pode consumar a revolução democrática
anti-imperialista sem atingir o socialismo. De maneira que entre ambas há uma
ligação essencial indissolúvel, são facetas de uma única revolução e não duas
revoluções. Se olhamos de agora para o futuro, o que se apresenta é a revolução
democrática anti-imperialista e que não se apresenta com uma revolução à parte,
senão como a realização das tarefas próprias da primeira fase da revolução socialista.
Jorge Schafik Handal
(O poder, o caráter, a via da revolução e a unidade da esquerda, 1980).
nOSSa tátIca
O elemento diferenciador do novo período histórico – a
possibilidade do projeto popular como alternativa de poder
Em nosso Programa Estratégico compreendemos que a burguesia
brasileira pela natureza capitalista da formação social e econômica
de nosso país se mantém umbilicalmente atada à burguesia internacional
e ao projeto político do imperialismo. Portanto, a burguesia
não tem interesse e não pode implementar qualquer medida que
atenda aos problemas estruturais que conformam o programa de
um Projeto Popular.
Consequentemente, a afirmação de que a burguesia não tem
um projeto próprio e ao longo do período de crise se limitará a
executar o projeto da burguesia internacional e do imperialismo
é um elemento decisivo em nossa definição tática. Isso implica
em considerar que a crise acentua a disjuntiva entre uma saída
do Projeto Popular e a saída capitalista impulsionada pelo imperialismo.
Portanto, em última instância, o elemento definidor
desse conf lito será o resultado da luta pelo poder entre estes
dois projetos.
Como nos ensina Florestan Fernandes, as tarefas da revolução
nacional, democrática e popular somente podem ser o resultado
da ação dos "de baixo", dirigida pelo proletariado, que envolve seus
aliados estratégicos no enfrentamento "contra a ordem", na luta
pelo poder. O Projeto Popular é a força social organizada do povo
brasileiro lutando para executar seu programa político.
40
O problema fundamental da revolução é o problema do poder.
Em nosso Programa Estratégico compreendemos a importância de
acumular forças através da construção de experiências de Poder
Popular, mas deixamos bem claro que a conquista revolucionária
do Estado é nosso principal objetivo que determina nossa tática
(Itens 42 a 50).
Ao considerarmos que a crise inaugura um novo período histórico
marcado pela insatisfação social e pela retomada da capacidade
de luta de massas, temos que reconhecer que se abre também um
período em que se coloca a questão do poder. Um período histórico
em que se acentua a crise de destino de nossa nação, em que dois
projetos irão se defrontar.
Isso não significa que a questão do poder se coloca na "próxima
esquina". Tal afirmação implica em compreender que se abre um
período histórico, de duração indeterminada, em que a possibilidade
de se construir a alternativa de poder passa a se colocar como tarefa
concreta no plano da tática.
Esse é o grande diferencial da nova conjuntura. Seguimos considerando
que o centro de nossa tática consiste em "organizar uma
alternativa popular que recoloque na ordem do dia a necessidade
de alterar o sistema de poder para realizar mudanças estruturais".
E que "a isso chamamos de Projeto Popular para o Brasil". Porém,
acrescentamos que o próximo período histórico se abre uma possibilidade
material de se construir uma alternativa popular enquanto
poder político.
Ao definirmos nosso principal objetivo como a conquista do
poder e considerarmos que estamos adentrando num novo período
histórico em que essa possibilidade se coloca, somos obrigados a nos
dedicar à construção de tais condições para que o "que se aparenta
impossível, possa ser tornado possível". Isso implica em verificar
como essa tarefa política tão complexa se articula com os processos
de curto prazo, como ela pode ser trabalhada no nível de consciência
existente e com que forças disponíveis pode ir contando no atual
momento da luta de classes.
41
Realmente, ao olharmos para a conjuntura imediata, não é fácil
vislumbrar caminhos para a construção de uma alternativa de poder.
Isso não pode nos iludir de que se trata de um objetivo inalcançável.
As debilidades resultantes desse longo período de defensiva e
descenso da luta de massas, a hegemonia burguesa e a percepção
generalizada de que a luta política se restringe à luta parlamentar
aparecem como barreiras intransponíveis para construir uma alternativa
de poder; porém, a coerência com a análise de que a crise
abre um novo período histórico em que se coloca a possibilidade
de uma alternativa de poder implica em concentrar nossas energias
em superar os obstáculos atuais e iniciar essa construção. Nossa
tarefa é apostar na construção dessa possibilidade.
Nossa tática concentra-se em construir tais possibilidades a
partir das precárias condições atuais. Isso implica em identificar
as dificuldades e implementar uma política que assegure essa
construção.
O passo imediato é a entrada em cena do Projeto Popular enquanto
força social e política.
Os passos necessários para construir a alternativa de poder do
projeto popular
A luta de classes não é planificável, nem programável; menos
ainda o é o triunfo das revoluções. Nosso esforço para definir os
passos necessários para construir as condições favoráveis à luta pelo
poder passa por identificar as atuais dificuldades e investimentos
necessários. Portanto, quando enumeramos os passos necessários
não estamos nos referindo a uma sequência cronológica. Tratase,
evidentemente, de tarefas que podem e devem ser cumpridas
simultaneamente quando as condições permitirem.
Como nos ensina Florestan Fernandes "a ordem existente
nada tem a oferecer! Instabilizá-la é o primeiro passo para levá-la à
derrocada, o ponto de partida da revolução dos oprimidos nas áreas
às quais o capitalismo nasceu, cresceu e atingiu sua maturidade vinculando
o capital a várias formas mascaradas de colonialismo".
42
a) A unidade das forças populares
Para a entrada em cena do Projeto Popular enquanto força
social e política, necessitamos construir a unidade das forças populares
em torno de um mesmo projeto político. O conflito entre
as organizações populares, embora inevitável ante as divergências
estratégicas e táticas, dispersa energias e dificulta a construção de
lutas com expressão nacional.
No atual momento em que se aprofunda a dispersão e o rearranjo
das forças de esquerda, tal tarefa é particularmente difícil.
Sabemos que as atuais organizações políticas, agrupamentos
eleitorais, correntes e movimentos sociais detêm uma reduzida
parcela de representação dos setores sociais que devem compor
o Projeto Popular. Todavia, são essas as organizações existentes
e a partir delas, de sua força conjunta, que se podem desencadear
mobilizações e lutas que elevem o nível de consciência das massas
e alterem a correlação de forças.
A classe dominante aposta na permanente fragmentação das
forças populares. No atual momento histórico, em que, gradativamente,
torna-se perceptível o esgotamento de um ciclo político da
esquerda, as forças se lançam a uma árdua disputa para construir
ferramentas, articulações que lhes permitam ocupar um papel
decisivo em um provável novo ciclo político. Tal situação estimula
a disputa por sindicatos, entidades estudantis e outras estruturas
representativas, criando um contexto difícil para o necessário trabalho
de unir as forças.
Portanto, no atual momento em que se aprofunda a dispersão
e o rearranjo das forças de esquerda tal tarefa é particularmente
difícil.
Isso não pode nos desanimar; a crise capitalista empurrará as
forças populares para as lutas de massa, deslocando seu centro de
atuação das disputas sobre a natureza do governo para as reivindicações
do povo. Nosso papel é investir na construção dessa unidade,
pautando sempre a necessidade de superar as reivindicações
corporativas e avançar para a construção do Projeto Popular.
43
b) Nossa política de alianças
Nossa prioridade é atuar com os lutadores do povo que compreendem
a importância do Projeto Popular para o Brasil e atuam
na construção da "Assembleia Popular – Mutirão por um Novo
Brasil". Entre as organizações políticas, priorizamos a aliança com
as forças que assumem o programa do Projeto Popular e apostam na
construção do Conselho Social dos Movimentos Sociais da Alba.
Estaremos juntos com todas as demais forças políticas em
torno de lutas e campanhas concretas que fortaleçam o Projeto
Popular.
c) A construção da unidade a partir das lutas
A força social do Projeto Popular terá que ser pacientemente
construída. O primeiro passo é construir a unidade no terreno das
lutas. Aprendemos a importância de unir as forças políticas em
torno de ações unitárias de impacto nacional ou campanhas que
politizam e se enfrentam com o inimigo. Sabemos como a unidade
potencializa a capacidade dessas ações. Aprendemos, também, que a
construção dessas experiências unitárias não se resume ao trabalho
de articulação, trabalho imprescindível e que exige habilidade, mas
que impõe a conjugação de construção de força própria e firmeza
para impedir o fracionamento das lutas e disputas protagonizadas
por correntes com pretensões hegemonistas.
Cada luta exige construção paciente e planejamento. Se quisermos
assegurar a unidade temos que ter a habilidade de envolver as
demais forças políticas nessa construção e planejamento. É preciso
saber transigir naquilo que não é essencial e, permanentemente,
combater o sectarismo das correntes que se empenham na destruição
das iniciativas unitárias. Trabalhar de forma unitária inviabiliza
o discurso daqueles que querem construir seus próprios aparatos,
gerando reações e boicotes à tentativa de lutas comuns.
O critério para construir uma ação unitária não é a quantidade
de organizações que se dispõem a uma iniciativa, mas sim
construir ações que se enfrentem com o inimigo: a burguesia e o
44
imperialismo; que elevem o nível de consciência das massas e que
fortaleçam a unidade de todos os setores que compõem o Projeto
Popular. Nosso papel é prosseguir sendo esse sujeito construtor da
unidade em torno das lutas.
Os meios de comunicação da classe dominante tem consciência
do perigo que representa a unificação nacional das lutas. Jornadas
expressivas são propositalmente obscurecidas ou manipuladas para
destacar uma questão secundária ou um fato irrelevante. Esse é um
mecanismo permanente da luta ideológica que sempre devemos
levar em conta em nosso planejamento das lutas. Eis porque investir
energias na construção de meios de comunicação populares adquire
uma importância estratégica.
O papel do exemplo pedagógico é decisivo na construção das
lutas. Precisamos ser ousados, mas não podemos substituir a difi-
culdade em mobilizar a massa pelo radicalismo das ações. São as
ações massivas que alteram a correlação de forças e elevam o nível
de consciência. Nosso esforço reside exatamente em assegurar que
as lutas se massifiquem.
d) A construção de uma unidade permanente
O segundo passo é avançar para a construção de uma unidade
que não seja pontual. Embora enfrentando tensões, boicotes e
muito desgaste, tivemos razoável sucesso na construção de lutas
ou campanhas pontuais. Nosso desafio é construir uma unidade
que não se limite a lutas descontínuas e se mantenha em toda uma
programação e calendário permanentes. Já aprendemos que o problema
não se limita a ter um espaço ou instância articuladora. A
construção da unidade implica em construção de confiança mútua
e somente pode ser construída vivenciando lutas conjuntas.
O problema é político e o desafio terá que ser enfrentado no processo
de construção das lutas e no debate com as demais forças.
e) Construir uma unidade programática
O terceiro passo é avançar para uma unidade programática.
45
Quando o conjunto das forças populares assume um mesmo programa
político damos um salto de qualidade em direção a construir
uma alternativa de poder. A questão do programa, seu caráter e
importância serão tratados adiante.
f) Construir força própria
Na política não basta ter razão. É preciso tê-la a tempo e contar
com a força para materializá-la. Aprendemos que apenas investir na
articulação das demais forças políticas é insuficiente para construir
a unidade do Projeto Popular. É preciso ter força própria para assegurar
a materialização da política e a própria unidade.
Nosso Plano Nacional de Construção nos orienta no sentido das
prioridades nesse processo. Avaliamos que o próximo período
tende a possibilitar a ampliação do trabalho de base e a construção
de novas frentes de massa.
É prioritário construir força própria na classe trabalhadora. O
proletariado, em especial a classe operária industrial, constitui o
sujeito social decisivo deste momento histórico. Porém, esse setor
do proletariado ainda sofre o impacto desse período de descenso,
permanecendo ainda anestesiado no Brasil.
A década de 1990, com a intensa ofensiva do capital que reduziu
mundialmente a massa de salários e gerou uma profunda
reestruturação produtiva com a precarização do trabalho, abalou
significativamente o sindicalismo dos setores industriais, que, na
década de 1980 era o pólo avançado da luta popular. Isso fez com
que esse campo de atuação perdesse a centralidade na luta.
A tendência é que essa situação se altere qualitativamente nos
próximos anos. Para tanto, será necessário concentrar energias na
organização por local de trabalho e enfrentar os seguintes desafios:
a) Uma estrutura sindical engessada, que não incorpora novos
quadros;
b) Uma direção sindical pulverizada que concentra energias na
manutenção de entidades enquanto aparelhos de arrecadação financeira
e secundariza a promoção de lutas conjuntas e articuladas;
46
c) Um cenário repressivo que tenta impedir qualquer tentativa
de organização por local de trabalho;
d) Uma base jovem, inexperiente nas lutas e desvinculada dos
dirigentes sindicais que vivenciaram o ascenso dos anos de 1980;
e) Predominância de trabalho precarizado, terceirizado ou
transitório, dificultando a organização por local de trabalho.
f) Medidas jurídicas que blindam e dificultam a greve, organização
por local de trabalho e formas de luta;
g) A figura de Lula – carisma e identidade de uma liderança
errática e ambígua que gera confusão e despolitização.
O prolongamento da crise pode gerar no setor da juventude da
classe trabalhadora uma reação de caráter classista, que provavelmente
encontrará dificuldades em passar por dentro dos sindicatos.
Nosso papel é estimular todas as experiências avançadas que
busquem romper e enfrentar os desafios organizativos enfrentados
pelos trabalhadores, sempre buscando impulsioná-los, radicalizálos
e, em especial, politizá-los em torno da alternativa do Projeto
Popular.
É importante resgatar a experiência de construção de núcleos
silenciosos e conspirativos que desenvolvem um paciente trabalho
organizativo nos locais de trabalho; construir lutas que visem superar
as ações meramente corporativas e que possuam capacidade
de envolver mais de uma categoria.
É preciso avançar na construção de uma linha de atuação no
movimento sindical, sistematizar as atuais experiências de luta que
já temos e prosseguir no estudo sobre as áreas e setores estratégicos
da organização dos trabalhadores. Porém, o mais importante é
investir energias em tentativas criativas para construir experiências
de organização na classe trabalhadora. Devemos nos tencionar
para buscar contatos e caminhos para construir a inserção nos
setores identificados como prioritários em nosso Plano Nacional
de Construção.
Será importante travar a luta ideológica com as concepções
economicistas que descartam a importância da luta política man-
47
tendo os trabalhadores apenas no patamar das reivindicações
econômicas.
A luta dos desempregados tende a se ampliar no próximo
período. Isso exigirá que nos dediquemos a contribuir na luta do
MTD, enquanto ferramenta organizativa da classe trabalhadora,
estimulando experiências de ações conjuntas com as organizações
sindicais.
A crise atingirá as universidades, especialmente o sistema de
ensino superior privado. Construir um forte movimento de luta
entre os estudantes é uma tarefa importante.
É preciso investir na construção da Assembleia Popular para
assegurar uma referência para as massas de experiência de Poder
Popular e espaço de organização para o Projeto Popular. Apostar
na construção da Assembleia Popular como um espaço amplo,
democrático e horizontal que estimula os debates, promove lutas
e contribui para a formação dos lutadores do povo.
É nosso papel estratégico investir no trabalho com a juventude
da classe trabalhadora, em especial com os jovens das grandes
concentrações urbanas. As experiências nesse sentido devem ser
impulsionadas com todas as energias.
Também é decisivo impulsionar a Alba e seu Conselho de
Movimentos Sociais. A batalha contra o imperialismo, tanto na sua
dimensão nacional quanto continental requer cada vez mais uma
articulação que construa uma estratégia comum dos movimentos
populares.
Devemos desenvolver atividades de Solidariedade Internacional
na defesa e apoio aos processos revolucionários, às lutas e à resistência
dos povos ao imperialismo e a ordem capitalista. Devemos
formar nossa militância no princípio internacionalista, estimulando
iniciativas concretas de solidariedade internacional.
Todas essas tarefas exigem nosso fortalecimento enquanto
instrumento político de natureza partidária. Construir força
própria é principalmente executar nosso Plano Nacional de
Construção.
48
Finalmente, nosso papel nesse novo período histórico é assegurar
a visibilidade do Projeto Popular, convertê-lo numa alternativa
concreta, identificada pelas massas.
O programa do projeto popular
Em nosso Programa Estratégico definimos que: "O caráter da revolução
é proletário, socialista e internacionalista. A consolidação de
seu programa revolucionário contempla as tarefas nacionais, democráticas
e populares que não foram historicamente cumpridas pela
burguesia e somente poderão ser implementadas pelo proletariado
que explicita, na tática e na estratégia, seu papel anticapitalista, antiimperialista,
antineoliberal e de horizonte socialista" (Item 1).
Realmente, a experiência de nosso continente comprova a formulação
de Schafik Handal:
não se pode atingir o socialismo senão pela via da revolução democrática
anti-imperialista, mas tampouco se pode consumar a revolução democrática
anti-imperialista sem atingir o socialismo. De maneira que entre ambas há
uma ligação essencial indissolúvel, são facetas de uma única revolução e
não de duas revoluções.
Portanto, um programa com tarefas nacionais democráticas e
populares não guarda qualquer contradição com a definição do caráter
socialista da revolução brasileira. Esse é o conceito central aprovado
em nosso Programa Estratégico. Os ritmos na aplicação do programa
social, a realidade das mudanças econômico-sociais está na dependência
das condições nacionais e internacionais em que se realizam
cada revolução. Ou nas palavras de nosso Programa Estratégico
O caráter da revolução está inserido num processo dinâmico, ininterrupto
e seu ritmo é definido pela força do proletariado em cada época e determinado
por três aspectos centrais: processo histórico e o nível alcançado neste
momento da consciência de classe; a correlação de forças nacional e internacional;
e a possibilidade real da conquista do poder do Estado (Item 2).
A construção do programa é também a construção das bandeiras
unificadoras que aglutinam o campo nacional e popular e envolvem
no projeto revolucionário os aliados estratégicos da classe trabalhadora
49
da cidade e do campo. Através dele poderemos incorporar a vacilante
pequena burguesia, as camadas médias, seduzidas pelo consumo
capitalista, e as massas pauperizadas das grandes concentrações urbanas.
Construir um programa com objetivo revolucionário que não
contempla tais setores implica em considerar que os trabalhadores
podem avançar isolados para a construção do socialismo ou que o
objetivo revolucionário foi jogado para um futuro distante.
O que determina as tarefas econômicas e sociais que definem
o programa revolucionário são as contradições efetivas existentes
que mobilizam os setores e forças sociais que integram o campo da
revolução e não o desejo das organizações revolucionárias. Os que
criticam a atualidade de um programa democrático e popular com
tarefas nacionais, democráticas e populares para a revolução brasileira
são incapazes de formular uma alternativa de programa com tarefas
de caráter socialista que se coloque no plano imediato. Com isso,
lançam a questão da conquista revolucionária do poder para um
futuro distante e incerto.
O programa do Projeto Popular deve contemplar as bandeiras
feministas; entre as desigualdades e opressões, a de gênero é a mais
antiga e brutal. A luta feminista não é isolada, é parte da luta de
classes. O feminismo deve compor uma unidade com a luta classista,
afinal a emancipação das mulheres e dos homens impõe uma
ruptura com o sistema capitalista, não apenas na base material da
produção, mas também no campo dos valores, do modo de vida
e da cultura.
A construção de uma relação com os itens de um programa de
lutas não tem sido um problema para a esquerda brasileira. Mesmo
as forças políticas que guardam o maior sectarismo entre si, em razão
de suas divergências sobre o governo Lula, quando convocadas
para formular um programa de reivindicações sociais, econômicas e
políticas, são capazes de construir uma única pauta em pouco tempo.
Neste momento, basta verificar a similitude das propostas das diversas
organizações de esquerda ante a crise, para comprovar essa afirmação.
O importante é reconhecer que tais construções, invariavelmente,
50
contemplam mudanças estruturais como a reforma agrária, não
pagamento da dívida externa, ensino público e gratuito etc.
Consequentemente, a maior dificuldade não consiste em escolher
as questões que integram um programa unitário, mas em construir
um processo de lutas em que cada força política se reconheça
na construção desse programa e o assuma como seu. Assegurar
que as forças políticas se centralizem pelo mesmo programa é bem
mais complexo do que construir um documento que contenha uma
pauta de reivindicações. Exige a construção de confiança mútua,
adquirida ao longo das lutas, relações democráticas entre elas e um
processo de politização em que todos percebam que as disputas
por hegemonismo não podem atrapalhar uma construção com
importância estratégica.
Nos últimos anos, a experiência mais rica de construção de
uma pauta de reivindicações sociais, econômicas e políticas se deu
através da Assembleia Popular – Mutirão por um Novo Brasil,
consolidadas no programa O Brasil que Queremos. Milhares de lutadores
do povo, através de um intenso trabalho de base, discutiram
democraticamente um programa amplo que enfrenta os principais
problemas estruturais de nosso país.
tarefas importantes para o próximo período
Mais do que nunca é necessário intensificar as tarefas de nosso tripé
do acúmulo de forças (lutas de massas, formação e organização).
Abre-se uma imensa possibilidade no terreno da agitação e
propaganda de levar às massas nossa explicação sobre a crise, seus
impactos e as saídas que propomos. É a oportunidade do Projeto
Popular para o Brasil. Nosso papel é fomentar esse debate em
todos os espaços, explicar a crise, sua natureza e as propostas do
povo para superá-la.
Crescerão as pressões para uma reforma trabalhista e previdenciária
que suprimam os direitos dos trabalhadores. O projeto de Reforma
Tributária, o "SuperSimples" e várias iniciativas em trâmite no
Congresso Nacional já sinalizam nesse sentido. Com o agravamento
51
da crise, o patronato pressionará cada vez mais para reduzir direitos.
Devemos dedicar todas as energias para barrar qualquer intento de
supressão ou redução dos direitos da classe trabalhadora.
As demissões e falências já começaram. Devemos estimular
greves contra as demissões e construir ocupações de empresas
falidas, onde for possível.
É preciso construir jornadas de luta expressivas, de caráter nacional,
que apontem as respostas da classe trabalhadora à crise.
Prevendo que a burguesia pressionará o governo e todo o aparato
estatal pela intensificação das medidas de criminalização das
lutas sociais, nossa tarefa é incrementar a denúncia e a luta contra
todas essas tentativas. Desde já é preciso enfrentar a violência do
Estado contra as populações pobres, especialmente das grandes
concentrações periféricas, estimulando ações em conjunto com as
entidades de defesa dos direitos humanos.
A crise traz a tona o tema da dívida. Nosso papel é apoiar as
auditorias das dívidas do Equador e Paraguai e lutar pela CPI e por
uma Auditoria da dívida brasileira. Mais de 50% dos recursos gastos
pelo orçamento do país em 2007 foram destinados aos serviços de
pagamento da dívida. Esse tema precisa ser trabalhado com intensidade
na agitação e propaganda.
A questão ambiental ganha principalidade. A destruição ambiental
praticada pelo capitalismo coloca a humanidade perante
catástrofes gigantescas. Nossa tarefa é elevar a consciência sobre
os problemas ambientais demonstrando seu vínculo com o sistema
capitalista e lutando pela sustentabilidade de qualquer projeto de
desenvolvimento.
A luta para assegurar que as riquezas do petróleo sejam utilizadas
para solucionar os problemas nacionais é decisiva.
Avançar nas lutas de caráter anti-imperialista e construir solidariedade
ativa com os trabalhadores e os povos da América Latina
e do mundo.
Apostar na construção e viabilização dos meios de comunicação
do Projeto Popular.

QUE FAZER- LENINE

Que Fazer?
Vladimir Ilitch Lenine
1902
Fonte: The Marxists Internet Archive
Prefácio
De acordo com a intenção original do autor, este trabalho que apresentamos ao leitor
devia ser dedicado ao desenvolvimento detalhado das ideias expostas no artigo "Por
Onde Começar?" (Iskra, n.º 4, maio de 1901). Antes de tudo, devemos desculpar-nos
perante o leitor pelo atraso verificado no cumprimento da promessa feita nesse artigo (e
repetida em resposta a numerosas perguntas e cartas particulares). Uma das razões desse
atraso foi a tentativa de unificação de todas as organizações sociais-democratas no
estrangeiro, empreendida em junho do ano passado (1901). Seria natural que se
aguardasse os resultados dessa tentativa, pois, se tivesse êxito, talvez fosse preciso
expor sob um ângulo um pouco diferente os pontos de vista do Iskra em matéria de
organização; em todo o caso, o êxito de tal tentativa teria permitido pôr termo, de modo
bastante rápido, à existência de duas tendências na social-democracia russa. Como o
leitor não ignora, essa tentativa fracassou e, como procuraremos demonstrar mais
adiante, não poderia ter outro fim após a mudança inesperada do Rabótcheie Dielo, em
seu número 10, em direcção ao "economismo". Tornou-se absolutamente necessário
empreender uma luta decisiva contra esta tendência vaga e pouco determinada, porém
tanto mais persistente e susceptível de renascer sob as mais variadas formas. Desse
modo, o plano inicial deste trabalho foi modificado e consideravelmente ampliado. O
tema principal deveria abranger as três questões propostas no artigo "Por Onde
Começar?", ou seja: o carácter e o conteúdo essencial de nossa agitação política; nossas
tarefas de organização, o plano para a construção de uma organização de combate para
toda a Rússia dirigido simultaneamente para diversos fins. Desde há muito tais
problemas vêm interessando ao autor, que já procurou abordá-los na Rabótchaia Gazeta,
em uma das tentativas malogradas de se renovar essa publicação (ver cap. V). Contudo,
minha intenção inicial de me limitar, neste trabalho, somente à análise dessas três
questões e de expor meus pontos de vista, sempre que possível, de forma positiva
evitando recorrer à polémica, tornou-se completamente impraticável por duas razões.
Por um lado, o "economismo" revelou-se muito mais forte do que os supúnhamos
(empregamos o termo "economismo" em sentido amplo, como foi explicado no artigo
do, Iskra, n.º. 12, dezembro de 1901: "Uma Conversa com os Defensores do
Economismo", artigo que traça por assim dizer, o esboço do trabalho que apresentamos
ao leitor). Hoje é inegável que as diferentes opiniões a respeito desses três problemas
explicam-se muito mais pela oposição radical das duas tendências na social-democracia
russa, do, que pelas divergências quanto a detalhes. Por outro lado, a perplexidade
suscitada entre os "economistas" pela exposição metódica de nossos pontos de vista no
Iskra evidenciou que, frequentemente, falamos línguas literalmente diferentes: que, por
conseguinte, não podemos chegar a qualquer acordo se não começarmos de novo; que é
necessário tentar. Uma explicação metódica tão popular quanto possível, ilustrada com
exemplos concretos muito numerosos, com todos os "economistas", sobre todos os
pontos capitais de nossas divergências. E resolvi tentar tal "explicação", compreendendo
perfeitamente que ela aumentaria consideravelmente as dimensões deste trabalho e
retardaria seu aparecimento, mas não encontrei outro meio de cumprir a promessa feita
no artigo "Por Onde Começar?". As desculpas por esse atraso, é necessário acrescentar
outras quanto à extrema insuficiência da forma literária deste trabalho: tive de trabalhar
com a maior das pressas e, ademais, foi interrompido frequentemente por toda a sorte de
outros trabalhos. A análise das três questões indicadas anteriormente continua a ser o
objecto deste trabalho, mas tive de começar por duas outras questões de ordem mais
geral: por que uma palavra de ordem tão "inofensiva" e "natural" como "liberdade de
crítica" constitui para nós um verdadeiro grito de guerra? Por que, não podemos chegar
a um acordo nem sequer sobre a questão fundamental do papel da social-democracia,
em relação ao movimento espontâneo das massas? Além disso, a exposição dos meus
pontos de vista sobre o carácter e o conteúdo da agitação política visa a explicar a
diferença entre a política sindical e a política social-democrata, e a exposição dos meus
pontos de vista sobre as tarefas de organização visa a explicar a diferença entre os
métodos artesanais de trabalho, que satisfazem os "economistas", e a organização dos
revolucionários que consideramos indispensável. Em seguida, insisto mais uma vez
sobre o "plano" de um jornal político para toda a Rússia, pois as objecções que têm sido
feitas a esse respeito são inconsistentes e não respondem à natureza da questão proposta
no artigo "Por Onde Começar?": como poderemos empreender, simultaneamente e por
todos os lados, a formação da organização de que necessitamos? Enfim, na última parte
do trabalho espero demonstrar que fizemos tudo o que dependia de nós para evitar a
ruptura definitiva com os "economistas", ruptura que, entretanto, tornou-se inevitável;
que o Robótcheie Dielo adquiriu uma importância especial, "histórica", se quiserem,
porque exprimiu da maneira mais completa e com maior relevo, não o "economismo"
consequente,. mas a dispersão e as incertezas que constituíram o traço peculiar de todo
um período da história da social-democracia russa; que, por conseguinte, apesar de
parecer bastante desenvolvida à primeira vista, a polémica com o Rabótcheie Dielo tem
sua razão de ser, pois não podemos seguir adiante sem, liquidar definitivamente esse
período.
Fevereiro de 1902.
I. Lenine

Capítulo 1 - Dogmatismo e "Liberdade de Crítica"

a) O que Significa a "Liberdade de Crítica"
"Liberdade de crítica" é, sem dúvida alguma, a palavra de ordem mais em voga
actualmente, aquela que aparece com mais frequência nas discussões entre socialistas e
democratas de todos os países. À primeira vista, nada parece mais estranho do que ver
um dos contraditores exigir solenemente a liberdade de crítica. Acaso nos partidos
avançados ergueram-se vozes contra a lei constitucional que na maioria dos países
europeus, garante a liberdade da ciência e da investigação científica? "Há algo
escondido" dirá necessariamente qualquer homem imparcial que tenha ouvido essa
palavra de ordem em moda, repetida em todos os cantos, e que ainda não tenha
apreendido o sentido do desacordo. "Essa palavra de ordem é, evidentemente, uma
daquelas pequenas palavras convencionais que, como os apelidos, são consagradas pelo
uso e tornam-se quase nomes comuns".
De facto, não constitui mistério para ninguém que, na atual social-democracia
internacional, se tenham formado duas tendências, cuja luta ora "se anima e se inflama,
ora se extingue sob as cinzas das grandiosas resoluções de tréguas". Em que consiste a
"nova tendência que "critica" o "velho" marxismo "dogmático", disse-o Bernstein, e
demonstrou-o Millerand com suficiente clareza. A social-democracia deve transformar-se
de partido da revolução social em partido democrático de reformas sociais. Essa
reivindicação política, foi cercada por Bernstein com toda uma bateria de "novos"
argumentos e considerações muito harmoniosamente orquestrados. Nega ele a
possibilidade de se conferir fundamento científico ao socialismo e de se provar, do
ponto de vista da concepção materialista da história, sua necessidade e sua
inevitabilidade, nega a miséria crescente, a proletarização e o agravamento das
contradições capitalistas; declara inconsistente a própria concepção do "objectivo final",
e rejeita categoricamente a ideia da ditadura do proletariado; nega a oposição de
princípios entre o liberalismo e o socialismo, nega a teoria da luta de classes,
considerando-a inaplicável a uma sociedade estritamente democrática, administrada
segundo a vontade da maioria etc. Assim, a exigência de uma mudança decisiva - da
social-democracia revolucionária para o reformismo social burguês - foi acompanhada
de reviravolta não menos decisiva em direcção à crítica burguesa de todas as ideias
fundamentais do marxismo. E como essa crítica, de há muito, era dirigida contra o
marxismo do alto da tribuna política e da cátedra universitária, em uma quantidade de
publicações e em uma série de tratados científicos: como, há dezenas de anos, era
inculcada sistematicamente à jovem geração das classes instruídas, não é de se
surpreender que a "nova" tendência "crítica" na social-democracia tenha surgido
repentinamente sob sua forma definitiva, tal como Minerva da cabeça de Júpiter. Em
seu conteúdo, essa tendência não teve de se desenvolver e de se formar; foi
transplantada directamente da literatura burguesa para a literatura socialista.
Prossigamos. Se a crítica teórica de Bernstein e suas ambições políticas permaneciam
ainda obscuras para alguns, os franceses tiveram o cuidado de fazer uma demonstração
prática, do "novo método". Ainda desta vez a França justificou sua velha reputação de
"país em cuja história a luta de classes, mais do que em qualquer outro, foi
resolutamente conduzida até o fim" (Engels, trecho do prefácio ao Der 18 Brumaire de
Marx). Ao invés de teorizar, os socialistas franceses agiram deliberadamente; as
condições políticas da França, mais desenvolvidas no sentido democrático, permitiram-lhes
passar imediatamente ao "bernsteinismo prático" com todas as suas consequências.
Millerand deu um exemplo brilhante desse bernsteinismo prático; também, com que
empenho Bernstein e Volimar apressaram-se em defender e louvar Millerand! De fato,
se a social-democracia não constitui, no fundo, senão um partido de reformas e deve ter
a coragem de reconhecê-lo abertamente, o socialismo não somente tem o direito de
entrar em um ministério burguês, como também deve mesmo aspirar sempre a isso. Se a
democracia significa, no fundo, a supressão da dominação de classe, por que um
ministro socialista não seduziria o mundo burguês com discursos sobre a colaboração
das classes? Por que não conservaria ele sua pasta, mesmo após os assassínios de
operários por policiais terem demonstrado pela centésima e pela milésima vez o
verdadeiro carácter da colaboração democrática das classes? Por que não facilitaria
pessoalmente o czar a quem os socialistas franceses não chamavam senão de knouteur,
pendeur et déportateur? E para contrabalançar esse interminável aviltamento e autoflagelaçãodo socialismo perante o mundo inteiro, essa perversão da consciência
socialista das massas operárias - única base que nos pode assegurar a vitória -, são nos
oferecidos os projectos grandiloquentes de reformas insignificantes, insignificantes ao
ponto de se poder ter obtido mais dos governos burgueses! Aqueles que não fecham os
olhos, deliberadamente, não podem deixar de ver que a nova tendência "crítica" no
socialismo nada mais é que uma nova variedade do oportunismo. E se tais pessoas
forem julgadas, não a partir do brilhante uniforme que vestiram, nem tampouco do título
pomposo que se atribuíram, mas a partir de sua maneira de agir e das idéias que
realmente divulgam, tornar-se-á claro que "a liberdade de crítica" é a liberdade da
tendência oportunista na social-democracia, a liberdade de transformar esta em um
partido democrático de reformas, a liberdade de implantar no socialismo as ideias
burguesas e os elementos burgueses. A liberdade é uma grande palavra, mas foi sob a
bandeira da liberdade da indústria que foram empreendidas as piores guerras de
pilhagem, foi sob a bandeira da liberdade do trabalho, que os trabalhadores foram
espoliados. A expressão "liberdade de crítica", tal como se emprega hoje, encerra a
mesma falsidade. As pessoas verdadeiramente convencidas de terem feito progredir a
ciência não reclamariam, para as novas concepções, a liberdade de existir ao lado das
antigas, mas a substituição destas por aquelas. Portanto, os gritos atuais de "Viva a
liberdade de crítica!" lembram muito a fábula do tonel vazio. Pequeno grupo compacto,
seguimos por uma estrada escarpada e difícil, segurando-nos fortemente pela mão. De
todos os lados, estamos cercados de inimigos, e é preciso marchar quase constantemente
debaixo de fogo. Estamos unidos por uma decisão livremente tomada, precisamente a
fim de combater o inimigo e não cair no pântano ao lado, cujos habitantes desde o início
nos culpam de termos formado um grupo à parte, e preferido o caminho da luta ao
caminho da conciliação. Alguns dos nossos gritam: Vamos para o pântano! E quando
lhes mostramos a vergonha de tal ato, replicam: Como vocês são atrasados! Não se
envergonham de nos negar a liberdade de convidá-los a seguir um caminho melhor!
Sim, senhores, são livres não somente para convidar, mas de ir para onde bem lhes
aprouver, até para o pântano; achamos, inclusive, que seu lugar verdadeiro é
precisamente no pântano, e, na medida de nossas forças, estamos prontos a ajudá-los a
transportar para lá os seus lares. Porém, nesse caso, larguem-nos a mão, não nos
agarrem e não manchem a grande palavra liberdade, porque também nós somos "livres"
para ir aonde nos aprouver, livres para combater não só o pântano, como também
aqueles que para lá se dirigem!(*)

b) Os Novos Defensores da "Liberdade de Crítica"
É esta palavra de ordem ("liberdade de crítica") que o Rabótcheie Dielo (n.º 10), órgão
da "União dos Sociais-Democratas Russos" no estrangeiro, formulou solenemente
nesses últimos tempos, não como postulado teórico, mas como reivindicação política,
corno resposta à questão: "É possível a união das organizações sociais-democratas
funcionando no estrangeiro?" - "Para uma união sólida, a liberdade de crítica é
indispensável" (p. 36). Daqui, duas conclusões bastante precisas são extraídas: 1ª) o
Rabótcheie Dielo assume a defesa da tendência oportunista na social-democracia
internacional, em geral; 2ª) o Rabótcheie Dielo reclama a liberdade de oportunismo na
social-democracia russa. Examinemos estas conclusões. O que desagrada "acima de
tudo" ao Rabótcheie Dielo, é a "tendência que têm o Iskra e a Zaria de prognosticar a
ruptura entre a Montanha e a Gironda da social-democracia internacional".(1) "Falar de
uma Montanha e de uma Gironda nos escalões da social-democracia, escreve o
redactor-chefe do Rabótcheie Dielo, B. Kritchévski, parece-nos uma analogia histórica
superficial, singular na pena de um marxista: a Montanha e a Gironda não
representavam temperamentos ou correntes intelectuais diversas como poderá parecer
aos historiadores ideólogos, mas classes ou camadas diversas: de um lado, a média
burguesia, de outro, a pequena-burguesia e o proletariado. Ora, no movimento socialista
contemporâneo, não existe coalizão de interesses de classe; em todas (sublinhado por
Kritchévski) as suas variedades, aí compreendidos os bernsteinianos mais declarados, o
movimento coloca-se inteiramente no campo dos interesses da classe do proletariado, da
luta de classe do proletariado para sua emancipação política e económica"(p. 32-33).
Afirmação ousada! Ignora B. Kritchévski o fato, há muito observado, de que foi
precisamente a grande participação da camada de "académicos", no movimento
socialista dos últimos anos, que assegurou a rápida difusão do bernsteinismo? E, ainda
mais, em que fundamenta o autor sua opinião para declarar que os "bernsteinianos mais
declarados" colocam-se, também eles, no campo da luta de classe para a emancipação
política e económica do proletariado? Não seria possível dize-lo. Esta defesa resoluta
dos bernsteinianos mais declarados não encontra nenhum argumento, nenhuma razão
para apoiá-la. Mas, o que de mais "superficial" pode haver do que esta maneira de julgar
toda uma tendência, a partir das próprias convicções daqueles que a representam? O que
há de mais superficial do que a moral que acompanha esses dois tipos ou caminhos
diferentes, e mesmo diametralmente opostos, do desenvolvimento do Partido (p. 34-35
do Rabótcheie Dielo)? Observem que os sociais-democratas alemães admitem a
completa liberdade de crítica; os franceses, ao contrário, não o fazem, e é o seu exemplo
que demonstra todo o "mal da intolerância". Respondemos que é precisamente o
exemplo de B. Kritchévski aquele que mostra haver pessoas que, intitulando-se, por
vezes marxistas, consideram a história exactamente "à maneira de Ilováiski". Para
explicar a unidade do partido alemão e a dispersão do partido socialista francês, não há
nenhuma necessidade de se buscar as particularidades da história de um ou outro país,
de se fazer comparações entre as condições do semi-absolutismo militar e do
parlamentarismo republicano, de se examinar as consequências da Comuna e da lei de
excepção contra os socialistas, de se comparar a situação e o desenvolvimento
económicos, de se levar em conta o fato de que o "crescimento ímpar da socialdemocracia
alemã" foi acompanhado de uma luta de vigor sem precedentes na história
do socialismo, não somente contra os erros teóricos (Mühlberger, Dühring,(2) os
socialistas da Cátedra), mas também contra os erros tácticos (Lassalle) etc. etc. Tudo
isto é supérfluo! Os franceses discutem entre si, porque são intolerantes; os alemães são
unidos, porque são bons rapazes. E, note-se bem, através dessa incomparável
profundidade de pensamento, "recusa-se" um fato que arruina completamente a defesa
dos bernsteinianos. Colocam-se estes últimos no campo da luta de classe do
proletariado? Tal questão não pode ser definitivamente resolvida, e sem se voltar atrás,
senão pela experiência histórica. Por conseguinte, o mais importante aqui é o exemplo
da França, o único país onde os bernsteinianos tentaram voar com suas próprias asas,
com a calorosa aprovação de seus colegas alemães (e em parte, dos oportunistas russos:
cf. Rab, Dielo, n.º. 2-3, p., 83-84). Alegar a "intransigência" dos franceses, além do
valor "histórico" de tal alegação (à maneira de Nozdrev, é simplesmente dissimular, sob
palavras acrimoniosas, fatos extremamente desagradáveis. Aliás, não temos nenhuma
intenção de abandonar os alemães a B. Kritchévski e a outros inúmeros defensores da
"liberdade de crítica". Se os "bernsteinianos mais declarados" ainda são tolerados no
partido alemão, é unicamente na medida em que se submetem à resolução de Hanôver,
que rejeita deliberadamente as "emendas" de Bernstein, e a de Lübeck, a qual (apesar de
toda a diplomacia) contém uma advertência formal dirigida a Bernstein. Do ponto de
vista dos interesses do partido alemão, pode-se discutir a oportunidade desta diplomacia
e perguntar se, neste caso, um mau acordo vale mais do que uma boa discussão; em uma
palavra, pode-se discordar sobre este ou aquele meio de rejeitar o bernsteinismo. mas
não seria possível ignorar o fato de o partido alemão tê-lo repudiado por duas vezes,
portanto, aceitar que o exemplo dos alemães confirma a tese de que "os bernsteinianos
mais declarados colocam-se no campo da luta de classe do proletariado para sua
emancipação económica e política", significa que não se compreende absolutamente
nada do que se passa sob os olhos de todos.(3) E ainda mais. O Rabótcheie Dielo, como
já mostramos, apresenta à social-democracia russa a reivindicação da "liberdade de
crítica" e defende o bernsteinismo. Aparentemente, deve ter-se convencido de que
nossos "críticos" e nossos bernsteinianos eram injustamente maltratados. Mas, quais?
Por quem, onde e quando? Por que injustamente? A esse respeito, o Rabótcheie Dielo
cala-se; nem uma só vez menciona um crítico ou um bernsteiniano russo! Só nos resta
escolher entre as duas hipóteses possíveis. Ou a parte injustamente ofendida não é senão
o próprio Rabótcheie Dielo (o que é confirmado pelo fato de os dois artigos do n.º. 10
falarem unicamente das ofensas infligidas pela Zaria e pelo Iskra ao Rabótcheie Dielo).
Mas, daí, como explicar o estranho fato de o Rabótcheie Dielo, que sempre negou
obstinadamente qualquer solidariedade com o bernsteinismo, não ter podido se defender
senão em favor dos "bernsteinianos mais declarados" e da liberdade de crítica? Ou,
então, foram terceiros os injustamente ofendidos. Neste caso, quais seriam, pois, os
motivos para não serem mencionados? Assim, vemos que o Rabótcheie Dielo continua
o jogo de esconde-esconde, ao qual se dedica (como demonstraremos mais adiante)
desde que existe. Ademais, note-se esta primeira aplicação prática da famosa "liberdade
de crítica". De fato, esta liberdade logo reconduziu não somente à ausência de toda
crítica, mas também à ausência de todo julgamento independente em geral. O mesmo
Rabótcheie Dielo que oculta, como uma doença secreta (segundo a feliz expressão de
Satrover), a existência de um bernsteinismo russo, propõe para curar essa doença copiar
pura e simplesmente a última receita alemã para o tratamento da forma alemã de tal
doença! Ao invés de liberdade de crítica, imitação servil... pior ainda: simiesca! As
manifestações do atual oportunismo internacional, em toda a parte idêntico em seu
conteúdo social e político, variam segundo as particularidades nacionais. Em um país,
as oportunidades há muito agrupam-se sob uma bandeira distinta; em outro,
desdenhando a teoria, seguem praticamente a política dos socialistas radicais; em um
terceiro, alguns membros do partido revolucionário, que se passaram para o campo do
oportunismo, desejam atingir os seus fins, não através de luta aberta por princípios e
tácticas novas, mas através de corrupção gradual, imperceptível e, se é que se pode
dizer, não passível de punição pelo seu partido; enfim, em outro lugar, esses desertores
empregam os mesmos procedimentos nas trevas da escravatura política, onde a relação
entre a atividade "legal" e a atividade "ilegal" etc., é completamente original. Fazer da
liberdade de crítica e da liberdade do bernsteinismo a condição da união dos sociais
democratas russos, sem uma análise das manifestações concretas e dos resultados
particulares do bernsteinismo russo, é falar sem nada dizer. Portanto, tentemos nós
próprios dizer, ao menos em poucas palavras, o que não quis dizer (ou talvez não tenha
sabido compreender) o Rabótcheie Dielo.

c) A Crítica na Rússia
No que concerne à nossa análise, a particularidade essencial da Rússia consiste em que
o próprio começo do movimento operário espontâneo, de um lado, e a evolução da
opinião pública avançada em direção ao marxismo, de outro, foram marcados pela
combinação de elementos notoriamente heterogéneos sob uma mesma bandeira para a
luta contra o inimigo comum (contra uma filosofia política e social obsoletas).
Referimo-nos à lua-de-mel do "marxismo legal", um fenómeno de extrema
originalidade, em cuja possibilidade ninguém teria acreditado na década de 1880, ou no
início da década de 1890. Em um país autocrático, onde a imprensa é completamente
subjugada, em uma época de terrível reação política que reprimia as menores
manifestações de descontentamento e de protesto político, a teoria do marxismo
revolucionário abre repentinamente o caminho em uma literatura submissa à censura, e
esta teoria foi exposta na linguagem de Esopo, compreensível. porém, a todos "aqueles
que se interessavam". O governo tinha se habituado a não considerar como perigosa
senão a teoria da "Norodnaia Volia" (revolucionária); e não notava, como é comum, a
sua evolução interna regozijando-se com toda crítica dirigida contra ela. Antes de o
governo se aperceber, antes de o pesado exército de censores e policiais descobrir o
novo inimigo e atirar-se sobre ele, muito tempo se passou (muito tempo para nós,
russos). Ora, durante esse tempo, as obras marxistas foram editadas sucessivamente,
foram fundados jornais e revistas marxistas; todo o mundo literalmente tornou-se
marxista; os marxistas eram elogiados, adulados, os editores estavam entusiasmados
com a venda extremamente rápida das obras marxistas. É compreensível que entre os
marxistas principiantes, mergulhados na embriaguez do sucesso, tenha havido mais de
um "escritor envaidecido"-... Hoje, pode-se falar desse período tranquilamente, como se
fala do passado. Ninguém ignora que a efémera emergência do marxismo à superfície
de nossa literatura provém da aliança com elementos bastante moderados. No fundo,
esses últimos eram democratas burgueses, e esta conclusão (evidenciada por sua
evolução "crítica" ulterior) já se impunha a alguns à época em que a "aliança" ainda
estava intacta.(4) Mas, assim sendo, a quem pertence a maior responsabilidade pelo
"problema" ulterior, senão aos sociais-democratas revolucionários que concluíram esta
aliança com os futuros "críticos"? Esta é a questão, seguida de uma resposta afirmativa,
que se ouve, por vezes, das pessoas que vêem as coisas de maneira demasiado linear.
Tais pessoas, porém, não têm razão alguma. Só podem temer as alianças temporárias,
mesmo com elementos inseguros, os que não possuem confiança em si próprios.
Nenhum partido político poderia existir sem essas alianças. Ora, a união com os
marxistas legais foi, de qualquer modo, a primeira aliança, política verdadeira realizada
pela social-democracia russa. Esta aliança permitiu alcançar uma vitória
surpreendentemente rápida sobre o populismo, e assegurou a prodigiosa difusão das
idéias marxistas (é verdade que vulgarizadas). Além disso, esta aliança não foi
concluída completamente sem "condições" . Testemunha-o a compilação marxista,
Documentos Sobre o Desenvolvimento Econômico da Rússia, queimada em 1895 pela
censura. Se se pode comparar o acordo literário com os marxistas legais a uma aliança
política, pode-se comparar tal obra a um contrato político. Evidentemente, a ruptura não
se deve ao fato de os "aliados" se terem declarado democratas burgueses. Ao contrário,
os representantes dessa última tendência constituem, para a social-democracia, aliados
naturais e desejáveis, sempre que se trate de tarefas democráticas que a situação atual
da Rússia coloca em primeiro plano. Mas, a condição necessária para tal aliança, é que
os socialistas tenham a plena possibilidade de revelar à classe operária a oposição hostil
entre os seus interesses e os da burguesia. Ora, o bernsteinismo e a tendência "crítica" a
que aderiram, em geral, os marxistas legais, em sua maioria, removiam essa
possibilidade e pervertiam a consciência socialista, aviltando o marxismo, pregando a
teoria da atenuação dos antagonismos sociais, proclamando absurda a idéia da revolução
social e da ditadura do proletariado, reconduzindo o movimento operário e a luta de
classes a um sindicalismo estreito e à luta "realista" por reformas pequenas e graduais.
Isso equivalia perfeitamente à negação, para a democracia burguesa, do direito do
socialismo à independência e, por conseguinte, de seu direito à existência; e, na prática,
tendia a transformar o movimento operário, então em seus primórdios, em apêndice do
movimento liberal. É evidente que, nessas condições, impunha-se a ruptura. Porém, pela
particularidade original da Rússia, essa ruptura de novo consistiu em simplesmente
eliminar os sociais-democratas da literatura "legal" , a mais acessível ao público e a
mais amplamente difundida. Os "ex-marxistas", que se agruparam "sob o signo da
crítica" e obtiveram quase o monopólio da "execução" do marxismo, aí se
entrincheiraram. Os slogans, "contra a ortodoxia" e "viva a liberdade de crítica"
(retomados agora pelo Rabótcheie Dielo) tornaram-se imediatamente palavras em moda.
Nem mesmo os censores e os policiais puderam resistir a essa moda, como o mostram
as três edições russas do livro famoso (famoso à maneira de Eróstrato) Bernstein, ou a
recomendação de Zoubatov das obras de Bernstein, de M. Prokopovitch etc. (Iskra n.º.
10). Aos sociais-democratas impunha-se, então, a tarefa já em si difícil, e ainda mais
incrivelmente dificultada pelos obstáculos puramente exteriores, de combater a nova
corrente. Ora, tal corrente não se limitava à literatura. A evolução em direcção à
"crítica" encontrou-se com o entusiasmo dos sociais-democratas práticos pelo
"economismo".(5) O nascimento e o desenvolvimento da ligação e da dependência
recíproca, entre a crítica legal e o "economismo" ilegal, constituem questão interessante,
que poderia servir de objecto de um artigo especial. Aqui, basta-nos assinalar a
existência incontestável dessa ligação. O famoso Credo adquiriu tão merecida
celebridade por ter formulado abertamente essa ligação, e divulgado incidentalmente a
tendência política fundamental do "economismo": para os operários, a luta económica
(ou, mais exactamente, a luta sindical, que abrange também a política especificamente
operária); para os intelectuais marxistas, a fusão com os liberais para a "luta" política. A
atividade sindical "no povo" foi a realização da primeira metade da tarefa; a crítica
legal, da segunda. Essa declaração era uma arma tão preciosa contra o "economismo"
que se o Credo não tivesse existido, teria sido necessário inventá-lo. O Credo não foi
inventado, mas publicado sem o consentimento e talvez mesmo contra a vontade de seus
autores. Em todo o caso, o autor destas linhas, que contribuiu para trazer à luz o novo
"programa",(6) teve ocasião de ouvir lamentações e censuras pelo fato de o resumo dos
pontos de vista dos oradores, por eles esboçado, ter sido divulgado em cópias, rotulado
com o nome de Credo, e mesmo publicado na imprensa com o protesto! Se recordamos
esse episódio, é porque ele revela um traço muito curioso de nosso "economismo": o
temor à publicidade. Este é um traço do "economismo" em geral, e não somente dos
autores do Credo: Manifesta-se na Robótchaia Mysl o mais franco e honesto adepto do
"economismo", e no Rabótcheie Dielo (que se ergueu contra a publicação de
documentos "economistas" no Vademecum, e no Comitê de Kiev, há cerca de dois anos,
não quis autorizar que se publicasse sua "Profissão de Fé" em conjunto com a
refutação(7) desta última; e manifesta-se, também em muitos e muitos representantes do
"economismo".
Esse temor da crítica que demonstram os adeptos da liberdade de crítica, não poderia ser
explicado unicamente pela astúcia (ainda que a astúcia, por vezes, desempenhe o seu
papel: não é vantajoso expor ao ataque do adversário as tentativas ainda frágeis de uma
nova tendência!). Não, a maioria dos "economistas" com uma sinceridade absoluta vê (e
pela própria essência do "economismo" tem de fazê-lo) sem benevolência todas as
discussões teóricas, divergências de facção, grandes problemas políticos, projectos de
organização dos revolucionários etc. "Seria melhor deixar tudo isto aos estrangeiros."
disse-me um dia um dos "economistas" bastante conseqüentes, exprimindo, assim, esta
opinião extremamente difundida (puramente sindical, mais uma vez), de que nossa
incumbência é o movimento operário, as organizações operárias internas de nosso país,
e que todo o resto é invenção dos doutrinários, uma "sobrestimação da ideologia",
segundo a expressão dos autores da carta publicada no número 12 do Iskra, em uníssono
ao número 10 do Rabótcheie Dielo. Agora, a questão que se coloca é: dadas essas
particularidades da "crítica" e do bernsteinismo russos, qual devia ser a tarefa daqueles
que, realmente e não apenas em palavras. desejam ser adversários do oportunismo? Em
primeiro lugar, era necessário retomar o trabalho teórico que, apenas começado à época
do marxismo legal, voltara então a recair sobre os militantes ilegais, sem esse trabalho,
o crescimento normal do movimento seria impossível. Em seguida, era necessário
empreender uma luta ativa contra a "crítica" legal que corrompia profundamente os
espíritos. Enfim, era preciso combater vigorosamente a dispersão e as flutuações do
movimento prático, denunciando e refutando toda tentativa de rebaixar, consciente ou
inconscientemente, nosso programa e nossa táctica. Sabe-se que o Rabótcheie Dielo não
cumpriu nenhuma dessas tarefas, e mais adiante analisaremos detalhadamente essa
verdade bem conhecida, sob os mais diversos ângulos. No movimento, desejamos
simplesmente mostrar a contradição flagrante que existe entre a reivindicação da
"liberdade de crítica" e as particularidades de nossa crítica nacional e o "economismo"
russo. Olhem a resolução pela qual a "União dos Sociais-Democratas Russos no
Estrangeiro" confirmou o ponto de vista do Rabótcheie Dielo: "No interesse do
desenvolvimento ideológico ulterior da social-democracia, reconhecemos que a
liberdade de criticar a teoria social-democrata é absolutamente necessária na literatura
do partido, na medida em que esta crítica não contradiga o caráter de classe e o
caráter revolucionário desta teoria." (Dois Congressos, p. 10). E os motivos que se
apresentam são: a resolução "em sua primeira parte, coincide com a resolução do
congresso do Partido em Lübeck", a propósito de Bernstein"... Na sua simplicidade, "os
(membros) da União" nem sequer notam o testimonium paupertatis (certificado de
indigência) que passam a si próprias!... "mas...., em sua segunda parte, restringe a
liberdade de crítica de forma mais estrita do que no congresso de Lübeck". Assim, a
resolução da "União" será dirigida contra os bernsteinianos russos? Senão, seria
completamente absurdo referir-se a Lübeck!. Mas, é falso que "restringe de forma mais
estrita a liberdade de crítica". Pela sua resolução de Hanôver, os alemães rejeitaram,
ponto por ponto, exatamente as emendas de Bernstein, e na resolução de Lübeck,
endereçaram uma advertência pessoal a Bernstein mencionando-o na resolução.
Entretanto, nossos imitadores "livres" não fazem a menor alusão a uma única das
manifestações da "crítica" e do "economismo" especificamente russos. Dada esta
reticência, a alusão pura e simples ao caráter de classe e do caráter revolucionário da
teoria deixa muito mais margem a falsas interpretações, sobretudo se a "União" recusasse
a classificar no oportunismo a "tendência dita economista" (Dois Congressos, p. 8 §
1). Mas, dizemos isso de passagem. O importante é que as posições dos oportunistas,
em relação aos sociais-democratas revolucionários, são diametralmente opostas na
Alemanha e na Rússia. Na Alemanha, os sociais- democratas revolucionários, como se
sabe, são favoráveis à manutenção do que existe: ao antigo programa e à antiga tática
conhecidos de todos e explicados em todos os seus detalhes pela experiência de dezenas
e dezenas de anos. Ora, os "críticos" desejam fazer modificações e, como estão em
ínfima maioria e suas tendências revisionistas são demasiado tímidas, compreende-se os
motivos por que a maioria limita-se a rejeitar friamente sua "inovação". Na Rússia, ao
contrário, “críticos” e "economistas" são favoráveis à manutenção do que existe: os
"críticos" desejam que se continue a considerá-los marxistas e que se lhes assegure à
"liberdade de crítica", da qual se beneficiam sob todos os aspectos (pois, no fundo,
nunca reconheceram qualquer coesão dentro do Partido;(8) além disso, não tínhamos
um órgão do Partido universalmente reconhecido e capaz de "limitar" a liberdade de
crítica, nem sequer por um conselho); os "economistas" desejam que os revolucionários
reconheçam "os plenos direitos do movimento no momento atual" (Rab. Dielo n.º. 10,
p. 25), isto é, a "legitimidade" da existência do que existe; que os "ideólogos não
procurem desviar o movimento do caminho "determinado pela interação recíproca dos
elementos materiais e do meio material" ("carta" do número 12 do Iskra); que se
reconheça como desejável a luta, "a mesma luta que os operários podem conduzir nas
circunstâncias atuais", e como possível aquela "que eles conduzem. na realidade, no
momento presente" ("Suplemento especial da Rabótchaia Mysl", p. 14). Porém, para
nós, sociais-democratas revolucionários, este culto do espontâneo, isto é do que existe
"no momento presente", não nos diz nada. Exigimos que seja modificada a táctica que
tem prevalecido nesses últimos anos; declaramos que "antes de nos unir, e para nos unir,
devemos começar por nos demarcar nítida e resolutamente" (anúncio da publicação do
Iskra). Em uma palavra, os alemães conformam-se ao estado atual das coisas e rejeitam
as modificações; quanto a nós, rejeitando a submissão e a resignação ao estado atual
das coisas, exigimos a modificação. É esta a "pequena" diferença que nossos "livres"
copiadores das resoluções alemãs não notaram!
d) Engels e a Importância da Luta Teórica
"O dogmatismo, o doutrinarismo", a fossilização do Partido, castigo inevitável do
estrangulamento forçado do pensamento", tais são os inimigos contra os quais entram na
arena os campeões da "liberdade de crítica" do Rabótcheie Dielo. Apreciamos que esta
questão tenha sido colocada na ordem do dia; apenas proporíamos completá-la com esta
outra questão: Mas, quem são os juizes? Temos diante de nós dois prospectos de
edições literárias. O primeiro é o "programa do Rabótcheie Dielo, órgão periódico da
'União dos Sociais-Democratas Russos'" (separata do número 1 do Rab. Dielo). O
segundo é o "anúncio da retomada das edições do grupo 'Liberação do Trabalho'".
Todos os dois são datados de 1899, época em que a "crise do marxismo" estava, há
muito, na ordem do dia. Portanto, em vão procuraríamos na primeira obra as indicações
sobre esta questão e uma exposição precisa da posição que pensa tomar, a esse respeito,
perante o novo órgão. Quanto ao trabalho teórico e suas tarefas essenciais à hora
presente, esse programa e seus complementos adotados pelo Terceiro Congresso da
"União"(em 1901) nada mencionam (Dois Congressos, p. 15-18). Durante todo esse
tempo, a redação do Rabótcheie Dielo deixou de lado as questões de teoria, apesar de
essas preocuparem os sociais-democratas do mundo inteiro. O outro prospecto, ao
contrário, assinala logo de início o descuro do interesse pela teoria, no decurso desses
últimos anos; reclama, insistentemente, "uma atenção vigilante para o aspecto teórico do
movimento revolucionário do proletariado", e exorta a urna "crítica implacável das
tendências anti-revolucionárias, bernsteinianas, e outras", em nosso movimento. Os
números publicados da Zaria mostram como este programa foi aplicado. Vê-se assim,
portanto, que as grandes frases contra a fossilização do pensamento etc. dissimulam o
desinteresse e a impotência para fazer progredir o pensamento teórico. O exemplo dos
sociais democratas russos ilustra, de uma forma particularmente notável, esse fenómeno
comum à Europa (e de há muito assinalado pelos marxistas alemães), de que a famosa
liberdade de crítica não significa a substituição de uma teoria por outra, mas a liberdade
com respeito a todo sistema coerente e refletido; significa o ecletismo e a ausência de
princípios. Quem conhece, por pouco que seja, a situação de fato de nosso movimento
não pode deixar de ver que a grande difusão do marxismo foi acompanhada de certo
abaixamento do nível teórico. Muitas pessoas, cujo preparo era ínfimo ou nulo,
aderiram ao movimento pelos seus sucessos práticos e importância efetiva. Pode-se
julgar a falta de tato demonstrada pelo Rabótcheie Dielo, pela definição de Marx, que
lançou de forma triunfante: "Cada passo avante, cada progresso real valem mais que
uma dúzia de programas". Repetir tais palavras nessa época de dissensão teórica
equivale a dizer à vista de um cortejo fúnebre: "Tomara que sempre tenham algo para
levar!" Além disso, essas palavras são extraídas da carta sobre o programa de Gotha, na
qual Marx condena categoricamente o ecletismo no enunciado dos princípios. Se a
união é verdadeiramente necessária, escrevia Marx aos dirigentes do partido, façam
acordos para realizar os objetivos práticos do movimento, mas não cheguem, ao ponto
de fazer comércio dos princípios, nem façam "concessões" teóricas. Tal era o
pensamento de Marx, e eis que há entre nós pessoas que, em seu nome, procuram
diminuir a importância da teoria! Sem teoria revolucionária, não há movimento
revolucionário. Não seria demasiado insistir sobre essa idéia em uma época, onde o
entusiasmo pelas formas mais limitadas da ação prática aparece acompanhado pela
propaganda em voga do oportunismo. Para a social-democracia russa em particular, a
teoria assume importância ainda maior por três razões esquecidas com muita freqüência,
a saber: primeiro, nosso partido apenas começou a se constituir. a elaborar sua
fisionomia, e está longe de ter acabado com as outras tendências do pensamento
revolucionário que ameaçam desviar o movimento do caminho certo. Ao contrário,
assistimos justamente nesses últimos tempos (como Axelrod já há muito havia predito
aos "economistas") ao recrudescimento das tendências revolucionárias não sociaisdemocratas.
Nessas condições, um erro "sem importância" à primeira vista pode
acarretar as mais deploráveis conseqüências, e é preciso ser míope para considerar
inoportunas ou supérfluas as controvérsias de facção e a estrita delimitação dos matizes.
Da consolidação deste ou daquele matiz pode depender o futuro da social-democracia
russa por muitos e longos anos. Segundo, o movimento social-democrata é, pela sua
própria essência, internacional. Isso não significa somente que devemos combater o
chauvinismo nacional. Significa, também que um movimento iniciado em um país
jovem só pode ter êxito se assimilar a experiência dos outros países. Ora, para tanto não
é suficiente apenas conhecer essa experiência, ou limitar-se a copiar as últimas
resoluções. É preciso saber proceder à análise crítica dessa experiência e controlá-la por
si próprio. Somente quando se constata o quanto se desenvolveu e se ramificou o
movimento operário contemporâneo, pode-se compreender a reserva de forças teóricas e
de experiência política (e revolucionária) necessárias para se realizar essa tarefa.
Terceiro, a social-democracia russa tem tarefas nacionais como nenhum outro partido
socialista do mundo jamais o teve. Mais adiante, falaremos das obrigações políticas e da
organização que nos impõe essa tarefa: liberar todo um povo do jugo da autocracia. No
momento, apenas indicaremos que só um partido guiado por uma teoria de vanguarda é
capaz de preencher o papel de combatente de vanguarda E para se fazer uma idéia mais
concreta do que isso significa, lembre-se o leitor dos predecessores da social democracia
russa, tais como Herzen, Bielínski, Tchernichévski e a brilhante plêiade de
revolucionários de 1870-1880; pense na importância mundial de que a literatura, russa
atualmente se reveste; e. mais, basta! Citaremos as observações, feitas por Engels em
1874, sobre a importância da teoria no movimento social-democrata. Engels; reconhecia
na grande luta da social-democracia não apenas duas formas (política e econômica) -
como se faz entre nós - mas três, colocando a luta teórica no mesmo plano. Suas
recomendações ao movimento operário alemão, já vigorosa prática e politicamente, são
tão instrutivas do ponto de vista dos problemas e discussões atuais, que o leitor,
esperamo-lo, não se importará que transcrevamos o longo trecho do prefácio ao livro
Der deutsche Bauernkrieg, que há muito já se tornou uma raridade bibliográfica: "Os
operários alemães apresentam duas vantagens essenciais sobre os demais operários da
Europa. Primeiramente, pertencem, ao povo mais teórico da Europa; além disso,
conservaram o senso teórico já quase completamente desaparecido nas classes por assim
dizer "cultivadas" da Alemanha. Sem a filosofia alemã que o precedeu, notadamente a
de Hegel, o socialismo. alemão - o único socialismo científico que já existiu - não teria
sido estabelecido. Sem o sentido teórico dos operários, estes não teriam jamais
assimilado esse socialismo científico, como o fizeram. E o que prova esta imensa
vantagem é, de um lado, a indiferença com respeito a toda teoria, uma das causas
principais do pouco progresso do movimento operário inglês, apesar da excelente
organização dos diferentes ofícios, e, de outro lado, a perturbação e a confusão
provocadas pelo proudhonismo, em sua forma inicial, entre os franceses e os belgas, e,
na sua forma caricaturada, que lhe deu Bakunin, entre os espanhóis e os italianos. A
segunda vantagem é que os alemães integraram tardiamente o movimento operário,
tendo sido quase os últimos. Do mesmo modo que o socialismo alemão jamais se
esquecerá de que foi erigido sobre os ombros de Saint-Simon, de Fourier de Owen, três
homens que, apesar de toda a fantasia e a utopia de suas doutrinas, encontram-se entre
os maiores cérebros de todos os tempos e se anteciparam genialmente a inumeráveis
idéias, cuja exatidão presentemente demonstramos de maneira científica, também o
movimento operário prático alemão jamais deve esquecer-se que desenvolveu sobre os
ombros dos movimentos inglês e francês, que pôde simplesmente beneficiar-se de suas
experiências adquiridas penosamente e evitar, no presente, seus erros, então na maioria
inevitáveis. Sem o passado dos sindicatos ingleses e das lutas políticas dos franceses,
sem o impulso gigantesco dado especialmente pela Comuna de Paris, onde estaríamos
nós, hoje? É preciso reconhecer que os operários alemães souberam aproveitar as
vantagens de sua situação, com rara inteligência. Pela primeira vez, desde que existe um
movimento operário, a luta é conduzida em suas três direções - teórica, política e
econômico-prática (resistência contra os capitalistas) - com tanto método e coesão. É
neste ataque concêntrico, por assim dizer, que reside a força invencível do movimento
alemão. De um lado, em ramo de sua posição vantajosa; de outro, em decorrência das
particularidades insulares do movimento inglês e da violenta repressão do movimento
francês, os operários alemães, no momento, colocam-se na vanguarda da luta proletária.
se esquecer que o socialismo,desde que se tornou uma ciência, exige ser tratado, isto é, estudado
Não é possível prever durante quanto tempo os acontecimentos, lhes permitirão ocupar esse posto de honra.. Mas, enquanto o ocuparem, é de se esperar que cumprirão seu
dever, como convém. Para tanto, deverão redobrar os esforços, em todos os domínios da
luta e da agitação. Os dirigentes, em particular, deverão instruir-se cada vez mais sobre
todas as questões teóricas, libertar-se cada vez mais da influência das frases tradicionais,
pertencentes às concepções obsoletas do mundo, e jamais, como uma ciência.
A tarefa consistirá, a seguir, em difundir com zelo cada vez maior entre as classes
operárias, as concepções sempre mais claras, assim adquiridas, e em consolidar de
forma cada vez mais poderosa a organização do partido e dos sindicatos... ... Se os
operários alemães continuarem a agir assim, não digo que marcharão à frente do
movimento - não é de interesse do movimento que os operários de uma única nação, em
particular, marchem à frente -, mas ocuparão um lugar de honra na linha de combate; e
estarão armados e prontos se provas difíceis e inesperadas, ou ainda grandes
acontecimentos exigirem deles maior coragem, decisão e ação". As palavras de Engels
revelaram-se proféticas. Alguns anos mais tarde, os operários alemães foram
inesperadamente submetidos à dura provação da lei de exceção contra os socialistas. E
os operários alemães encontram-se de fato suficientemente preparados para sair
vitoriosos. O proletariado russo terá de sofrer provas ainda infinitamente mais duras,
terá de combater um monstro perto do qual o da lei de exceção, em um país
constitucional, parece um pigmeu. A história nos atribui, agora, uma tarefa imediata, a
mais revolucionária de todas as tarefas imediatas do proletariado de qualquer país. A
realização dessa tarefa, a destruição do baluarte mais poderoso, não somente da reação
européia, mas também (podemos agora dize-lo) da reação asiática, fará do proletariado
russo a vanguarda do proletariado revolucionário internacional. E temos o direito de
esperar que obteremos este título honorário merecido já pelos nossos predecessores, os
revolucionários de 1870-1880, se soubermos animar com o mesmo espírito de decisão e
a mesma energia irredutível o nosso movimento, mil vezes mais amplo e mais profundo.
Notas: Capítulo 1
(*) A propósito. É um fato quase único na história do socialismo moderno e
extremamente consolador no seu gênero; pela primeira vez uma disputa entre tendências
diferentes no seio do socialismo ultrapassa o quadro nacional para se tornar
internacional. Anteriormente, as discussões entre lassalianos e eisenachianos, entre
guesdistas e possibilistas, entre fabianos e sociais-democratas, entre norodovoltsy e
sociais-democratas eram puramente nacionais, refletiam particularidades puramente
nacionais, desenrolavam-se, por assim dizer, em planos diferentes. Atualmente (isto
aparece, hoje, claramente) os fabianos ingleses, os ministerialistas franceses, os
bernsteinianos alemães, os críticos russos formam todos uma única família, elogiam-se
mutuamente, aprendem uns com os outros, e conduzem campanha comum contra o
marxismo "dogmático". Será que nessa primeira amálgama verdadeiramente
internacional com o oportunismo socialista a social-democracia revolucionária
internacional fortalecer-se-á suficientemente para acabar com a reação política que há
tanto tempo prejudica a Europa? (retornar ao texto)
(1) A comparação entre as duas tendências do proletariado revolucionário (tendência
revolucionária e tendência oportunista) e as duas tendências da burguesia revolucionária
do século XVIII (a tendência jacobina - a "Montanha" - e a tendência girondina) foi
feita no editorial do número 2 do Iskra (fevereiro de 1901). Plekhânov é o autor deste
artigo. Falar do "jacobinismo" na social-dernocracia russa é ainda hoje o tema favorito
dos "cadets". Dos "bezzaglavtsy", e dos mencheviques. Mas, como Plekânov utilizou
esta noção, pela primeira vez, contra a ala direita da social-democracia, hoje em dia
prefere-se esquecer ou silenciar sobre o fato. (Nota do autor à edição russa de 1907. N.
R.). (retornar ao texto)
(2) Quando Engels atacou Dühring, para quem se inclinavam muitos representantes da
social-democracia alemã, as acusações de violência, de intolerância, de falta de
camaradagem na polêmica ergueram-se contra ele, até mesmo em público, no congresso
do partido. Most e seus companheiros propuseram (no congresso de 1877) de não mais
publicar no Vorwärts os artigos de Engels por "não apresentarem interesse para a grande
maioria dos leitores"; Vahlteich declarou, de sua parte, que a inclusão desses artigos
prejudicara muito o Partido; que Dühring também prestara serviços à social-democracia:
"Devemos utilizar todo o mundo no interesse do Partido. e se os professores discutem, o
Vowärts não é arena para tais disputas". (Vorwärts n.º. 65, 6 de junho de 1877). Como
se vê, também esse é um exemplo de defesa da "liberdade de crítica", exemplo sobre o
qual fariam bem em refletir os nossos críticos legais e oportunistas ilegais, que tanto
gostam de se referir aos alemães! (retornar ao texto)
(3) É preciso notar que, sobre a questão do bernsteinismo no Partido alemão, o
Rabótcheie Dielo sempre se contentou em relatar pura e simplesmente os fatos,
"abstendo-se" totalmente de uma apreciação própria. Ver, por exemplo, o número 2-3,
p. 66, sobre o congresso de Stuttgart: todas as divergências se dirigem para a "tática" e
se constata apenas que a grande maioria permanece fiel à tática revolucionária anterior.
Ou o número 4-5, p. 25 e seguintes, simples repetição dos discursos no congresso de
Hanôver, reproduzindo a resolução de Bebel a exposição e a crítica de Bernstein são
novamente remetidas a um "artigo especial". 0 curioso é que na página 33, no número
4-5, lê-se: "... Acepções, expostas por Bebel, contam com o apoio da grande maioria do
congresso", e um pouco mais adiante: "... David defendia as concepções de Bernstein...
Em primeiro lugar, procurava mostrar que... Bernstein e seus amigos colocavam-se,
apesar de tudo (sic) no campo da luta de classes"... Isto foi escrito em dezembro de
1899, e, em setembro de 1901,o Rabótcheie Dieto sem dúvida já perdeu a confiança na
exatidão das afirmações de Bebel e retoma o ponto de vista de David como o seu
próprio! (retornar ao texto)
(4) Alusão ao artigo de K. Touline contra Struve, artigo redigido com base na
conferência intitulada: Influencia do Marxismo Sobre a Literatura Burguesa.(retornar ao
texto)
(5) 0 termo "economismo" foi utilizado entre aspas, da mesma forma que na tradução
francesa, tendo em vista a intenção do Autor de ressaltar seu sentido irônico. (Nota da
tradução brasileira).(retornar ao texto)
(6) Trata-se do Protesto dos 17 contra o Credo. 0 autor dessas linhas participou da
redação desse protesto (fins de 1899). 0 protesto e o Credo foram impressos no exterior,
na primavera de 1900. Sabe-se, agora, por um artigo da Senhora Kuskova (publicado no
Byloie, creio eu) que foi ela a autora do Credo. E entre os "economistas" dessa época,
no exterior, um papel marcante foi desempenhado por M. Prokopovitch.(retornar ao
texto)
(7) Pelo que sabemos, a composição do Comitê de Kiev foi modificada
posteriormente.(retornar ao texto)
(8) Esta ausência de coesão verdadeira no partido e de tradição de partido constitui, por
si só, uma diferença fundamental entre a Rússia e a Alemanha, que deveria ter posto
qualquer socialista de espírito sensato em guarda contra qualquer imitação cega. Aqui
está uma amostra daquilo a que chegou a "liberdade de crítica" na Rússia. O critico
russo, M. Bulgákov, faz esta observação ao crítico austríaco, Hertz: "Apesar de toda a
independência de suas conclusões, Hertz, quanto a esse ponto (a cooperação),
permanece aparentemente bastante ligado à opinião de seu partido e, embora em
desacordo quanto aos detalhes, não se revolve a abandonar o princípio geral" (0
Capitalismo e a Agricultura. t. 11, p. 287). Um súdito de um Estado politicamente
escravizado, no qual 999/1000 da população estão corrompidos até a medula dos ossos
pelo servilismo político e não têm qualquer idéia sobre a honra e a coesão do partido,
repreende à altura um cidadão de um Estado constitucional, por estar demasiado "ligado
à opinião do partido"! Nada mais resta às nossas organizações ilegais do que põe-se a
redigir resoluções sobre a liberdade de crítica....(retornar ao texto)

Capítulo 2 - A Espontaneidade das Massas e a
Consciência da Social-Democracia
Dissemos que era necessário animar nosso movimento, infinitamente maior e mais
profundo que aquele de 1870-1880, com o mesmo espírito de decisão e a mesma
energia sem limites. De fato, até o presente parece que ninguém ainda duvidara de que a
força do movimento contemporâneo estivesse no despertar das massas (e principalmente
do proletariado industrial), e sua fraqueza residisse na falta de consciência e de espírito
de iniciativa dos dirigentes revolucionários.
Nesses últimos tempos, contudo, foi feita uma descoberta espantosa, que ameaça
subverter todas as idéias adquiridas sobre este ponto. Esta descoberta é obra do
Rabótcheie Dielo que, em sua polêmica com o Iskra e a Zaria, não se ateve a objeções
particulares e tentou reconduzir o "desacordo geral" à sua raiz mais profunda: a uma
"apreciação diferente da importância relativa do elemento espontâneo e do elemento
conscientemente metódico"'. A tese de acusação do Rabótcheie Dielo expressa o
seguinte: "subestimação da importância do elemento objetivo ou espontâneo do
desenvolvimento". (1) Ao que respondemos: se a polémica do Iskra e da Zaria não
tivesse outro resultado senão o de levar o Rabótcheie Dielo a descobrir esse "desacordo
geral", este resultado, por si só, dar-nos-ia grande satisfação, a tal ponto esta tese é
significativa, e esclarece nitidamente o fundo das divergências teóricas e políticas que
separam, hoje, os sociais democratas russos.
Além disso, a questão das relações entre a consciência e a espontaneidade oferece
um imenso interesse geral, e exige um estudo detalhado.
a) Ascensão do Espontaneismo
No capítulo anterior assinalamos o entusiasmo generalizado da juventude russa
instruída pela teoria marxista, por volta de 1895. Foi também nessa mesma época, que
as greves operárias, após a famosa guerra industrial de 1896 em Petersburgo,
revestiram-se de um carácter geral. Sua extensão por toda a Rússia atestava claramente
a profundidade do movimento popular que de novo surgia, e se falamos do "elemento
espontâneo", é certamente nesse movimento de greves que devemos considerá-lo, antes
de tudo. Mas, há espontaneidade e espontaneidade. Houve, na Rússia, greves nas
décadas de 1870 e 1880 (e mesmo na primeira metade do século XIX), que foram
acompanhadas da destruição "espontânea" de máquinas etc. Comparadas a esses
"tumultos", as greves após 1890 poderiam mesmo ser qualificadas de "conscientes", tal
foi o progresso do movimento operário nesse intervalo. Isto nos mostra que o "elemento
espontâneo", no fundo, não é senão a forma embrionária do consciente. Os tumultos
primitivos já traduziam certo despertar da consciência: os operários, perdiam sua crença
costumeira na perenidade do regime que os oprimia; começavam... não direi a
compreender, mas a sentir a necessidade de uma resistência coletiva, e rompiam
deliberadamente com a submissão servil às autoridades. Era, portanto. mais uma
manifestação de desespero e de vingança que de luta. As greves após 1890 mostram-nos
melhor os lampejos de consciência: formulam-se reivindicações precisas, procura-se
prever o momento favorável, discutem-se certos casos e exemplos de outras localidades
etc. Se os tumultos constituíam simplesmente a revolta dos oprimidos, as greves
sistemáticas já eram o embrião mas, nada além do embrião - da luta de classe. Tomadas
em si mesmas, essas greves constituíam uma luta sindical, mas não ainda social democrata;
marcavam o despertar do antagonismo entre operários e patrões; porém, os
operários não tinham, e não podiam ter, consciência da oposição irredutível e de seus
interesses com toda a ordem política e social existente, isto é, a consciência social democrata.
Nesse sentido, as greves após 1890, apesar do imenso progresso que
representaram em relação aos "tumultos", continuavam a ser um movimento
essencialmente espontâneo.
Os operários, já dissemos, não podiam ter ainda a consciência social-democrata. Esta
só podia chegar até eles a partir de fora. A história de todos os países atesta que, pela
próprias forças, a classe operária não pode chegar senão à consciência sindical, isto é, à
convicção de que é preciso unir-se em sindicatos, conduzir a luta contra os patrões,
exigir do governo essas ou aquelas leis necessárias aos operários etc.(2) Quanto à
doutrina socialista, nasceu das teorias filosóficas, históricas, econômicas elaboradas
pelos representantes instruídos das classes proprietárias, pelos intelectuais. Os
fundadores do socialismo científico contemporâneo, Marx e Engels, pertenciam eles
próprios, pela sua situação social, aos intelectuais burgueses. Da mesma forma, na
Rússia, a doutrina teórica da social-democracia surgiu de maneira completamente
independente do crescimento espontâneo do movimento operário; foi o resultado
natural, inevitável do desenvolvimento do pensamento entre os intelectuais
revolucionários socialistas. A época de que falamos, isto é, por volta de 1895, essa
doutrina constituía não apenas o programa perfeitamente estabelecido do grupo
"Liberação do Trabalho", mas também conquistara para si a maioria da juventude
revolucionária da Rússia.
Assim, pois, houve ao mesmo tempo um despertar espontâneo das massas operárias,
despertar para a vida consciente e para a luta consciente, e uma juventude
revolucionária que, armada da teoria social-democrata, buscava aproximar-se dos
operários. Quanto a isso, é particularmente importante estabelecer este fato esquecido
com freqüência (e relativamente pouco conhecido), de que os primeiros sociais democratas
desse período, que se dedicavam com ardor à agitação econômica
(contando, para isso, com as indicações verdadeiramente úteis do folheto Sobre a
Agitação, à época ainda manuscrito) longe de considerar essa agitação como sua tarefa
única, atribuíam desde o começo à social-democracia russa as grandes tarefas históricas,
em geral, e a tarefa da derrubada da autocracia, em particular. Assim, o grupo dos
sociais-democratas de Petersburgo, que fundou a "União de Luta para Liberação de
Classe Operária "redigiu, já em fins de 1895, o primeiro número de um jornal intitulado
Rabótcheie Dielo. Pronto para ser impresso, esse número foi apreendido pelos policiais
numa busca efetuada na noite de 8 para 9 de dezembro de 1895, em casa de um dos
membros, do grupo, Anat. Alex. Vaneiev,(3) de forma que o Rabótcheie Dielo do
primeiro período não pôde ver a luz do dia. O editorial desse jornal (que, talvez, em
trinta anos uma revista como a Russkaia Starina exumará dos arquivos do departamento
de polícia) expunha as tarefas históricas da classe operária na Rússia, entre as quais
colocava-se em primeiro plano a conquista da liberdade política. Seguiam-se um artigo,
"Em que Pensam Nossos Ministros?" sobre o saque dos Comitês de instrução elementar
pela polícia, bem como uma série de artigos de correspondentes, não só de Petersburgo,
como de outras localidades da Rússia (por exemplo, sobre um massacre de operários na
província de Iaroslavl. Assim, se não me engano, esse "primeiro ensaio" dos sociaisdemocratasrussos de 1890-1900 não era um jornal estritamente local, e ainda menos de caráter "econômico", visava a unir a luta grevista ao movimento revolucionário dirigido
contra a autocracia e levar todos os oprimidos, vítimas da política do obscurantismo
reacionário, a apoiar a social-democracia. E para quem quer que conheça um pouco o
estado do movimento nessa época, está fora de dúvida que um jornal como esse
encontrou toda a simpatia dos operários da capital e dos intelectuais revolucionários, e
teve a maior difusão. O fracasso do empreendimento provou simplesmente que os
sociais-democratas de então eram incapazes de corresponder às exigências do momento,
por falta de experiência revolucionária e de preparação prática. O mesmo se deve dizer
do Rabótchaia Listok de São Petersburgo, e sobretudo da Rabótchaia Gazeta e do
Manifesto do Partido Operário Social-Democrata da Rússia, fundado na primavera de
1898. Subentenda-se que não nos passa pela cabeça a idéia de censurar os militantes da
época pela sua falta de preparação. Mas, para aproveitar a experiência do movimento e
daí extrair lições práticas, é preciso considerar extensivamente as causas e a importância
desse ou daquele defeito. Por isso, é extremamente importante estabelecer que uma
parte (talvez mesmo a maioria) dos sociais-democratas militantes de 1895-1898
considerava com justa razão possível, aquela época, no começo mesmo do movimento
"espontâneo", preconizar um programa e uma tática de combate mais extensos.(4) Ora,
a falta de preparação entre a maior parte dos revolucionários, sendo um fenômeno
perfeitamente natural, não podia dar lugar a qualquer apreensão particular. A partir do
momento em que as tarefas eram bem definidas; a partir do momento em que se possuía
bastante energia para tentar de novo realizá-las, os fracassos momentâneos constituíam
apenas meio mal. A experiência revolucionária e a habilidade de organização são coisas
que se adquirem. É preciso apenas desenvolver em nós mesmos as qualidades
necessárias! É preciso que tenhamos consciência de nossos defeitos, o que, no trabalho
revolucionário, já é mais de meio caminho para os corrigir.
Mas, o que era meio mal tornou-se um mal verdadeiro, quando esta consciência
começou a se obscurecer (porém, ela era bastante viva entre os militantes dos. grupos
acima mencionados), quando surgiram pessoas - e mesmo órgãos sociais-democratas -
prontas a erigir os defeitos em virtudes, e tentando mesmo justificar teoricamente sua
idolatria, seu culto do espontâneo. É tempo de fazer o balanço dessa tendência,
caracterizada de maneira muito inexata pelo termo "economismo", demasiado estreito
para exprimir o conteúdo.
b) O Culto da Espontaneidade. "Rabotchaia Mysl"
Antes de passar às manifestações literárias desse culto, assinalaremos o seguinte fato
característico (cuja fonte foi acima mencionada), que lança certa luz sobre o nascimento
e o crescimento entre os camaradas militantes de Petersburgo, de um desacordo entre as
duas futuras tendências da social-democracia russa. No início de 1897, A. Vaneiev e
alguns de seus camaradas tiveram ocasião de participar, antes de sua partida para o
exílio, de uma reunião privada, onde se encontraram os "velhos" e os "jovens "
membros da "União de Luta para a Liberação da Classe Operária". A conversa girou
principalmente sobre a organização e, em particular, sobre os "estatutos das caixas
operárias", publicados sob sua forma definitiva no número 9-10 do Listok "Rabótnika"
(p. 46). Entre os "velhos" (os "dezembristas", como eram chamados em tom de gracejo
pelos sociais-democratas de Petersburgo) e alguns dos "jovens" (que mais tarde
colaboraram ativamente na Rabótchaia Mys1) manifestou-se logo uma divergência
muito nítida, e se estabeleceu ardente polêmica. Os "jovens" defendiam os princípios
essenciais dos estatutos, tais como tinham sido publicados. Os "velhos" diziam que não
era isto o que se colocava em primeiro lugar; que era preciso, inicialmente, consolidar a
"União de Luta" para dela fazer uma organização de revolucionários, à qual estariam
subordinadas as diversas caixas operárias, os círculos de propaganda entre a juventude
das escolas etc. Bem entendido, as duas partes estavam longe de ver nessa divergência o
germe de um desacordo; ao contrário, consideravam-na isolada e acidental. Esse fato,
porém, mostra que o nascimento e a difusão do "economismo" na Rússia não se fizeram
igualmente sem luta contra os "velhos" sociais-democratas (o que os "economistas" de
hoje freqüentemente esquecem). E se essa luta não deixou, na maior parte dos casos,
traços "documentais", é unicamente porque a composição dos círculos em atividade
mudava com incrível rapidez, porque não se estabelecera qualquer tradição e porque,
em conseqüência, as divergências de pontos de vista não foram registradas em qualquer
documento.
O aparecimento da Rabótchaia Mysl trouxe o "economismo" para a luz do dia,
porém tal não se deu imediatamente. É preciso ter, uma idéia concreta das condições de
trabalho e da breve existência de numerosos círculos russos (ora, só quem passou por
isso, pode ter idéia exata das coisas), para compreender quanto teve de fortuito o
sucesso ou o fracasso da nova tendência nas diferentes cidades, e a impossibilidade, a
impossibilidade absoluta em que durante muito tempo se encontraram os partidários e
os adversários dessa "nova" tendência, de determinar se era ela realmente uma
tendência distinta ou simplesmente a expressão da falta de preparação de alguns. Assim,
os primeiros números policopiados da Rabótchaia Mysl permaneceram completamente
desconhecidos da imensa maioria dos sociais-democratas, e se agora temos a
possibilidade de nos referir ao editorial de seu primeiro número, é unicamente porque
tal editorial foi reproduzido no artigo de V.I. (Listok "Rabétnika", n.º. 9-10, p. 47 e
seg.), que evidentemente não deixou de louvar com empenho - com empenho
inconsiderado - esse novo jornal tão nitidamente diferente dos jornais e projectos de
jornais acima citados(5). Ora, esse editorial exprime com tanto relevo todo o espírito da
Rabótchaia Mysl e do "economismo" em geral, que vale a pena aí nos determos.
Após ter indicado que o braço fardado de azul não deteria jamais o progresso do
movimento operário, o editorial prossegue: " ... 0 movimento operário deve sua
vitalidade ao fato de o próprio operário enfim se encarregar de sua sorte, arrancando-a
das mãos de seus dirigentes." Esta tese fundamental é, em seguida, desenvolvida em
seus detalhes. Na realidade, os dirigentes (isto é, os sociais-democratas organizadores da
"União de Luta") foram arrancados pela policia, por assim dizer, das mãos dos
operários(6), e querem nos fazer acreditar que os operários conduziam a luta contra os
dirigentes e se libertavam de seu jugo! Em lugar de estimular a marcha para a frente, de
consolidar a organização revolucionária e de ampliar a atividade política, incitou-se a
volta para trás, em direção à luta exclusivamente sindical. Proclamou-se que "a base
econômica do movimento está obscurecida pela tendência a jamais esquecer o ideal
político", que o lema do movimento operário é a luta pela situação económica" (!) ou,
melhor ainda, "os operários pelos operários"; declarou-se que as caixas de greve "valem
mais para o movimento do que uma centena de outras organizações" (que se compare
esta afirmação, feita em outubro de 1897, com a disputa dos "dezembristas" com os
jovens, no inicio de 1897) etc. Frases como: é preciso colocar em primeiro plano, não a
"nata" dos operários, mas o operário "médio", o operário das fileiras; ou como: "O
político segue sempre docilmente o econômico"(7) etc. etc., entraram na moda e
exerceram influência sobre a massa dos jovens seduzidos pelo movimento e que, na
maioria, não conheciam senão fragmentos do marxismo, tal como era exposto
legalmente.
Isto constituiu o completo aniquilamento da consciência pela espontaneidade - pela
espontaneidade dos "sociais-democratas" que repetiam as "idéias" do Senhor V.V., a
espontaneidade dos operários seduzidos pelo argumento de que mesmo um aumento de
um copeque por rublo valia mais que todo socialismo e toda política, de que deviam
"lutar sabendo que o faziam não por remotas gerações futuras mas por eles próprios e
por seus filhos" (editorial do n.º. 1 da Rabótchaia Mysl). As frases desse gênero foram
sempre a arma preferida dos burgueses do Ocidente que, odiando o socialismo,
trabalhavam (como Hirsch, o "social-político" alemão) para transplantar para seus
países o sindicalismo inglês, e diziam aos operários que a luta exclusivamente
sindical(8) é uma luta por eles próprios e por seus filhos, e não por remotas gerações
futuras com vistas a um incerto socialismo futuro. E agora os "V.V. da socialdemocracia
russa" se põem a repetir essas frases burguesas. Aqui, é importante assinalar
três pontos que nos serão de grande utilidade para a continuação de nossa análise sobre
as divergências atuais(9).
Em primeiro lugar, o aniquilamento da consciência pela espontaneidade, de que
falamos, também se deu de maneira espontânea. Isto parece um jogo de palavras, mas
infelizmente é uma verdade amarga. O que provocou esse aniquilamento não foi uma
luta declarada entre duas concepções absolutamente opostas, nem a vitória de uma sobre
a outra, mas o desaparecimento de um número cada vez maior de "velhos"
revolucionários "colhidos" pelos policiais, e a entrada em cena, cada vez mais
freqüente, dos "jovens" "V.V. da social-democracia russa". Quem quer que tenha, não
direi participado do movimento russo contemporâneo, mas simplesmente respirado o
seu ar, sabe perfeitamente que esta é precisamente a situação. E se, apesar disso,
insistimos particularmente para que o leitor considere com cuidado esse fato conhecido
de todos, se para maior evidência referimo-nos, de algum modo, aos dados sobre o
Rabótcheie Dielo do primeiro período, e sobre a discussão entre "jovens" e "velhos" no
início de 1897, é porque as pessoas que se gabam de espírito democrático" especulam
sobre a ignorância desse fato pelo grande público (ou entre os adolescentes). Mais
adiante, ainda voltaremos a esse ponto.
Em segundo lugar, desde a primeira manifestação literária do "economismo"
podemos observar um fenômeno eminentemente original e extremamente característico
para a compreensão de todas as divergências entre sociais-democratas da atualidade: os
partidários do "movimento puramente operário", os adeptos da ligação mais estreita e
mais "orgânica" (expressão do Rab. Dielo) com a luta proletária, os adversários de todos
os intelectuais não operários (ainda que fossem intelectuais socialistas) foram
obrigados, para defender sua posição, a recorrer aos argumentos burgueses
"exclusivamente sindicais". Isto nos mostra que, desde o princípio, a Rabótchaia Mysl
começara - insistentemente - a realizar o programa do Credo. Isto mostra (o que não
pode chegar a compreender o Rabótcheie Dielo), que todo culto da espontaneidade do
movimento operário, toda diminuição do papel do "elemento consciente", do papel da
social-democracia significa - quer se queira ou não - um reforço da influência da
ideologia burguesa sobre os operários. Todos aqueles que falam de "sobrestimação da
ideologia"(10), de exagero do papel do elemento consciente (11) etc., imaginam que o
movimento puramente operário é, por si próprio, capaz de elaborar, e irá elaborar para
si, uma ideologia independente, com a única condição de que os operários "arranquem
sua sorte das mãos de seus dirigentes". Mas, isto constitui um erro profundo. Para
completar o que dissemos acima, citaremos ainda as palavras profundamente justas e
significativas de K. Kautsky, a propósito do projeto do novo programa do partido
social-democrata austríaco (12).
"Muitos de nossos críticos revisionistas atribuem a Marx a afirmação de que o
desenvolvimento econômico e a luta de classes não somente criam as condições da
produção socialista, mas engendram diretamente a consciência (o grifo é de K.K.) de
sua necessidade. E eis que esses críticos objetam que a Inglaterra, país do mais
avançado desenvolvimento capitalista, está mais alheia do que qualquer outro país a
essa consciência. O projeto do programa leva a crer que a comissão que elaborou o
programa austríaco partilha, também, desse ponto de vista dito marxista ortodoxo, que
refuta o exemplo da Inglaterra. O projeto afirma: "Quanto mais o proletariado aumenta
em conseqüência do desenvolvimento capitalista, mais é obrigado e tem a possibilidade
de lutar contra o capitalismo. O proletariado adquire a "consciência" da possibilidade e
da necessidade do socialismo. Por conseguinte, a consciência socialista constituirá o
resultado necessário, direto da luta proletária de classe. Ora, isto é inteiramente falso.
Como doutrina, o socialismo evidentemente tem suas raízes nas relações econômicas
atuais, da mesma forma que a luta de classe do proletariado; do mesmo modo que esta
última, resulta da luta contra a pobreza e a miséria das massas, provocadas pelo
capitalismo. Mas o socialismo e a luta de classe surgem paralelamente e um não
engendra o outro; surgem de premissas diferentes. A consciência socialista de hoje não
pode surgir senão à base de um profundo conhecimento científico. De fato, a ciência
econômica contemporânea constitui tanto uma condição da produção socialista como,
por exemplo, a técnica moderna, e, apesar de todo o seu desejo, o proletariado não pode
criá-las; ambas surgem do processo social contemporâneo. Ora, o portador da ciência
não é o proletariado, mas os intelectuais burgueses (o grifo é de KA.): foi do cérebro de
certos indivíduos dessa categoria que nasceu o socialismo contemporâneo, e foram eles
que o transmitiram aos proletários intelectualmente mais evoluídos, que o introduziram,
em seguida, na luta de classe do proletariado onde as condições o permitiram. Assim,
pois, a consciência socialista é um elemento importado de fora (von
Aussenhineigetranes) na luta de classe do Proletariado, e não algo que surgiu
espontaneamente (ur wüchsig). Também o antigo programa de Heinfeld dizia, muito
justamente, que a tarefa da social-democracia é introduzir no proletariado (literalmente:
preencher o proletariado com) a consciência de sua situação e a consciência de sua
missão. Não seria necessário fazê-lo se essa consciência emanasse naturalmente da luta
de classe. Ora, o novo projeto emprestou essa tese do antigo programa e juntou-se à tese
acima citada. O que interrompeu completamente o curso do pensamento...
No momento, não seria possível falar de uma ideologia independente, elaborada
pelas próprias massas operárias no curso de seu movimento(13), o problema coloca-se
exclusivamente assim: ideologia burguesa ou ideologia socialista. Não há meio-termo
(pois a humanidade não elaborou uma "terceira" ideologia; e, além disso, em uma
sociedade dilacerada pelos antagonismos de classe não seria possível existir uma
ideologia à margem ou acima dessas classes). Por isso, toda diminuição da ideologia
socialista, todo distanciamento dela implica o fortalecimento da ideologia burguesa.
Fala-se de espontaneidade. Mas o desenvolvimento espontâneo do movimento operário
resulta justamente na subordinação à ideologia burguesa, efetua-se justamente segundo
o programa do "Credo", pois o movimento operário espontâneo é o sindicalismo, a Nur-
Gewerkschafilerei: ora, o sindicalismo é justamente a escravidão ideológica dos
operários pela burguesia. Por isso, nossa tarefa, a da social-dernocracia, é combater a
espontaneidade, desviar o movimento operário dessa tendência espontânea que
apresenta o sindicalismo, de se refugiar sob as asas da burguesia, e atraí-lo para a socialdemocraciarevolucionária. Por conseguinte, a frase dos autores da carta "econômica"
do n.º. 12 do Iskra, afirmando que todos os esforços dos mais inspirados ideólogos não
poderão desviar o movimento operário do caminho determinado pela ação recíproca dos
elementos materiais e do meio material, equivale exatamente a abandonar o socialismo,
e se esses autores fossem capazes de meditar no que dizem, até às ultimas
conseqüências, com lógica e destemor, como deve fazer quem se dedica ao campo da
ação literária e social, não lhes restaria senão cruzar sobre o peito vazio seus braços
inúteis"" e... deixar o campo livre aos senhores Struve e Prokopovitch, que arrastam o
movimento operário "no sentido do mínimo esforço", isto é, no sentido do sindicalismo
burguês, ou aos senhores Zubatov, que o arrastam no sentido da "ideologia"
cléricopolicial.
Recorde-se o caso da Alemanha. Qual foi o mérito histórico de Lassalle diante do
movimento operário alemão? Foi ter desviado este movimento do caminho do
sindicalismo progressista e do cooperativismo, para onde se dirigia espontaneamente
(com a ajuda benévola dos Schulze-Delitzsch e consortes). Para realizar essa tarefa, foi
preciso mais do que frases a respeito da subestimação do elemento espontâneo, sobre a
tática-processo, sobre a acção recíproca dos elementos e do meio etc. Para isso foi
preciso uma luta encarniçada contra a espontaneidade, e só após essa luta de longos e
longos anos que se chegou, por exemplo, a fazer da população operária de Berlim o
baluarte do partido progressista, uma das melhores cidadelas da social-democracia. E
esta luta está ainda longe de terminar (como poderiam supor os estudiosos da história do
movimento alemão através de Prokopovitch, e da filosofia desse movimento através de
Strouve). Ainda agora, a classe operária alemã está dividida, se assim se pode dizer,
entre diversas ideologias: uma parte dos operários está agrupada nos sindicatos
operários católicos e monarquistas; outra, nos sindicatos Hirsch-Duncker, fundados
pelos admiradores burgueses do sindicalismo inglês; uma terceira, nos sindicatos
sociais-democratas. Esta última parte é infinitamente mais numerosa que todas as
outras, mas a ideologia social-democrática não pode obter, e não poderá conservar essa
supremacia, senão através de uma luta incansável contra todas as outras ideologias.
Mas, por que - perguntará o leitor - o movimento espontâneo, que se dirige para o
sentido do mínimo esforço, conduz exatamente à dominação da ideologia burguesa?
Pela simples razão de que, cronologicamente, a ideologia burguesa é muito mais antiga
que a ideologia socialista, está completamente elaborada e possui meios de difusão
infinitamente maiores(14)10. Quanto mais jovem for o movimento socialista em um
país, mais energicamente terá que lutar contra todas as tentativas feitas para consolidar a
ideologia não socialista; tanto mais resolutamente será preciso colocar os operários em
guarda contra os maus conselheiros que gritam contra a "sobrestimação do elemento
consciente" etc. Com o Rabótcheie Dielo, os autores da carta econômica gritam em
uníssono contra a intolerância própria à infância do movimento. A isto responderemos:
de fato, nosso movimento ainda está em sua infância, e para atingir sua virilidade deve
justamente imbuir-se de intolerância em relação àqueles que, através de seu culto da
espontaneidade, retardam seu desenvolvimento. Nada há de mais ridículo e de mais
prejudicial para se colocar ao velho militante que, há muito, já passou por todas as fases
decisivas da luta!
Em terceiro lugar, o primeiro número da Rabótchaia Mysl mostra-nos que a
denominação de "economismo" (à qual, evidentemente, não temos intenção de
renunciar, pois de qualquer modo este vocábulo já adquiriu direito de ser citado) não
traduz com exatidão suficiente o fundo da nova tendência. A Rabótchaia Mys1 não nega
completamente a luta política: os estatutos da caixa que publica em seu primeiro
número falam da luta contra o governo. A Rabótchaia Mysl considera somente que "o
político segue sempre docilmente o econômico". (E o Rabótcheie Dielo dá uma variação
dessa tese, afirmando em seu programa que "na Rússia, mais que em qualquer outro
país, a luta econômica é inseparável da luta política"). Essas teses da Rabótchaia Mysl e
do Rabótcheie Dielo são absolutamente falsas, se por política se entende a política
social-democrata. Com muita freqüência, a luta econômica dos operários, como já
vimos, está ligada, (não de forma indissolúvel, é verdade) à política burguesa, clerical,
ou outra. As teses do Rabótcheie Dielo são justas, se por política se entende a política
sindical, isto é, a aspiração geral dos operários a obter do Estado as medidas suscetíveis
de remediar os males inerentes à sua situação, mas, que não suprimem tal situação, isto
é, não suprimem a submissão do trabalho ao capital. Essa aspiração é, de fato, comum
aos sindicalistas ingleses hostis ao socialismo, aos operários católicos e aos operários
"de Zubatov", etc. Há política e política. Assim, pois, vemos que a Rabótchaia MysI,
mesmo no que concerne à luta política, mais do que repudiá-la, inclina-se diante de sua
espontaneidade, sua inconsciência. Reconhecendo inteiramente a luta política que surge
espontaneamente do próprio movimento operário (ou, mais ainda: os anseios e
reivindicações políticas dos operários) recusa-se por completo a elaborar ela própria
uma política social-democrata específica, que responda às tarefas gerais do socialismo e
as condições russas atuais. Mais adiante mostraremos que esta também é a falta
cometida pelo Rabótcheie Dielo.
c) O grupo da Autoemacipação e o "Rabotcheie Delo"
Se analisamos com tantos detalhes o editorial pouco conhecido e hoje quase esquecido
do primeiro número da Rabótchaia Mysl é porque ele foi o primeiro a expressar de
forma relevante a corrente geral, que mais tarde surgiria à luz sob a forma de uma
infinidade de riachos. V. I. tinha absoluta razão quando, louvando esse primeiro número
e esse editorial da Rabótchaia MysI, constatou "a(sua) veemência e o seu ardor" (Listok
"Rabótchaia" n.º. 9-10, p. 49). Todo homem de convicções firmes, que acredita trazer
algo de novo quando escreve com "ardor", coloca em relevo o seu ponto de vista.
Somente aqueles habituados a permanecer sentados entre duas cadeiras carecem de
"ardor"; somente estes, após terem elogiado, ontem, o ardor da Rabótchaia Mysl, são
capazes, hoje, de censurar o "ardor polêmico" de seus adversários.
Sem nos determos no "suplemento especial da Rabótchaia Mys1 (a seguir, teremos de
nos referir, por diferentes motivos, a essa obra que expõe com a maior lógica as idéias
dos "economistas"), limitarnos-mos a assinalar sumariamente o "Apelo do Grupo da
Autoliberação dos Operários" (março de 1899, reproduzido no Nakanune de Londres,
n.º. 7, julho de 1899). Os autores deste apelo dizem, com toda a razão, que "a Rússia
operária, que apenas começa a se sacudir de seu torpor e a olhar à sua volta, apega-se
instintivamente aos primeiros meios de luta que se lhe oferecem", mas daí tiram a
mesma conclusão errônea que a Rabótchaia Mysl esquecendo-se que o instintivo é
exatamente o inconsciente (o espontâneo), em ajuda do qual devem correr os socialistas;
que os "primeiros" meios de luta "que se lhe oferecem" serão sempre, na sociedade
contemporânea, os meios sindicalistas de luta e a "primeira" ideologia, a ideologia
burguesa (sindicalista). Esses autores não "negam" mais a política, dizem somente
(somente!) de acordo com o Senhor V. V., que a política é uma superestrutura e que, por
conseguinte, "a agitação política deve ser a superestrutura da agitação em favor da luta
econômica, que deve surgir no campo dessa luta e marchar atrás dela".
Quanto ao Rabótcheie Dielo, começou sua atividade diretamente pela "defesa" dos
"economistas". Após ter enunciado uma contra verdade manifesta declarando desde seu
primeiro número (n.º. 1, p. 141-142) "ignorar a que jovens camaradas referia-se
Axelrod", que em seu conhecido folheto(15) fazia uma advertência aos "economistas",
o Rabótcheie Dielo teve, no curso de sua polêmica com Axelrod e Plekhânov a
propósito dessa contra verdade, de reconhecer que "simulando não saber de quem se
tratava, desejava defender todos os jovens sociais-democratas do estrangeiro contra essa acusação injusta" (a acusação de estreiteza de Axelrod aos "economistas"). Na realidade, esta acusação era perfeitamente justa, e o Rabótcheie Dielo sabia muito bem que ela visava, entre outros, V. I., membro de sua redação. Notarei de passagem, a esse respeito, que na polêmica em questão Axelrod tinha inteira razão, e o Rabótcheie Dielo estava completamente errado na interpretação de meu trabalho, As Tarefas dos Sociais-Democratas Russos. Este trabalho foi escrito em 1897, ainda antes do aparecimento da Rabótchiai Mysl quando eu considerava, com toda a razão, que a tendência inicial da "União de Luta" de São Petersburgo, tal como a caracterizei acima, era a predominante. Efetivamente, esta tendência foi preponderante pelo menos até meados de 1898. Ademais, o Rabótcheie Dielo não fora inutilmente fundado para desmentir a existência e o perigo do
"economismo", para se referir a um trabalho que expunha os pontos de vista que foram
suplantados em São Petersburgo, em 1897-1898, pelos "economistas"? (16)
Mas, o Rabótcheie Dielo não apenas "defendia" os "economistas"; também incorria,
ele próprio, constantemente em seus principais erros. O que se encontrava na origem
desse desvio, era a interpretação ambígua da seguinte tese de seu programa: "O
fenômeno essencial da vida russa, designado principalmente para definir as tarefas (o
grifo é nosso) e o caráter da atividade literária da "União", é, em nossa opinião, o
movimento operário de massas (grifado pelo Rabótcheie Dielo), que surgiu esses
últimos anos". Está fora de discussão, que o movimento de massas seja um fenômeno
muito importante. Mas, a questão é saber como compreender a "definição das tarefas"
para esse movimento de massas. Pode ser compreendida de duas maneiras: ou nos
inclinamos diante da espontaneidade desse movimento, isto é, reconduzimos o papel da
social-democracia ao de um simples criado do movimento operário como tal (assim o
entendem o Rabótchaia Mysl o "Grupo da Autoliberação" e os outros "economistas");
ou admitimos que o movimento de massas nos impõe novas tarefas teóricas, políticas e
de organização, muito mais complexas do que as com que podíamos contentar-nos
antes do aparecimento do movimento de massas. O Rabótcheie Dielo sempre tendeu, e
tende, precisamente pela primeira interpretação; jamais falou com precisão de novas
tarefas, e sempre raciocinou como se esse "movimento de massas" nos eximisse da
necessidade de conceber com nitidez e de realizar as tarefas que ele impõe. Será
suficiente indicar que, o Rabótcheie Dielo julgou impossível atribuir como primeira
tarefa do movimento operário de massas a derrubada da autocracia, tarefa que rebaixou
(em nome do movimento de massas) ao nível da luta pelas reivindicações políticas
imediatas ("Resposta", p. 25).
Deixando de lado o artigo de B. Krítchévski, redator-chefe do Rabótcheie Dielo - "A
Luta Econômica e Política no Movimento Russo" - aparecido no número 7, artigo onde
se encontram os mesmos erros(17), passaremos diretamente ao número l0 do
Rabótcheie Dielo. É claro que não examinaremos uma a uma as objeções de B.
Kritchévski e de Martynov contra a Zaria e o Iskra. O que nos interessa aqui, é
unicamente a posição de princípio adotada pelo Rabótcheie Dielo em seu número 10.
Assim, não examinaremos este fato curioso, de o Rabótcheie Dielo ver uma
"contradição fundamental" entre a tese seguinte:
"A social-democracia não une as mãos, não limita sua atividade a um plano
preconcebido ou a um procedimento de luta política preestabelecido; admite todos os
meios de luta, contanto que correspondam às forças disponíveis do Partido"., etc. (Iskra
n.º. 1) e esta tese: " ...sem uma organização sólida, habilitada à luta política em todas as
circunstâncias e em todos os períodos, não seria possível sequer falar desse plano de
ação sistemática estabelecido à luz de princípios severos, e seguido sem fraquejamentos,
o único a merecer o nome de tática" (Iskra, n.º. 4).
Confundir em princípio o reconhecimento de todos os meios, de todos os planos e
procedimentos da luta, desde que sejam racionais, com a necessidade de se guiar em um
determinado momento político a partir de um plano rigorosamente aplicado, se se quer
falar de tática, equivaleria a confundir o reconhecimento pela medicina de todos os
sistemas de tratamento, com a necessidade de se ter de seguir um determinado sistema
no tratamento de uma dada doença. Mas, é o próprio Rabótcheie Dielo que sofre da
doença que denominamos o culto do espontâneo, sem querer admitir qualquer "sistema
de tratamento" dessa doença. Ademais, fez esta descoberta notável, que "a tática-plano
contradiz o espírito fundamental do marxismo" (n.º. 10, p. 18); que a tática é "o
processo de crescimento das tarefas do partido, que crescem ao mesmo tempo que ele"
(p. 11, grifado pelo Robótcheie Dielo). Esta última frase tem todas as possibilidades de
se tornar famosa, um monumento indestrutível da "tendência" do Rabótcheie Dielo. À
pergunta: "para onde ir?" este órgão dirigente responde: o movimento é o processo de
variação de distância entre o ponto de partida e o ponto seguinte do movimento. Esta
reflexão de incomparável profundidade não é apenas curiosa (não valeria a pena nela
nos determos), constitui, ainda, o programa de toda uma tendência, programa que R.
M.(no "Suplemento especial à Rabótchaia Mysl") expressou: nesses termos: a luta é
desejável se ela é possível; aquela que se trava, nesse momento, é possível. É
exatamente esta a tendência do oportunismo ilimitado, que se adapta passivamente à
espontaneidade.
"A tática-plano contradiz o espírito fundamental do marxismo!" Mas, isto é caluniar
o marxismo, é convertê-lo em uma caricatura análoga àquela que nos opunham os
populistas em sua guerra contra nós. É, precisamente, rebaixar a iniciativa e a energia
dos militantes conscientes, enquanto o marxismo, ao contrário, estimula enormemente e
a energia do social-democrata, abrindo-lhe as maiores perspectivo, pondo (se assim
podemos dizer) à sua disposição as forças prodigiosas de milhões e milhões de
operários que se preparam espontaneamente para a luta! Toda a história da socialdemocracia
internacional fervilha de planos formulados por este ou aquele chefe
político, planos que atestam a clarividência de alguns e a exatidão dos seu pontos de
vista políticos e de organização, ou que revelam a miopia e os erros políticos de outros.
Quando a Alemanha conheceu uma das maiores reviravoltas de sua história - formação
do Império, abertura do Reichstag, concessão do sufrágio universal - Liebknecht tinha
um plano da política e da ação social-democrata em geral, e Schweitzer tinha outro.
Quando a lei da exceção se abateu sobre os socialistas alemães, Most e Hasselmann
tinham um plano: o apelo puro e simples à violência e ao terror: Höchberg, Schramm e
(em parte) Bernstein tinham outro: os sociais-democratas tendo provado, pela sua
violência insensata e seu revolucionarismo, a lei que os atingia, deviam agora, através
de um comportamento exemplar, obter seu perdão; enfim, existia um terceiro plano: o
dos homens que prepararam e realizaram - a publicação de um órgão ilegal.
Retrospectivamente, recuando muitos anos, após terminada a luta pela escolha do
caminho a seguir, e agora que a história pronunciou-se definitivamente sobre o valor da
direção escolhida. é claro que não é difícil manifestar profundidade declarando,
sentenciosamente, que as tarefas do Partido crescem ao mesmo tempo que ele. Mas, nas
horas de confusão(18), quando os "críticos" e "economistas" russos rebaixam a socialdemocracia ao nível do sindicalismo, e os terroristas pregam com ardor a adoção de
uma "tática-plano", que apenas retoma os erros antigos - ater-se em semelhante
momento a tais frases é passar a si próprio um "certificado de indigência". No momento
em que inúmeros sociais-democratas russos carecem exatamente de iniciativa e energia,
de "extensão, da propaganda, da agitação e da organização política", de "planos" para
pôr em execução. de forma mais ampla, o trabalho revolucionário - dizer em semelhante
que "a tática-plano contradiz o espírito fundamental do marxismo" não é apenas aviltar
teoricamente o marxismo. mas praticamente puxar o Partido para trás.
"0 social-democrata revolucionário, ensina-nos adiante o Rabótcheie Dielo, tem
como tarefa unicamente acelerar, pelo seu trabalho consciente, o desenvolvimento
objetivo, e não suprimi-lo ou substituí-lo por planos subjetivos. O Iskra, em teoria,
conhece tudo isso. Mas a importância considerável que o marxismo atribui, com razão,
ao trabalho revolucionário consciente, leva de fato o Iskra, em conseqüência de seu
doutrinarismo em matéria de tática, a subestimar o valor do elemento objetivo ou
espontâneo do desenvolvimento" (p. 18).
Eis-nos, de novo, diante de uma confusão teórica extraordinária, digna dos senhores
V. V. e consortes. Mas, perguntaremos a nosso filósofo, em que pode consistir a
"subestimação" do desenvolvimento objetivo para o autor de planos subjetivos?
Evidentemente, sem perder de vista o fato de que este desenvolvimento objetivo cria ou
consolida, arruina ou enfraquece estas ou aquelas classes, categorias, grupos, essas ou
aquelas nações, grupos de nações etc., determinando assim o aparecimento desse ou
daquele agrupamento político internacional de forças, essa ou aquela posição dos
partidos revolucionários etc. Mas, o erro desse autor será, então, de ter subestimado não
o elemento espontâneo, mas, ao contrário, o elemento consciente, pois a ele terá faltado
a "consciência" para uma justa: compreensão do desenvolvimento objetivo. É por isso
que somente o fato de se falar "da apreciação da importância relativa" (grifado pelo
Rabótcheie Dielo) assinala uma ausência completa de "consciência". Se certos
"elementos espontâneos do desenvolvimento" são acessíveis em geral à consciência
humana, a apreciação errônea desses elementos equivalerá a uma "subestimação do
elemento consciente". E se são inacessíveis a consciência, não os conhecemos, e não
podemos falar deles. Que deseja, pois, B Kritchévski? Se considera errados os "planos
subjetivos" do Iskra (e de fato os declara errados), deveria mostrar, precisamente, quais
os fatos objetivos que não são levados em conta por esses planos, e acusar o "Iskra" de
falta de consciência, de "subestimação do elemento consciente", para utilizar sua
linguagem. Mas, se descontente com os planos subjetivos, não tem outros argumentos
senão os da "subestimação do elemento espontâneo" (!!), somente poderá provar através
disso que: 1º.) teoricamente, compreende o marxismo à maneira dos Karéiev e dos
Mikhailóvski, suficientemente escarnecidos por Beltov; 2º.) praticamente, está
inteiramente satisfeito com os "elementos espontâneos do desenvolvimento", que
arrastaram nossos marxistas legais ao bernsteinismo e nossos sociais-democratas ao
"economismo", e que está "muito indignado" contra os que decidiram desviar, a
qualquer custo, a social-democracia russa dos caminhos do desenvolvimento
"espontâneo".
A seguir, aparecem coisas verdadeiramente divertidas. "Do mesmo modo que os
homens, apesar de todo o progresso das ciências naturais, continuarão a se multiplicar
através de procedimentos ancestrais, do mesmo modo que o nascimento de uma nova
ordem social, apesar de todo o progresso das ciências sociais e do aumento do número
de combatentes, será sempre e sobretudo o resultado de explosões espontâneas (19). Da
mesma forma que a sabedoria ancestral diz: A quem faltará inteligência para ter filhos?
- também a sabedoria dos "socialistas modernos" (à maneira de NarcisseTuporilov) diz:
para participar do nascimento espontâneo de uma nova ordem social, não faltará
inteligência a ninguém. Também pensamos assim. Para participar dessa maneira, basta
se laisser aller pelo "economismo", quando reina o "economismo", pelo terrorismo,
quando surge o terrorismo. Assim, o Rabótcheie Dielo, na última primavera, quando era
tão importante pôr-se em guarda contra o entusiasmo pelo terror, encontrou-se perplexo,
diante de uma questão "nova" para ele. E agora, seis meses mais tarde, quando a questão
deixou de ter atualidade tão palpitante, apresenta-nos ao mesmo tempo esta declaração:
"pensamos que a tarefa da social-democracia não pode, nem deve opor-se à ascensão de
tendências terroristas" (Rabótcheie Dielo, n.º. 10, p. 23), bem como a resolução do
congresso: "O congresso reconhece como inoportuno o terror ofensivo sistemático"
(Dois Congressos, p. 18). Que clareza e coerência admiráveis! Não nos opomos, mas
declaramos inoportuno, e declaramos isso de forma que a "resolução" não inclua o
terror não sistemático e defensivo. Concordamos que tal resolução não oferece qualquer
perigo, e que constitui garantia contra todo erro, como o de falar sem nada dizer! E para
redigir tal resolução, não é preciso senão uma coisa: saber segurar-se à cauda do
movimento. Quanto o Iskra zombou do Rabótcheie Dielo, que declarou que a questão
do terror era uma questão nova, o Rabótcheie Dielo acusou severamente o Iskra "de ter
a pretensão verdadeiramente incrível de impor à organização do Partido a solução de
problemas táticos, apresentada há mais de quinze anos por um grupo de escritores
emigrados" (p. 24). De fato, que atitude pretensiosa e que exagero do elemento
consciente: resolver teoricamente e de antemão as questões, a fim de convencer em
seguida a organização, o partido e as massas de que essa solução é bem
fundamentada(19)! Outra coisa é simplesmente repetir coisas já ditas, e sem nada
"impor" a ninguém, e obedecer a qualquer "virada" tanto para o "economismo" como
para o terrorismo. O Rabótcheie Dielo chega a sintetizar esse grande preceito da
sabedoria humana e acusa o Iskra e a Zaria "de opor ao movimento o seu programa,
como um espírito pairando acima do caos informe" (p. 29). Mas, qual é o papel da
social-democracia, senão o de ser o "espírito" que não somente paira acima do
movimento espontâneo, mas, eleva este ao nível de "seu programa"? Não é, portanto, de
se arrastar na cauda do movimento; coisa inútil, no melhor dos casos, e, no pior,
extremamente prejudicial para o movimento. O Rabótcheie Dielo não se limita a seguir
essa "tática-processo"; eleva-a mesmo em princípio, de forma que sua tendência deveria
ser qualificada não de oportunismo, mas, antes, de caudismo (da palavra cauda). É
forçoso reconhecer que aqueles firmemente decididos a sempre marchar à cauda do
movimento, estão absolutamente e para sempre, contra o defeito de "subestimar o
elemento espontâneo do desenvolvimento".
Constatamos, assim, que o erro fundamental da "nova tendência" da socialdemocracia
russa é inclinar-se diante da espontaneidade; é não compreender que a
espontaneidade da massa exige de nós, sociais-democratas, uma consciência elevada.
Quanto maior for o impulso espontâneo das massas, mais amplo será o movimento, e de
forma ainda mais rápida afirmar-se-á a necessidade de uma consciência elevada no
trabalho teórico, político e de organização da social-democracia.
O impulso espontâneo das massas na Rússia foi (e continua a ser) tão rápido que a
juventude social-democrata encontrou-se pouco preparada para realizar essas imensas
tarefas. A falta de preparação, nossa infelicidade comum, constituí a infelicidade de
todos os sociais-democratas russos. O impulso das massas não cessou de crescer e de se
estender sem solução de continuidade; e longe de interromper-se onde foi iniciado,
estendeu-se a novas localidades, a novas camadas da população (o movimento operário
provocou um redobramento da efervescência entre a juventude das escolas, dos
intelectuais em geral, e mesmo entre os camponeses). Os revolucionários atrasaram-se
quanto à progressão do movimento, e em suas "teorias" e atividade, não souberam criar
uma organização que funcionasse sem solução de continuidade, capaz de dirigir todo o
movimento.
No primeiro capítulo, constatamos que o Rabótcheie Dielo rebaixa nossas tarefas
teóricas e repete "espontaneamente" o grito em moda: "liberdade de crítica"; mas
aqueles que o repetem não tiveram "consciência" suficiente para compreender a
oposição diametral existente entre as posições dos "críticos" - oportunistas e os
revolucionários na Alemanha e na Rússia.
Nos capítulos seguintes, veremos como esse culto da espontaneidade manifestou-se
no domínio das tarefas políticas e no trabalho de organização da social-democracia.
Notas: Capítulo 2
(1) Rabótcheie Dielo n.º. 10, setembro de 1901, p, 17 e 18. (retornar ao texto)
(2) O sindicalismo não exclui absolutamente toda "política", como por vezes se pensa.
Os sindicatos sempre conduziram certo tipo de propaganda e certas lutas políticas
(porém, não sociais-democratas). No capítulo seguinte, exporemos a diferença entre a
política sindical e a política social-democrata. (retornar ao texto)
(3) A. Vaneiev morreu em 1899, na Sibéria Oriental, de tuberculose contraída durante
sua prisão preventiva. Por isso, julgamos possível publicar as informações no texto:
respondemos por sua autenticidade, pois provêm de pessoas que conheceram pessoal e
intimamente A. Vaneiev. (retornar ao texto)
(4) "Criticando a atividade dos sociais-democratas dos últimos anos de século XIX, o
Iskra não leva em conta a ausência, à essa época, de condições para um trabalho, que
não a luta em favor de pequenas reivindicações." Assim falam os "economistas" em sua
Carta aos Órgãos Sociais-Democratas Russos (Iskra, n.º. 12). Os fatos citados no texto
provam que essa afirmação sobre a "ausência de condições" é diametralmente oposta à
verdade. Não apenas por volta de 1900, mas também em 1895, todas as condições
foram reunidas para permitir outro trabalho além da luta por pequenas reivindicações,
salvo uma preparação suficiente dos dirigentes. E eis que em lugar de reconhecer
abertamente esta falta de preparação entre nós, ideólogos, dirigentes, os "economistas"
querem rejeitar toda a culpa quanto à "ausência de condições", à influência do meio
material determinando o caminho, do qual nenhum ideólogo conseguirá desviar o
movimento. O que é isto senão submissão servil ao espontâneo, a admiração dos
"ideólogos" pelos seus próprios defeitos? (retornar ao texto)
(5) Diga-se de passagem, que este elogio da Rabótchaia Mysl em novembro de 1898,
quando o economismo sobretudo no estrangeiro definira-se completamente, partia do
próprio V. I., que pouco depois tornou-se um dos redatores do Rabótcheie Dielo. E o
Rabótcheie Dielo ainda negava, como continua a fazer a existência de duas tendências
na social-dernocracia russa! (retornar ao texto)
(6) 0 seguinte fato característico mostra a exatidão dessa comparação. Quando, após a
prisão dos "dezembristas", espalhou-se entre os operários da estrada de Schlüsselburg a
notícia de que o provocador, N. Mikhailov (um dentista), ligado a um dos grupos
estreitamente vinculados aos "dezembristas", contribuíra para denunciá-los, os operários
indignados decidiram matar Mikhailov. (retornar ao texto)
(7) Extraído do mesmo editorial do primeiro número da Rabótchaia Mysl. Pode-se
julgar através disso a preparação teórica desses "V. V. da social-democracia russa", que
reproduziram essa grosseira vulgarização do "materialismo econômico" enquanto, em
suas publicações, os marxistas faziam guerra ao verdadeiro V. V., desde há muito
apelidado "o artesão da reação", por compreender da mesma maneira as relações entre o
político e o econômico! (retornar ao texto)
(8) Os alemães possuem até uma palavra especial, Nur-Gewerkschaftler, para designar
os partidários da luta "exclusivamente sindical". (retornar ao texto)
(9) Grifamos atuais para os fariseus que dão de ombros, dizendo: é fácil agora, denegrir
a Rabótchaia Mysl, mas tudo isso constitui um passado longínquo. Mutato nomine de te
fabula narratur, responderemos a esses fariseus modernos, cujo servilismo absoluto às
idéias da Rabótchaia Mysl será demonstrado mais adiante. (retornar ao texto)
(10) Carta dos "economistas" no n.º. 12 do Iskra. (retornar ao texto)
(11) Rabótcheie Dielo, n.º. 10. (retornar ao texto)
(12) Neue Zeit, 1901-1902, XX, 1, n.º. 3, p. 79. 0 projeto da comissão de que fala K.
Kautsky foi adotado (no final do ano passado) pelo Congresso de Viena sob uma forma
um pouco modificada. (retornar ao texto)
(13) Naturalmente, isto não significa que os operários não participem dessa elaboração.
Mas não participam na qualidade de operários, participam como teóricos do socialismo,
como os Proudhon e os Weitling; em outras palavras, não participam senão na medida
em que conseguem adquirir os conhecimento mais ou menos perfeitos de sua época, e
fazê-los progredir. E para que os operários o consigam com maior freqüência, é preciso
esforçar-se o mais possível para elevar o nível da consciência dos operários em geral; é
preciso que não se limitem ao quadro artificialmente restrito da "literatura para
operários", mas que saibam assimilar cada vez melhora literatura para todos. Seria
mesmo mais exacto dizer, em lugar de "se limitem", não sejam limitadas, porque os
próprios operários lêem e desejariam ler tudo o quase escreve também para os
intelectuais: somente alguns intelectuais (deploráveis) pensam que é suficiente falar
"aos operários" da vida da fábrica e repisar aquilo que eles já sabem há muito tempo.
(retornar ao texto)
(14) Diz-se freqüentemente: a classe operária vai espontaneamente para o socialismo.
Isto é perfeitamente justo no sentido de que, mais profunda e exatamente que as outras,
a teoria socialista determina as causas dos males da classe operária: é por isso que os
operários assimilam-na com tanta facilidade, desde que esta teoria não capitule, ela
própria, diante da espontaneidade, desde que se submeta a essa espontaneidade. Isto
está, em geral, subentendido, mas o Rabótcheie Dielo esquece-se precisamente desse
subentendido, ou deturpa-o. A classe operária vai espontaneamente para o socialismo,
mas a ideologia burguesa mais difundida (e constantemente ressuscitada sob as mais
variadas formas) é, porém, aquela que mais se impõe espontaneamente, sobretudo ao
operário.(retornar ao texto)
(15) As Tarefas Atuais e a Tática dos Sociais-Democratas Russos, Genebra, 1898.
Duas cartas à Rabótchaia MysI, escritas em 1897. (retornar ao texto)
(16) Defendendo esta sua primeira contraverdade ("ignoramos a que jovens
camaradas referia-se P. Axelrod"), o Rabótcheie Dielo acrescentou uma segunda,
quando escreveu em sua "Resposta": "desde que a crítica das Tarefas foi feita, surgiram
tendências, ou afirmaram-se tendências de forma mais ou menos nítida entre certos
sociais-democratas russos, em direção ao exclusivismo econômico, que significam um
passo atrás em relação ao estado de nosso movimento, tal como foi representado nas
Tarefas" (p. 9). Isto é dito na "Resposta", aparecida em 1900. Ora, o primeiro número
do Rabótcheie Dielo (com a crítica) apareceu em abril de 1899. Mas, não foi em 1899
que o "economismo" apareceu realmente? Não, foi em 1899, que se fez ouvir pela
primeira vez, o protesto dos sociais-democratas russos contra o "economismo" (protesto
contra o Credo). Quanto ao "economismo", nasceu em 1897, como o sabe perfeitamente
o Rabótcheie Dielo, pois, desde novembro de 1898, (List. "Rabót.", n.º. 9-10),V. I. fazia
elogios à Rabótchaia Mysl. (retornar ao texto)
(17) Veja-se, por exemplo, como encontra-se enunciada nesse artigo a "teoria dos
estádios", ou a teoria do "ziguezague tateante" na luta política: "As reivindicações
políticas, comuns pelo seu caráter à toda a Rússia, devem, todavia, nos primeiros
tempos (isto foi escrito em agosto de 1900) "corresponder à experiência extraída da luta
econômica pela categoria determinada (.sic) dos operários. Somente (!) a partir dessa
experiência é que se pode e se deve empreender a agitação política" etc. (p. 11). À
página 4, erguendo-se contra as acusações de heresia economista, segundo ele
absolutamente injustificadas, o autor exclama pateticamente: Qual é o social-democrata
que ignora que, de acordo com a doutrina de Marx e Engels, os interesses econômicos
das diferentes classes desempenham um papel decisivo na história e que, por
conseguinte, a luta do proletariado pelos seus interesses econômicos deve, em
particular, ter importância primordial para seu desenvolvimento de classe e sua luta
emancipadora?" (0 grifo é nosso.) Este por conseguinte está absolutamente deslocado.
Do fato de os interesses econômicos desempenharem um papel decisivo, não se segue
deforma alguma que a luta econômica (= profissional) tenha um interesse primordial
pois os interesses mais essenciais, "decisivos" das classes não podem ser satisfeitos, em
geral, senão pelas transformações políticas radicais; em particular, o interesse
econômico capital do proletariado não pode ser satisfeito senão por uma revolução
política, substituindo a ditadura da burguesia pela ditadura do proletariado. B.
Kritchévski repete o raciocínio dos "V. V. da social-democracia russa" (o político vem
depois do econômico etc.), e dos bernsteinianos da social-democracia alemã (era
justamente através de raciocínio análogo que Volimann, por exemplo, buscava
demonstrar que os, operários devem começar por adquirir a "força econômica" antes de
pensar na revolução política). (retornar ao texto)
(18) Ein Jahr der Verwirrung (Um Ano de Confusão), é o título que Mehring deu ao
capítulo de sua História da Social-Democracia Alemã, onde descreve as hesitações e a
indecisão manifestadas inicialmente pelos socialistas na escolha de uma "tática-plano"
correspondente às novas condições. (retornar ao texto)
(19) Também não se deve esquecer que, resolvendo "teoricamente" a questão do
terror, o grupo "Liberação do Trabalho" sintetizou a experiência do movimento
revolucionário anterior. (retornar ao texto)


Capítulo 3 - Política Sindical e Política Socialdemocrata
Mais uma vez, começaremos elogiando o Rabótcheie Dielo. "Literatura de Denúncia e
Luta Proletária", assim denominou Martynov seu artigo do Rabótcheie Dielo (n.º. 10),
sobre as divergências com o Iskra "Não podemos nos limitar a denunciar o regime que
entrava seu desenvolvimento (do partido operário). Devemos, igualmente, fazer de nós
o eco dos interesses correntes e urgentes do proletariado" (p. 63). É assim que Martynov
formula a essência dessas divergências. "...O Iskra.... é efetivamente o órgão da
oposição revolucionária que denuncia nosso regime e principalmente nosso regime
político... Trabalhamos e trabalharemos, no que nos diz respeito, pela causa operária,
em estreita ligação orgânica com a luta proletária". (Ibid.). Não é possível deixar de
agradecer a Martynov por essa formulação. Ela adquire um grande interesse geral, pelo
fato de abranger, no fundo, não somente nossas divergências de pontos de vista com o
Rabótcheie Dielo, mas todas as divergências que existem, de maneira geral, entre nós e
os "economistas" sobre a questão da luta política. Já mostramos que os "economistas"
não negam absolutamente a "política", mas que se desviam constantemente da
concepção social-democrata em direção à concepção sindical da política. É exatamente
assim que o faz Martynov; e por isso queremos tomá-lo como espécime dos erros
"economistas" na questão de que nos ocupamos. Tentaremos demonstrar que nem os
autores do "Suplemento especial da Rabótchaia Mysl", nem os da declaração do "Grupo
da Autoliberação", nem tampouco os da carta econômica do n.º. 12 do Iskra têm o
direito de nos reprovar tal escolha.
a) A Agitação Politica e o Seu Estreitamento pelos "Economistas"
Ninguém ignora que a extensão e a consolidação da luta econômica(1) dos operários
russos marcharam de par com a eclosão da "literatura" de denúncia econômica
(referente às fábricas e à vida profissional). As "folhas volantes" denunciavam
principalmente o regime das fábricas, e logo isto deu origem a uma verdadeira paixão
pelas denúncias entre os operários. Quando estes últimos viram que os círculos sociais democrata queriam e podiam fornecer-lhes; "folhas volantes" de um novo gênero,
dizendo toda a verdade sobre sua vida miserável, seu trabalho fatigante e sua servidão,
fizeram de certo modo chover cartas das fábricas e das oficinas. Esta "literatura de
denúncia" fez sensação não somente na fábrica, cuja "folha volante" fustigava o regime,
mas em todas as empresas onde havia rumores dos fatos denunciados. Ora, como as
necessidades e a miséria dos operários de diferentes empresas e profissões têm muitos
pontos comuns, a "verdade sobre a vida operária" maravilhou todo o mundo. Uma
verdadeira paixão de "aparecer em letra de forma" tomou conta dos operários mais
atrasados, nobre paixão por essa forma embrionária de guerra contra toda a ordem de
coisas existente, baseada na pilhagem e na opressão. E as "folhas volantes"
constituíram, efetivamente, na imensa maioria dos casos, uma declaração de guerra,
porque o que divulgavam entusiasmava vivamente os operários, impelia-os a reclamar a
supressão dos abusos mais gritantes e apoiar suas reivindicações através de greves. Os
próprios donos das fábricas foram, afinal, obrigados a reconhecer nesses panfletos uma
declaração de guerra a ponto de muitas vezes não desejarem sequer aguardar a própria
guerra. Como sempre, simplesmente através de sua publicação, tais revelações
adquiriram vigor e exerceram forte pressão moral. Não era raro o fato de a simples
aparição de um panfleto obter a satisfação total ou parcial das reivindicações dos
operários. Em uma palavra, as denúncias econômicas (das fábricas) eram e continuam a
ser unia poderosa alavanca da luta econômica. E assim o será, enquanto existir o
capitalismo, que impele necessariamente os operários à autodefesa. Nos países europeus
mais avançados, pode-se ainda agora observar que a denúncia de condições
escandalosas de trabalho em algum "oficio" em desuso, ou em um ramo de trabalho a
domicílio esquecido de todos, leva ao despertar da consciência de classe, à luta sindical,
e à difusão do socialismo(2). A grande maioria dos sociais-democratas russos, nesses
últimos tempos, foi quase inteiramente absorvida pela organização dessas denúncias de
fábricas. É bastante lembrar a Rabótchaia Mysl para se ver a que ponto chegou tal
absorção; esquecia-se que, no fundo, essa atividade não era ainda em si mesma socialdemocrata, mas apenas sindical. As denúncias referiam-se, no fundo, somente às
relações dos operários de uma determinada profissão com seus patrões, e não tiveram,
outro resultado senão o de ensinar àqueles que vendiam sua força de trabalho, a vender
esta "mercadoria" de forma mais vantajosa, e a lutar contra o comprador no terreno de
uma transação puramente comercial. Essas denúncias (na condição de serem
convenientemente utilizadas pela organização dos revolucionários) podiam servir de
ponto de partida e de elemento constitutivo da ação social-democrata; mas também
podiam (e até deviam, quando se inclinava diante da espontaneidade) conduzir à luta
"exclusivamente profissional" e a um movimento operário, não social-democrata. A
social-democracia dirige a luta da classe operária, não apenas para obter condições
vantajosas na venda da força de trabalho, mas, também, pela abolição da ordem social,
que obriga os não possuidores a se venderem aos ricos. A social-democracia representa
a classe operária em suas relações não apenas com um determinado grupo de
empregadores, mas com todas as classes da sociedade contemporânea, com o Estado
como força política organizada. Consequentemente, portanto, os sociais-democratas não
podem limitar-se à luta econômica, mas, também não podem admitir que a organização
das denúncias econômicas constitua sua atividade mais definida. Devemos empreender
ativamente a educação política da classe operária, trabalhar para desenvolver sua
consciência política. Quanto a esse ponto,. após a primeira ofensiva da Zaria e do Iskra
contra o "economismo", "todos estão de acordo", agora (acordo por vezes apenas verbal,
como o veremos em seguida). A questão que se coloca é: em que, portanto, deve
consistir a educação política? Podemos nos limitar a difundir a idéia de que a classe
operária é hostil à autocracia? Naturalmente, não. Não é suficiente esclarecer os
operários sobre sua opressão política (como não o seria esclarecê-los sobre a oposição
de seus interesses em relação aos de seus patrões). É necessário fazer a agitação a
propósito de cada manifestação concreta desta opressão (como fizemos em relação às
manifestações concretas da opressão econômica). Ora, como esta opressão se exerce
sobre as mais diversas classes da sociedade, manifesta-se nos mais diversos aspectos da
vida e da atividade profissional, civil, privada, familiar, religiosa, científica etc. etc., não
se torna evidente que não realizaremos nossa tarefa que é desenvolver a consciência
política dos operários, se não nos encarregarmos de organizar uma ampla campanha
política de denúncia da autocracia? De fato, para fazer a agitação sobre as manifestações
concretas da opressão, é preciso denunciar essas manifestações (da mesma forma que
para conduzir a agitação econômica, era preciso denunciar os abusos cometidos nas
fábricas). Acho que isto está claro. Mas verifica-se justamente que a necessidade de
desenvolver amplamente a consciência política não é reconhecida "por todos", senão em
palavras. Verifica-se, por exemplo, que o Rabótcheie Dielo longe de se encarregar de
organizar, ele próprio, uma ampla campanha de denúncias políticas (ou de tomar a
iniciativa com vistas a essa organização) põe-se a puxar para trás o Iskra, que já tinha
iniciado essa tarefa. Escutem: "A luta política da classe operária é apenas" (justamente
ela não é "apenas") "a forma mais desenvolvida, a forma maior e mais efetiva da luta
econômica" (programa do Rabótcheie Dielo, R D., n.º. 1, p. 3). "Agora, para os sociaisdemocratas trata-se de saber como conferir à própria luta econômica, sempre que
possível, um caráter político" (Martynov, no número 10, p. 42). "A luta econômica é o
meio mais amplamente aplicável para levar as massas à luta política ativa" (resolução
do Congresso da União e "emendas": Dois Congressos, p.11 e 17). O Rabótcheie Dielo,
como se vê, desde o seu nascimento até as últimas "instruções à redação", esteve sempre
impregnado dessas teses, que evidentemente exprimem, todas, um único ponto de vista
sobre a agitação e a luta políticas. Considerem este ponto de vista sob o ângulo da
opinião que prevalece entre todos os "economistas", opinião segundo a qual à agitação
política deve seguir a agitação econômica. Será verdade que a luta econômica é, em
geral(3), "o meio mais amplamente aplicável" para levar as massas à luta política? Isto é
absolutamente falso. Todas as manifestações, quaisquer que sejam elas, da opressão
policial e do arbitrarismo absolutista, e não apenas as ligadas à luta econômica,
constituem um meio não menos "amplamente aplicável" para tal "integração". Por que
os zemskie natchaIniki e os castigos corporais infligidos aos camponeses, a corrupção
dos funcionários e a maneira como a polícia trata a "plebe" das cidades, a luta contra os
famintos, a campanha repelindo a aspiração do povo à instrução e à ciência, a extorsão
dos impostos, a perseguição às seitas, o adestramento dos soldados e o regime de
caserna imposto aos estudantes e aos intelectuais liberais - por que todas essas
manifestações de opressão, e milhares de outras mais, não diretamente ligadas à luta
"econômica", constituem em geral os meios e as ocasiões menos "amplamente
aplicáveis" de agitação política, de integração da massa à luta política? Muito pelo
contrário; na soma total dos casos quotidianos em que o operário sofre (ele próprio, ou
os ligados a ele) a servidão, a arbitrariedade e a violência, os casos de opressão policial
que se aplicam precisamente à luta profissional não constituem, certamente, senão uma
pequena minoria. Por que, então, restringir de antemão a amplitude da propaganda
política, proclamando como "o mais amplamente aplicável" apenas um único meio, ao
lado do qual, para o social-democrata, deveria haver outros que, de forma geral, não são
menos "amplamente aplicáveis?" Em época já muito remota (há um ano! ... ), o
Rabótcheie Dielo escrevia: "As reivindicações políticas imediatas tornam-se acessíveis
à massa após uma, ou na pior das hipóteses, após várias greves", "desde que o governo
utilize a polícia e o corpo policial" (n.º. 7, p. 15, agosto de 1900). Essa teoria oportunista
dos estádios foi rejeitada pela União, que nos faz uma concessão declarando: "não há
nenhuma necessidade, desde o início, de se fazer a agitação política exclusivamente no
terreno econômico" (Dois Congressos, p. 11). Esta única negação pela União de uma
parte de seus antigos erros mostrará ao futuro historiador da, social-democracia russa,
melhor do que toda a espécie de longas dissertações, a que ponto nossos "economistas"
rebaixaram o socialismo! Mas, que ingenuidade da União imaginar que, a troco do
abandono de uma forma de estreitamento da política, poderia fazer-nos aceitar outra
forma de estreitamento! Não teria sido mais lógico dizer, também, que é preciso
sustentar uma luta econômica, da forma mais ampla possível; que é preciso sempre
utilizá-la para os fins de agitação política, mas que "não há nenhuma necessidade' de se
considerar a luta econômica como o meio mais amplamente aplicável para integrar a
massa à luta política ativa? A União considera importante o fato de ter substituído a
expressão "o meio mais amplamente aplicável", pela expressão "o melhor meio", que
figura na resolução correspondente ao Quarto Congresso da União Operária Judaica
(Bud). Na verdade, seria embaraçoso para nós dizer qual dessas duas resoluções é a
melhor: em nossa opinião são as duas piores. Tanto a União como o Bund perdem-se no
que diz respeito a uma interpretação economista, sindical da política (em parte, talvez
inconscientemente, sob a influência da tradição). No fundo, a questão em nada se altera,
quer se empregue as palavras "o melhor", ou "o mais amplamente aplicável". Se a
União tivesse dito que "a agitação política no terreno econômico" constitui o meio mais
amplamente aplicado (e não "aplicável") teria razão quanto a certo período de
desenvolvimento de nosso movimento social-democrata. Teria razão precisamente no
que concerne aos "economistas", no que diz respeito a muitos (senão a maior parte) dos
militantes práticos de 1898-1901; de fato, esses "economistas" práticos aplicaram a
agitação política (se é que a aplicaram de algum modo), quase exclusivamente no
terreno econômico. Como vimos, a Rabótchaia Mysl e o "Grupo da Autoliberação"
admitiam, também eles, e até recomendavam uma agitação política desse gênero! O
"Rabótcheie Dielo" devia condenar resolutamente o fato de a agitação econômica, útil
em si mesma, ter sido acompanhada de uma restrição prejudicial da luta política; ora, ao
invés disso, declara o meio mais aplicado (pelos "economistas") como o mais aplicável!
Não é de se surpreender que, quando damos a esses homens o nome de "economistas",
não lhes resta senão insultar-nos, chamando-nos de "mistificadores" e "desorganiza
dores", e de, "núncios do papa" e "caluniadores"(4) , de se lamentar em diante de todos
que lhes fizemos uma afronta atroz, e declarar em quase jurando a seus grandes deuses:
"decididamente, hoje, nenhuma organização social-democrata está contaminada pelo
economismo"(5). Ali! esses caluniadores, esses políticos malévolos! Não terão eles
inventado todo esse "economismo" para infringir às pessoas, por simples ódio à
humanidade, afrontas atrozes? Qual é o sentido concreto, real da tarefa que Martynov
atribui à social-democracia: "Conferir à própria luta econômica um caráter político"? A
luta econômica é a luta coletiva dos operários contra os patrões, para vender
vantajosamente sua força de trabalho, para melhorar suas condições de trabalho e de
existência. Essa luta é necessariamente uma luta profissional, porque as condições de
trabalho são extremamente variadas, de acordo com as profissões e, portanto, a luta pela
melhoria de suas condições deve ser forçosamente conduzida pela profissão (pelos
sindicatos no Ocidente, pelas uniões profissionais provisórias, por intermédio das
"folhas volantes" na Rússia etc.). Conferir "à própria luta econômica um caráter político
significa, portanto, procurar conseguir as mesmas reivindicações profissionais, melhorar
as condições de trabalho em cada profissão através de "medidas legislativas e
administrativas" (como se exprime Martynov, à página seguinte - 43 -de seu artigo). É
exatamente o que fazem e sempre fizeram os sindicatos operários. Leiam a obra de seus
profundos conhecedores (e de "profundos" oportunistas), como o casal Webb, e verão
que há muito os sindicatos operários da Inglaterra compreenderam e realizam a tarefa de
"conferir à própria luta econômica um caráter político": que há muito e muito tempo
lutam pela liberdade das greves, pela supressão dos obstáculos jurídicos. de todo gênero
e de toda ordem, ao movimento cooperativista e sindical, pela promulgação de leis para
a proteção da mulher e da criança. pela melhoria das condições do trabalho através de
uma legislação sanitária, industrial etc. Assim, pois, sob um aspecto "terrivelmente"
profundo e revolucionário, a frase pomposa - "Conferir à própria luta econômica um
caráter político" - dissimula na realidade a tendência tradicional de rebaixar a política
social-democrata ao nível da política sindical! Sob o pretexto de corrigir a estreiteza do
Iskra, que prefere - vejam vocês; "revolucionar o dogma do que revolucionar a vida"(6),
servem-nos como novidade a luta pelas reformas econômicas. Na realidade, a frase -
"Conferir à própria luta econômica um caráter político" - implica apenas a luta pelas
reformas econômicas. E o próprio Martynov poderia ter chegado a essa conclusão
pouco sutil, se tivesse meditado profundamente em suas próprias palavras. "Nosso
partido", diz ele apontando sua arma mais terrível contra o Iskra, "poderia e deveria
exigir do governo medidas legislativas e administrativas concretas contra a exploração
econômica, o desemprego, a fome etc. "(Rabótcheie Dielo. N.º. 10, p. 42-43).
Reivindicar medidas concretas não significa reivindicar reformas sociais? E mais uma
vez tomamos o testemunho do leitor imparcial: caluniamos nós os rabotchediélentsi -
perdoem-me esta infeliz palavra em voga! - qualificando-os de bernsteinianos
disfarçados, quando pretendem que seu desacordo com o Iskra repousa na necessidade
de lutar por reformas econômicas? A social-democracia revolucionária sempre
compreendeu e compreende em sua atividade a luta pelas reformas. Usa, porém, a
agitação "econômica" não somente para exigir do governo medidas de toda espécie,
mas, também (e sobretudo), para dele exigir que deixe de ser um governo autocrático.
Além disso, acredita dever apresentar ao governo essa reivindicação não somente no
terreno da luta econômica, mas também no terreno de todas as manifestações, quaisquer
que sejam, da vida política e social. Em uma palavra, subordina a luta pelas reformas,
como a parte ao todo, à luta revolucionária pela liberdade e o socialismo. Martynov
ressuscita sob uma forma diferente a teoria dos estádios e tenta prescrever à luta política
que torne resolutamente um caminho por assim dizer econômico. Preconizando, desde o
impulso revolucionário, a luta pelas reformas como uma "tarefa" pretensamente
especial, arrasta o partido para trás, e faz o jogo do oportunismo "economista" e liberal.
Prossigamos. Após ter dissimulado pudicamente a luta pelas reformas sob a frase
pomposa,- "Conferir à própria luta econômica um caráter político" -, Martynov
apresentou como algo de particular as reformas econômicas, simplesmente (e mesmo as
simples reformas no interior da fábrica). Por que teria feito isso? Ignoramos. Talvez por
negligência? Mas se não tivesse considerado unicamente as reformas "fabris", toda a
sua tese, que acabamos de mencionar acima, perderia seu sentido. Talvez porque, da
parte do governo, julgue possíveis e prováveis apenas as "concessões" no aspecto
econômico?(7) Se a resposta for sim, isto constitui um erro estranho: as concessões são
possíveis e também se fazem no aspecto legislativo, quando se trata de aplicar a chibata,
quando se trata de passaportes, de resgates, de seitas, da censura etc, etc. As concessões
(ou pseudoconcessões) "econômicas" são evidentemente as menos dispendiosas e as
mais vantajosas para o governo, pois, dessa forma, espera ganhar a confiança das
massas operárias. Mas é precisamente por isso que nós, os sociais-democratas, não
devemos de forma alguma e por motivo algum ceder a essa opinião (ou a um malentendido)
de que as reformas econômicas pretensamente nos agradam, e que as
consideramos as mais importantes etc. "Tais reivindicações" - diz Martynov falando das
medidas legislativas e administrativas concretas que mencionou anteriormente - "não
seriam uma frase oca, porque, prometendo resultados tangíveis, poderiam ser apoiadas
ativamente pela massa operária"... Não somos "economistas", oh, não! Simplesmente
prostramo-nos diante da "tangibilidade" dos resultados concretos, tão servilmente como
o fazem os senhores Bernstein, Prokopovitch, Struve, R. M., e tutti quanti.
Simplesmente damos a entender (com Narciso Tuporilov) que tudo o que "não promete
resultados tangíveis" não é mais do que uma "frase oca"! Simplesmente expressamo-nos
como se a massa operaria fosse incapaz (e não provou até agora sua capacidade, a
despeito daqueles que atiram sobre ela seu próprio filistinismo) de apoiar ativamente
todo protesto contra a autocracia, mesmo aquele que não lhe promete absolutamente
qualquer resultado tangível! Tomemos os mesmos exemplos lembrados pelo próprio
Martynov, relativos às "medidas" contra o desemprego e a fome. Enquanto o
Rabótcheie Dielo trabalhava, segundo fazia crer, para elaborar e desenvolver
"reivindicações concretas (sob a forma de projetos de lei?) referentes a medidas
legislativas e administrativas", "prometendo resultados tangíveis", o Iskra, que "prefere
invariavelmente revolucionar o dogma do que revolucionar a vida", dedicava-se a
explicar a ligação estreita entre o desemprego e o regime capitalista, advertindo que a
"fome se aproxima", denunciando a "luta contra as famintos" desencadeada pela polícia
e os escandalosos "regulamentos provisórios draconianos", e a Zaria lançava em tiragem
especial, como folheto de propaganda, uma parte da Revista da Situação Interior,
dedicada à fome. Mas, meu Deus, como foram "unilaterais", nesse caso, os ortodoxos
incorrigivelmente estreitos, os dogmáticos surdos às injunções da - "própria vida"!
Nenhum de seus artigos contém - que horror! - nem uma única, vejam bem,
"reivindicação concreta", "prometendo resultados tangíveis"! Os infelizes dogmáticos!
É preciso enviá-los à escola de Kritchévski e Martynov para convencê-los; de que a
tática é um processo de crescimento, do que cresce etc., e que é preciso conferir à
própria luta econômica um caráter político! "Além de sua importância revolucionária
direta, a luta econômica dos operários contra os patrões e o governo ("a luta econômica
contra o governo"!!) apresenta ainda a utilidade de incitar os operários a pensar
constantemente que estão frustrados em seus direitos políticos" (Martynov, p. 44).
Citamos essa frase não a fim de repetir pela centésima ou milésima vez o que dissemos
acima, mas a fim de agradecer muito particularmente a Martynov por essa nova e
excelente frase: "A luta econômica dos operários contra os patrões e o governo". Que
maravilha! Com que talento inimitável, com que magistral eliminação de todas as
diferenças parciais, de todas as variedades de matizes entre "economistas", encontra-se
expressa aqui, em uma proposição breve e límpida, toda a essência do "economismo",
desde o apelo instigando os operários à "luta política que conduzem no interesse geral, a
fim de melhorar a sorte de todos os operários"(8), passando pela teoria dos estádios,
para finalizar com a resolução do congresso sobre o "meio mais amplamente aplicável"
etc. "A luta econômica contra o governo" constitui exatamente a política sindical, que
ainda se encontra muito e muito longe da política social-democrata.
b) Como Martynov Aprofundou Plekhanov
Que quantidade de Lomonossovs sociais-democratas surgiram entre nós, nos últimos
tempos!" observou um dia um camarada, referindo-se à inclinação surpreendente de
muitos daqueles que se voltam para o "economismo", para chegar apenas "pela sua
própria inteligência" às grandes verdades (como, por exemplo, aquela de que a luta
econômica instiga os operários a pensar que estão frustrados em seus direitos),
desconhecendo, com soberano desprezo próprio ao talento nato, tudo o que já foi dado
pelo desenvolvimento anterior do pensamento e do movimento revolucionários. Esse
talento nato é justamente Lomonossov-Martynov. Olhem seu artigo, "As Questões
Imediatas", e verão como chega "pela sua própria inteligência" àquilo que há muito foi
dito por Axelrod (a propósito de quem nosso Lomonossov, bem entendido, guarda um
silêncio absoluto); como começa, por exemplo, a compreender que não podemos
desconhecer o espírito de oposição dessas ou daquelas camadas da burguesia (R. D.
nº.9, p. 61, 62, 71 - comparem à "Resposta" da redação do R D. a Axelrod, p. 22, 23-24)
etc. Mas, ai! só chega e só começa; pois, compreendeu tão pouco do pensamento de
Axelrod, que fala da "luta econômica contra os patrões e o governo". Durante três anos
(1898-1901) o Rabótcheie Dielo esforçou-se para compreender Axelrod, e ainda não o
compreendeu! Será que isto ocorre talvez porque para a social-democracia, da mesma
forma que para a humanidade", sempre são colocados tarefas realizáveis? Mas, os
Lomonossovs não somente ignoram de maneira particular as coisas (isto seria apenas
meio mal!), como também não se dão conta de sua ignorância. Isto constitui uma
verdadeira desgraça, que os leva a empreender repentinamente a tarefa de "aprofundar"
Plekhânov. "Depois que Plekhânov escreveu o opúsculo em questão (As Tarefas dos
Socialistas na Luta Contra a Fome na Rússia) muita água correu", diz Lomonossov-
Martynov. "Os sociais-democratas que dirigiram durante dez anos a luta econômica da
classe operária... ainda não tiveram tempo de dar amplo fundamento teórico à tática do
Partido. Agora essa questão chegou à maturidade, e se quisermos conferir tal
fundamento teórico, devemos aprofundar de forma segura os princípios táticos que, em
seu tempo, Plckhânov desenvolveu... Devemos agora diferenciar entre a propaganda e a
agitação, de maneira distinta do que o fez Plekhánov. (Martynov acaba de citar as
palavras de Plekhânov: 'O propagandista inculca muitas idéias em uma única pessoa, ou
em um pequeno número de pessoas: o agitador inculca apenas uma única idéia. ou um
pequeno número de idéias: em troca, inculca-as em toda uma massa de pessoas'). 'Por
propaganda entendemos a explicação revolucionária de todo o regime atual, ou de suas
manifestações parciais, quer feita de forma acessível a apenas algumas pessoas, ou às
grandes massas. pouco importa. Por agitação, no sentido estrito da palavra (sic),
entendemos o apelo dirigido às massas para certos atos concretos, a contribuição para a
intervenção revolucionária direta do proletariado na vida social'." Nossas felicitações à
social-democracia russa - e internacional - que recebe assim, graças a Martynov, uma
nova terminologia mais estrita e mais profunda. Até agora, pensávamos (com Pekhânov
e todos os dirigentes do movimento operário internacional) que um propagandista, ao
tratar por exemplo do problema do desemprego, deve explicar a natureza capitalista das
crises, mostrar o que as torna inevitáveis na sociedade moderna, mostrar a necessidade
da transformação dessa sociedade em sociedade socialista etc. Em uma palavra, deve
fornecer "muitas idéias", um número tão grande de idéias que, de momento, todas essas
idéias tomadas em conjunto apenas poderão ser assimiladas por um número
(relativamente) restrito de pessoas. Tratando da mesma questão, o agitador tomará o
fato mais conhecido de seus ouvintes, e o mais palpitante, por exemplo uma família de
desempregados morta de fome, a indigência crescente etc., e apoiando se sobre esse fato
conhecido de todos, fará todo o esforço para dar à "massa" uma única idéia": a da
contradição absurda entre o aumento da riqueza e o aumento da miséria; esforçar-se-á
para suscitar o descontentamento, a indignação da massa contra essa injustiça gritante,
deixando ao propagandista o cuidado de dar uma explicação completa dessa
contradição. Por isso, o propagandista age principalmente por escrito, e o, agitador de
viva voz. Não se exige de um propagandista as mesmas qualidades de um agitador.
Diremos que Kautsky e Lafargue, por exemplo, são propagandistas, enquanto Bebel e
Guesde são agitadores. Distinguir um terceiro domínio, ou uma terceira função da
atividade prática, função que consistiria em "atrair as massas para certos atos
concretos", é o maior dos absurdos, pois o "apelo" sob forma de ato isolado, ou é o
complemento natural e inevitável do tratado teórico, do folheto e propaganda,, do
discurso de agitação, ou é uma função pura e simples de execução. De fato, tomemos,
por exemplo, a luta atual dos sociais-democratas alemães contra os direitos
alfandegários sobre os cereais. Os teóricos redigem estudos especiais sobre a política
alfandegária, onde "apelam", digamos assim, para se lutar por tratados comerciais e pela
liberdade do comércio; o propagandista faz o mesmo em uma revista, e o agitador nos
discursos públicos. Os "atos concretos" da massa são, nesse caso, a assinatura de uma
petição endereçada ao "Reichstag" contra a majoração dos direitos alfandegários sobre
os cereais. O apelo a essa ação emana indiretamente dos teóricos, dos propagandistas e
dos agitadores, e diretamente dos operários que passam as listas de petição nas fábricas
e domicílios particulares. Segundo a "terminologia de Martynov", Kautsky e Bebel
seriam ambos propagandistas e portadores das listas dos agitadores. Não é isso? Esse
exemplo dos alemães me faz pensar na palavra alemão Verbalhornung, literalmente:
"balhornização". Jean Balhorn foi um editor, que viveu no século XVI, em Leipzig;
publicou um abecedário onde, segundo o hábito, figurava entre outros desenhos um
galo; mas, o galo era representado sem esporões e com dois ovos ao lado. No
frontispício fora acrescentado: "Edição corrigida de Jean Balhorn." Desde essa época,
os alemães qualificam de Verbalhornung uma "correção" que, na verdade, é o contrário
de uma melhoria. A história de Balhorn me vem à mente de maneira involuntária,
quando vejo como os Martynov "aprofundam" Plekhànov... Por que nosso Lomonossov
"imaginou" essa terminologia confusa? Para mostrar que o Iskra, "da mesma maneira
que Plekhânov há quinze anos, não considera senão um lado das coisas" (39). "No Iskra,
ao menos agora, as tarefas da propaganda relegam a segundo plano as da agitação" (52).
Se traduzirmos essa última tese da língua de Martynov para linguagem humana (pois a
humanidade ainda não teve tempo de adotar a terminologia que acaba de ser
descoberta), chegamos ao seguinte: no Iskra, as tarefas de propaganda e da agitação
política relegam para segundo plano a que consiste "em apresentar ao governo
reivindicações concretas de medidas legislativas e administrativas", "prometendo
resultados tangíveis" (dito de outra forma, reivindicações de reformas sociais, se nos é
permitido, ainda uma vez mais, empregar a antiga terminologia da antiga humanidade,
que ainda não chegou à altura de Matynov.) Que o leitor compare a essa tese a seguinte
passagem "0 que nos espanta nesses programas" (os programas dos sociais-democratas
revolucionários), "é que colocam constantemente em primeiro plano as vantagens da
ação dos operários para o Parlamento (inexistente entre nós) e desconhecem totalmente
(em decorrência de seu niilismo revolucionário) a importância que teria a participação
dos operários nas assembléias legislativas patronais - existentes entre nós - nos assuntos
da fábrica... ou mesmo simplesmente sua participação na administração municipal"... 0
autor dessa passagem exprime, de maneira um pouco mais aberta, um pouco mais clara
e franca, a mesma idéia a qual chegou Lomonossov-Martynov pela sua própria
inteligência. O autor é R. M. do "Suplemento especial da Rabótchaia Mysl" (p. 15).
C) As Revelações Políticas e "A Educação para a Actividade
Revolucionária"
Dirigindo contra o Iskra sua "teoria" da "elevação da atividade da massa operária",
Martynov revelou, na realidade, sua tendência de rebaixar essa atividade declarando que
o meio melhor, de especial importância, "o mais amplamente aplicável- para suscitá-la,
e o próprio campo dessa atividade era essa mesma luta econômica diante da qual
prostram-se todos os "economistas". Erro característico, pois está longe de ser
unicamente próprio à Martynov. Na realidade, a "elevação da atividade da massa
operária" será possível unicamente se não nos limitarmos à "agitação política no terreno
econômico". Ora, uma das condições essenciais para a extensão necessária da agitação
política é organizar as revelações políticas em todos os aspectos. Somente essas
revelações podem formar a consciência política e suscitar a atividade revolucionária das
massas. Por isso essa atividade é uma das funções mais importantes de toda a socialdemocracia
internacional, pois mesmo a liberdade política não elimina absolutamente as
revelações; apenas modifica um pouco sua direção. Assim, o partido alemão, graças à
constante energia com que prossegue sua campanha de revelações políticas, fortifica de
modo particular suas posições e estende sua influência. A consciência da classe operária
não pode ser uma consciência política verdadeira, se os operários não estiverem
habituados a reagir contra todo abuso, toda manifestação de arbitrariedade, de opressão
e de violência, quaisquer que sejam as classes atingidas; a reagir justamente do ponto de
vista social-democrata, e não de qualquer outro ponto de vista. A consciência das
massas operárias não pode ser uma consciência de classe verdadeira, se os operários não
aprenderem a aproveitar os fatos e os acontecimentos políticos concretos e de grande
atualidade, para observar cada uma das outras classes sociais em todas as manifestações
de sua vida intelectual, moral e política; se não aprenderem a aplicar praticamente a
análise e o critério materialista a todas as formas da atividade e da vida de todas as
classes, categorias e grupos de população. Todo aquele que orienta a atenção, o espírito
de observação e a consciência da classe operária exclusiva ou preponderantemente para
ela própria, não é um social-democrata; pois para conhecer a si própria, de fato, a classe
operária deve ter um conhecimento preciso das relações recíprocas de todas as classes
da sociedade contemporânea, conhecimento não apenas teórico... ou melhor: não só
teórico, como fundamentado na experiência da vida política. Eis porque nossos
"economistas", que pregam a luta econômica como o meio mais amplamente aplicável
para integrar as massas no movimento político, realizam um trabalho profundamente
prejudicial e reacionário em seus resultados práticos. Para tornar-se um socialdemocrata,
o operário deve ter uma idéia clara da natureza econômica, da fisionomia
política e social do grande proprietário de terras e do pope, do dignatário, e do
camponês, do estudante e do vagabundo, conhecer seus pontos fortes e seus pontos
fracos, saber enxergar nas fórmulas correntes e sofismas de toda espécie com que cada
classe e cada camada social encobre seus apetites egoístas e sua "natureza" verdadeira;
saber distinguir esses ou aqueles interesses que refletem as instituições e as leis, e como
as refletem. Ora, não é nos livros que o operário poderá obter essa "idéia clara": ele a
encontrará apenas nas amostras vivas, nas revelações ainda recentes do que se passa em
um determinado momento à nossa volta, do que todos ou cada um falam ou cochicham
entre si, do que se manifesta nesses ou naqueles fatos, números, vereditos, e assim até o
infinito. Essas revelações políticas abrangendo todos os aspectos são a condição
necessária e fundamental para educar as massas em função de sua atividade
revolucionária. Por que o operário russo ainda manifesta tão pouco sua atividade
revolucionária face às violências selvagens exercidas pela polícia contra o povo, face à
perseguição das seitas, às "vias de fato- quanto aos camponeses, aos abusos
escandalosos da censura, às torturas infligidas aos soldados, à guerra feita às iniciativas
mais inofensivas em matéria de cultura, e assim por diante? Será porque a "luta
econômica" não o "incita" a isso, porque lhe "promete" poucos "resultados tangíveis",
oferece-lhe poucos resultados "positivos"? Não, repetimos, pretender isso é querer
atribuir a outrem suas próprias faltas, é atribuir à massa operária o seu próprio
filistinismo (ou bernisteinismo). Até agora, não soubemos organizar campanhas de
denúncias suficientemente amplas, ruidosas e rápidas contra todas essas infâmias; a
culpa é nossa, de nosso atraso em relação ao movimento de massas. E se o fizermos
(devemos e podemos faze-lo), o operário mais atrasado compreenderá ou sentirá que o
estudante e o membro de uma seita, o mujique e o escritor estão expostos às injúrias e à
arbitrariedade da mesma força tenebrosa que o oprime e pesa sobre ele a cada passo,
durante toda sua vida; e, tendo sentido isso, desejará, desejará irresistivelmente e saberá
ele próprio reagir; hoje, ele fará "arruaças" contra os censores, amanhã fará
manifestações diante da casa do governador, que terá reprimido uma revolta camponesa,
depois de amanhã castigará os policiais de sotaina que fazem o trabalho da santa
inquisição etc. Até agora fizemos muito pouco, quase nada, para lançar entre as massas
operárias revelações sobre todos os aspectos da atualidade. Muitos dentre, nós não têm
nem mesmo consciência dessa obrigação que lhes cumpre, e arrastam se cegamente em
conseqüência da "obscura luta cotidiana" no estreito quadro da vida da fábrica. Daí
dizer - "o Iskra tem tendência a subestimar a importância da marcha progressiva da
obscura luta cotidiana, comparada à propaganda das brilhantes idéias acabadas
(Martynov, p. 61)" - é arrastar o Partido para trás, é defender e glorificar nossa falta de
preparo, nosso atraso. Quanto ao apelo às massas para a ação, isto será feito por si,
desde que haja uma agitação política enérgica, revelações vivas e precisas. Apanhar
alguém em flagrante delito e acusá-lo perante todos e em toda parte é mais eficaz do que
qualquer apelo, e constitui uma forma de agitação, onde muitas vezes, e impossível
estabelecer quem precisamente "atraiu" a multidão e colocou em andamento esse ou
aquele plano de manifestação etc. Fazer o apelo, não de forma geral, mas no sentido
próprio da palavra, não é possível senão em lugar da ação: não se pode impelir os outros
a agir, se não se dá imediatamente o próprio exemplo. Para nós, publicistas (escritores
políticos) sociais-democratas, cabe aprofundar, ampliar e intensificar as revelações
políticas e a agitação política. A propósito dos "apelos". O único órgão que, antes dos
acontecimentos da primavera, chamou os operários a intervir ativamente em urna
questão que não lhes prometia de modo algum qualquer resultado tangível, como o
recrutamento forçado dos estudantes no exército, foi o "Iskra " Imediatamente após a
publicação da ordem de 11 de janeiro sobre "o recrutamento forçado de 183 estudantes
ao exército", o Iskra, antes de toda manifestação, publicou um artigo a esse respeito (n.º
2, fevereiro) e apelou abertamente "para operário para vir em auxílio do estudante",
apelou ao "povo" para contestar o insolente desafio do governo. Perguntamos a todos:
como e através do que explicar o fato marcante de Martynov, que fala tanto dos
"apelos" como uma forma especial de atividade, nada ter dito sobre esse apelo? Depois
disso, não será filistinismo da parte de Martynov, declarar que o Iskra é unilateral pela
razão exclusiva de não "apelar" suficientemente à luta pelas reivindicações "que
prometem resultados tangíveis?" Nossos "economistas", aí incluído o Rabótcheie Dielo,
tiveram êxito porque dobraram-se à mentalidade dos operários atrasados. Mas o
operário social-democrata, o operário revolucionário (o número desses operários
aumenta dia a dia) repudiará com indignação todos esses raciocínios sobre a luta pelas
reivindicações "que prometem resultados tangíveis" etc., pois compreenderá que não
são mais do que variações sobre o velho tema do aumento de um copeque por rublo.
Este operário dirá a seus conselheiros da Rabótchaia Mysl e do Rabótcheie Dielo: "Não
é justo que os senhores se dêem a tanto ,trabalho e intervenham com tanto zelo em
assuntos dos quais nós mesmo nos ocupamos, e deixem de cumprir seus próprios
deveres. Não é muito inteligente dizer, como os senhores fazem, que a tarefa dos
sociais-democratas é conferir um caráter político à própria luta econômica; isso é apenas
o princípio, e não constitui a tarefa essencial dos sociais-democratas, pois no mundo
inteiro, e aí também está incluída a Rússia, é a própria polícia que começa a conferir à
luta econômica um caráter político; os próprios operários aprendem a compreender para
quem é o governo(9). De fato,"a luta econômica dos operários contra os patrões e o
governo", que os senhores louvam como se tivessem descoberto uma nova América, é
conduzida em todos os recantos da Rússia pelos próprios operários, que ouviram falar
de greves, mas, provavelmente, ignoram tudo sobre o socialismo. Nossa "atividade" de
operários, atividade que os senhores obstinam-se a querer apoiar lançando
reivindicações concretas, que prometem resultados tangíveis, já existe entre nós; e em
nossa ação profissional ordinária, de todos os dias, apresentamos nós próprios essas
reivindicações concretas, a maior parte das vezes sem qualquer ajuda dos intelectuais.
Mas essa atividade não nos satisfaz; não somos crianças que podem ser alimentadas
apenas com a "sopinha" da política "econômica"; queremos saber tudo o que os outros
sabem, queremos conhecer em detalhe todos os aspectos da vida política e participar
ativamente de cada acontecimento político. Para isso, é necessário que os intelectuais
nos repitam um pouco menos do que já sabemos(10), e que nos dêem um pouco mais do
que ainda ignoramos, daquilo que nossa experiência "econômica", na fábrica, jamais
nos ensinará: os conhecimentos políticos. Esses conhecimentos apenas os senhores,
intelectuais, podem adquirir, é seu dever fornecer-nos tais conhecimentos em
quantidades cem, mil vezes maior do que o fizeram até agora, e não apenas sob a forma
de raciocínios, folhetos e artigos (os quais freqüentemente costumam ser - perdoem a
franqueza! - maçantes), mas - e isto é imperioso - sob a forma de revelações vivas sobre
o que fazem nosso governo e nossas classes dominantes exatamente no momento atual,
em todos os aspectos da vida. Portanto, ocupem-se um pouco mais ciosamente da tarefa
que lhes; pertence, e fazem menos "de elevar a atividade da massa operária". Da
atividade, sabemos muito mais do que os senhores pensam, e sabemos mantê-la através
de uma luta aberta, dos combates de rua, e até através das reivindicações que não
deixam entrever nenhum "resultado tangível"! E não lhes compete "elevar- nossa
atividade, pois, é exatamente atividade que lhes falta. Não se inclinem tanto diante da
espontaneidade, e pensem um pouco mais em elevar sua própria atividade, Senhores!"
d) 0 Que Há de Comum Entre o Economismo e o Terrorismo
Confrontamos anteriormente, em uma nota, um "economista" e um não socialdemocrata
terrorista que, por acaso, fossem solidários. Mas, de forma geral, existe entre
eles uma ligação interna, não acidental, mas necessária, a respeito da qual voltaremos
exatamente a propósito da educação da atividade revolucionária. Os "economistas" e
terroristas de hoje possuem uma raiz comum, a saber, esse culto da espontaneidade de
que falamos no capítulo anterior, como de um fenômeno geral, e que iremos agora
examinar em relação à sua influência sobre a ação e a luta políticas. À primeira vista,
nossa afirmação pode parecer paradoxal, tão grande parece a diferença entre os que
colocam em primeiro plano "a obscura luta cotidiana", e os que induzem o indivíduo
isolado a lutar com a maior abnegação. Mas tal ponto não constitui um paradoxo.
"Economistas" e terroristas inclinam-se perante os dois pólos opostos e da tendência
espontânea: os "economistas", diante da espontaneidade do "movimento operário puro";
os terroristas, diante da espontaneidade da mais ardente indignação dos intelectuais que
não sabem ou não podem conjugar o trabalho revolucionário e o movimento operário.
De fato, é difícil para os que perderam a fé nessa possibilidade, ou que nela jamais
acreditaram, encontrar outra saída para sua indignação e energia revolucionária, que não
o terrorismo. Assim, pois, nessas duas tendências o culto da espontaneidade é apenas o
começo da realização do famoso programa do Credo: os operários conduzem sua "luta
econômica contra os patrões e o governo" (que o autor do Credo nos, perdoe exprimir
seu pensamento na língua de Martynov! Julgamo-nos no direito de fazê-lo, uma vez que
no Credo também se fala que na luta econômica os operários "entram em choque com o
regime político"), e os intelectuais conduzem a luta política através de suas próprias
forças, naturalmente por intermédio do terror! Dedução absolutamente lógica e
inevitável sobre a qual não será demais insistir, mesmo quando aqueles que começam a
realizar esse programa não compreendem o caráter inevitável dessa conclusão. A
atividade política tem sua lógica, independente da consciência daqueles que, com as
melhores intenções do mundo, ou apelam ao terror, ou pedem que se confira à própria
luta econômica um caráter político. O inferno está cheio de gente de boas intenções e,
nesse caso, as boas intenções não impedem que as pessoas se deixem seduzir pela linha
do mínimo esforço", pela linha do programa puramente burguês do Credo. De fato, não
é por acaso que muitos liberais russos - liberais declarados, ou liberais que trazem a
máscara do marxismo - simpatizam de todo o coração com o terrorismo e esforçam-se,
no momento atual, para apoiar o crescimento da mentalidade terrorista. O aparecimento
do "Grupo Revolucionário-Socialista Svoboda", que se atribui a tarefa de ajudar, através
de todos os meios, o movimento operário, mas que inscreveu em seu programa o
terrorismo e, por assim dizer, emancipou-se da social-democracia, confirmou uma vez
mais a notável clarividência de P. Axelro que, já no final de 1897, previra com toda a
exatidão esse resultado das flutuações da social-democracia ("A propósito dos objetivos
atuais e da tática"), e esboçou suas célebres "Duas Perspectivas". Todas as discussões e
divergências ulteriores entre os sociais-democratas russos estão contidas, como a planta
na semente, nessas duas perspectivas(11). A partir daí concebe-se que o Rabótcheie
Dielo não tenha resistido à espontaneidade do "economismo", nem tenha podido resistir
à espontaneidade do terrorismo. É interessante notar a argumentação original com que a
Svoboda apóia o terrorismo. Nega completamente o papel de intimidação do terror
(Renascimento do Revolucionismo, p. 64); mas por outro lado valoriza seu "caráter
excitativo". Isto é característico, em primeiro lugar, como uma das fases da
desagregação e da decadência desse círculo tradicional de idéias (pré-social-democrata)
que fazia com que se mantivesse a ligação com o terrorismo. Admitir que agora é
impossível "intimidar" e, por conseguinte, desorganizar o governo através do
terrorismo, significa, no fundo, condenar completamente o terrorismo como método de
luta, como esfera de atividade consagrada por um programa. Em segundo lugar, o que
ainda é mais característico, como exemplo de incompreensão de nossas tarefas
prementes no que diz respeito a "educação da atividade revolucionária das massas". A
Svoboda prega o terrorismo como meio de "excitar" o movimento operário, de
imprimir-lhe impulso vigoroso. Seria difícil imaginar uma argumentação que se
refutasse a si própria com mais evidência! Pergunta-se: haveria, portanto, tão poucos
fatos escandalosos na vida russa para ser preciso inventar meios especiais de
"excitação"? Por outro lado, é evidente que aqueles que não se excitam, nem são
excitáveis mesmo pela arbitrariedade russa, observarão da mesma forma, "cruzando os
braços", o duelo do governo com um punhado de terroristas. Ora, exatamente as massas
operárias estão bastante excitadas pelas infâmias da vida russa, mas não sabemos
recolher, se é possível falar assim, e concentrar todas as gotas e os pequenos córregos da
efervescência popular, que a vida russa verte em quantidade infinitamente maior do que
imaginamos ou acreditamos, e que é preciso reunir em uma única torrente gigantesca.
Que isso é realizável, prova-o incontestavelmente o impulso prodigioso do movimento
operário e a sede, já assinalada anteriormente, que os operários manifestam pela
literatura política. Por isso, os apelos ao terrorismo, bem corno., os apelos para conferir
à própria luta econômica um caráter político, são apenas pretextos diferentes para se
fugir ao dever mais imperioso dos revolucionários russos: organizar a agitação política
sob todas as suas formas. A Svoboda quer substituir a agitação pelo terrorismo,
reconhecendo abertamente que "desde que uma agitação enérgica e intensa atraia as
massas, o papel excitativo do terror terá fim" (p. 68 do Renascimento do
Revolucionismo). Isto mostra precisamente que terroristas e "economistas" subestimam
a atividade revolucionária das massas, a despeito do testemunho evidente dos
acontecimentos da primavera(12). Uns lançam-se à procura de "excitantes" artificiais,
outros falam de "reivindicações concretas". Tanto uns como outros não prestam atenção
suficiente ao desenvolvimento de sua própria atividade em matéria de agitação política e
de organização de revelações políticas. E não há nada que possa substituir isso, nem
agora, nem em qualquer outro momento.
e) A Classe Operária como Combatente de Vanguarda pela Democracia
Vimos que a agitação política mais ampla e, por conseguinte, a organização de grandes
campanhas de denúncias políticas constituem uma tarefa absolutamente necessária, a
tarefa mais imperiosamente necessária à atividade, se esta atividade for verdadeiramente
social-democrata. Mas, chegamos a . essa conclusão partindo unicamente da
necessidade mais premente da classe operária, necessidade de conhecimentos políticos e
de educação política. Ora, essa forma de colocar a questão, em si mesma, seria
demasiado restrita, pois desconheceria as tarefas democráticas de toda a socialdemocracia
em geral, e da social-democracia russa atual, em particular. Para esclarecer
essa tese, da maneira mais concreta possível, tentaremos abordar a questão do ponto de
vista mais "familiar" aos "economistas", do ponto de vista prático. "Todo o mundo está
de acordo" que é preciso desenvolver a consciência política da classe operária. A
questão é saber como faze-lo e o que é preciso para isso. A luta econômica "incita" os
operários "a pensar" unicamente na atitude do governo em relação à classe operária, por
isso, quaisquer que sejam os esforços que façamos para "conferir à própria luta
econômica um caráter político", jamais poderemos, dentro desse objetivo, desenvolver a
consciência política dos operários (até o nível da consciência política social-democrata),
pois, os próprios limites desse objetivo são demasiado estreitos. A fórmula de Martynov
nos é preciosa, não como ilustração do talento confuso de seu autor, mas porque traduz
de forma relevante o erro capital de todos os "economistas", a saber a convicção de que
se pode desenvolver a consciência política de classe dos operários, por assim dizer, a
partir do interior de sua luta econômica, isto é, partindo unicamente (ou, ao menos,
principalmente) dessa luta, baseando-se unicamente (ou, ao menos, principalmente)
nessa luta. Essa perspectiva é radicalmente falsa, justamente porque os "economistas",
extenuados por nossa polêmica contra eles, não querem refletir seriamente sobre a
origem de nossas divergências, e sobre o que resultou disso: literalmente não nos
compreendemos, e falamos línguas diferentes. A consciência política de classe não pode
ser levada ao operário senão do exterior, isto é, do exterior da luta econômica, do
exterior da esfera das relações entre operários e patrões. 0 único domínio onde se poderá
extrair esses conhecimentos é o das relações de todas as classes e categorias da
população com o Estado e o governo, o domínio das relações de todas as classes entre
si. Por isso, à questão: que fazer para levar aos operários os conhecimentos políticos? -
não se poderia simplesmente dar a resposta com a qual se contentam, na maioria dos
casos, os práticos, sem falar daqueles dentre eles que se inclinam para o "economismo",
a saber: "ir até os operários". Para levar aos operários os conhecimentos políticos, os
sociais-democratas devem ir a todas as classes da população, devem enviar em todas as
direções os destacamentos de seu exército. Se escolhemos essa fórmula rude, se nossa
linguagem é cortante, deliberadamente simplificada, não é absolutamente pelo prazer de
enunciar paradoxos, mas para "incitar" os "economistas" a pensar nas tarefas que
desdenham de maneira tão imperdoável, na diferença existente na política sindical e na
política social-democrata, que não querem compreender. Por isso, pedimos ao leitor não
se impacientar e seguir-nos atentamente até o fim. Consideremos o tipo de círculo
social-democrata mais difundido nesses últimos anos e vejamos sua atividade. Tem
"contatos com os operários" e se atém a isso, editando "folhas volantes" onde condena
os abusos nas fábricas, o partido que o governo toma em favor dos capitalistas e
violências da polícia. Nas reuniões com, os operários, é sobre tais assuntos que se
desenrola ordinariamente a conversa, sem quase sair disso; as conferências e debates
sobre a história do movimento revolucionário, sobre a política interna e externa de
nosso governo, sobre a evolução econômica da Rússia e da Europa, sobre a situação
dessas ou daquelas classes na sociedade contemporânea etc., constituem exceções
extremas, e ninguém pensa em estabelecer e desenvolver sistematicamente relações no
seio das outras classes da sociedade. Para dizer a verdade, o ideal do militante, para os
membros de tal círculo, aproxima-se na maioria dos casos muito mais ao do secretário
de sindicato do que do dirigente político socialista. De fato, o secretário de um sindicato
inglês, por exemplo, ajuda constantemente os operários a conduzir a luta econômica,
organiza revelações sobre a vida de fábrica, explica a injustiça das leis e disposições que
entravam a liberdade de greve, a liberdade dos piquetes (para prevenir a todos que há
greve em uma determinada fábrica); mostra o partido tomado pelos árbitros que
pertencem às classes burguesas etc. etc. Em uma palavra, todo secretário de sindicato
conduz e ajuda a conduzir a "luta econômica contra os patrões e o governo". E não seria
demais insistir que isto ainda não é "social-democratismo"; que o social-democrata não
deve ter por ideal o secretário do sindicato, mas o tribuno popular, que sabe reagir
contra toda manifestação de arbitrariedade e de opressão, onde quer que se produza,
qualquer que seja a classe ou camada social atingida, que sabe generalizar todos os fatos
para compor um quadro completo da violência policial e da exploração capitalista, que
sabe aproveitar a menor ocasião para expor diante de todos suas convicções socialistas e
suas reivindicações democratas, para explicar a todos e a cada um o alcance histórico da
luta emancipadora do proletariado. Comparemos, por exemplo, os militantes como
Robert Knight (o secretário e líder bem conhecido da "União dos Caldereiros", um dos
sindicatos mais poderosos da Inglaterra) e Wilhelm Liebknecht, e tentemos aplicar-lhes
as teses opostas às quais Martynov reduz suas divergências com o Iskra. Veremos -
começo a folhear o artigo de Martynov - que R. Knight "conclamou" muito mais "as
massas a determinadas ações concretas, e que W. Liebknecht ocupou-se
principalmente" em apresentar como revolucionário todo regime atual ou suas
manifestações parciais" (38-39); que R. Knight "formulou as reivindicações imediatas
do proletariado e indicou os meios de atingi-las" (41), e que W. Liebknecht, ocupandose
igualmente dessa tarefa, não se recusou a "dirigir ao mesmo tempo a ação das
diferentes camadas e a oposição", a "ditar-lhes um programa de ação positiva(13)" (41),
que R. Knight dedicou-se precisamente a "conferir, tanto quanto possível, à própria luta
econômica um caráter político", (42) e soube perfeitamente "colocar ao governo
reivindicações concretas fazendo entrever resultados tangíveis" (43), enquanto W.
Liebknecht se ocupou muito mais de revelações" "em um sentido único- (40); que R.
Knight deu muito mais importância "à marcha progressiva da obscura luta cotidiana"
(61), e W. Liebknecht à "propaganda de idéias brilhantes e acabadas" (61); que W.
Liebknecht fez do jornal que dirigia exatamente "o órgão da oposição revolucionária
que denuncia nosso regime, e principalmente o regime político. aquele que vai de
encontro aos interesses das diversas camadas da população" (63), enquanto R. Knight
"trabalhou pela causa operária em estreita ligação orgânica com a luta proletária" (63) -
se entendermos a "estreita ligação orgânica" no sentido do culto da espontaneidade que
estudamos anteriormente a propósito de Kritchévski e de Martynov, - e "restringiu a
esfera de sua influência" naturalmente persuadido, como Martynov, que "acentuava essa
influência através disso mesmo(63). Em uma palavra, veremos que, de fato, Martynov
rebaixa a social-democracia ao nível do sindicalismo. certamente não por deixar de
querer o bem da social-democracia. mas, simplesmente, porque se apressou um pouco
demais em aprofundar Plekhânov. em lugar de se dar ao trabalho de compreendê-lo.
Mas voltemos a nossa exposição. Como dissemos, se o social-democrata é adepto do
desenvolvimento integral da consciência política do proletário, não só em palavras, deve
"ir a todas as classes da população". A questão que se coloca é: como fazer? temos
forças suficientes para isso? existe um campo para tal trabalho em todas as outras
classes? isto não será ou não levará a um retrocesso do ponto de vista de classe? Vamos
nos deter nessas questões. Devemos "ir a todas as classes da população" como teóricos,
como propagandistas, como agitadores e como organizadores. Ninguém duvida que o
trabalho teórico dos sociais-democratas deva orientar-se para o estudo de todas as
particularidades da situação social e política das diferentes classes. Mas, a esse respeito
muito pouco fazemos, muito pouco em comparação ao estudo das particularidades da
vida na fábrica. Nos comitês e nos círculos, encontramos pessoas que se especializam
até no estudo de um ramo da produção siderúrgica, mas não encontramos quase
exemplos de membros de organizações que (obrigados, como ocorre freqüentemente, a
deixara ação prática por alguma razão) se ocuparam especialmente em coletar
documentos sobre uma questão de atualidade em nossa vida social e política, podendo
fornecer à social-democracia a ocasião de trabalhar nas outras categorias da população.
Quando se fala da precária preparação da maioria dos dirigentes atuais do movimento
operário, não é possível deixar de lembrar, igualmente, a preparação nesse sentido, pois
também ela é devida à compreensão "economista" da "estreita ligação orgânica com a
luta proletária". Mas o principal, evidentemente, é a propaganda e a agitação em todas
as camadas do povo. Para o social-democrata do Ocidente, essa tarefa é facilitada pelas
reuniões e assembléias populares assistidas por todos aqueles que o desejam, pela
existência do Parlamento, onde fala diante dos deputados de todas as classes. Não temos
Parlamento, nem liberdade de reunião, mas, contudo, sabemos organizar reuniões com
os operários que desejam ouvir um social-democrata. Pois não é social-democrata
aquele que, na prática, esquece que os "comunistas apoiam todo movimento
revolucionário", que, por conseguinte, temos o dever de expor e de assinalar as tarefas
democráticas gerais diante de todo o povo, sem dissimular um instante sequer nossas
convicções socialistas. Não é social-democrata aquele que, na prática, esquece que seu
dever é ser o primeiro a colocar, despertar e resolver toda questão democrática de ordem
geral. "Mas todos, sem exceção, estão de acordo com isso!", interromperá o leitor
impaciente - e a nova instrução à redação do Rabótcheie Dielo, adotada no último
congresso da União, declara claramente: "Devem ser utilizados para a propaganda e a
agitação política todos os fenômenos e acontecimentos da vida social e política que
afetam o proletariado, seja diretamente como classe à parte, seja como vanguarda de
todas as forças revolucionárias em luta pela liberdade " (Dois Congressos, p. 17, grifado
por nós). De fato, estas são palavras notáveis e precisas, e dar-nos-íamos por
inteiramente satisfeitos se o "Rabótcheie Dielo" as compreendesse, e não colocasse, ao
mesmo tempo, outras que as contradizem. Pois, não basta dizer-se "vanguarda",
destacamento avançado, - é preciso proceder de forma que todos os outros
destacamentos se dêem conta e sejam obrigados a reconhecer que marchamos à frente.
Portanto, perguntamos ao leitor: os representantes dos outros "destacamentos- seriam,
pois, imbecis a ponto de acreditar que somos "vanguarda- só porque o dizemos?
Imaginem apenas este quadro concreto: um social-democrata apresenta-se no
"destacamento" dos radicais russos ou dos constitucionalistas liberais, e diz: Somos a
vanguarda; "agora uma tarefa nos é colocada: como conferir, tanto quanto possível, à
própria luta econômica um caráter político". Um radical ou um constitucionalista, por
pouco inteligente que seja (e há muitos homens inteligentes entre os radicais e os
constitucionalistas russos), apenas sorrirá ao ouvir isso, e dirá (para si, bem entendido,
pois na maioria dos casos é um diplomata experimentado): "essa vanguarda é muito
ingênua"! Não compreende sequer que isso é tarefa nossa - a tarefa dos representantes
avançados da democracia burguesa - conferir à própria luta econômica um caráter
político. Porque também nós, como todos os burgueses do Ocidente, desejamos integrar
os operários à política, mas apenas à política sindical, e não social-democrata. A política
sindical da classe operária é precisamente a política burguesa da classe operária. E essa
"vanguarda", formulando sua tarefa, formula precisamente uma política sindical!
Também, que se digam sociais-democratas tantas vezes quantas quiserem. Não sou uma
criança para me importar com rótulos! Mas, que não se deixem levar por esse
dogmáticos ortodoxos nocivos; que deixem "a liberdade de crítica- para aqueles que
arrastam inconscientemente a social-democracia na esteira do sindicalismo! O ligeiro
sorriso de ironia de nosso constitucionalista muda-se em gargalhada homérica, quando
percebe que os sociais-dernocratas que falam de vanguarda da social-democracia, nesse
período de dominação quase completa da espontaneidade em nosso movimento, temem
acima de tudo ver "minimizar o elemento espontâneo", ver "diminuir o papel da marcha
progressiva dessa obscura luta cotidiana em relação à propaganda das brilhantes idéias
acabadas" etc. etc.! O destacamento "avançado": que teme ver a consciência ganhar da
espontaneidade, que teme formular um "plano" ousado que force o reconhecimento
geral, mesmo entre os que pensam diferentemente! Será que confundem, por acaso, a
palavra vanguarda com a palavra retaguarda? Examinem com atenção o seguinte
raciocínio de Martynov. Declara ele (40) que a tática acusadora do Iskra é unilateral;
que "qualquer que seja a espécie de desconfiança e de ódio que semearmos contra o
governo, não alcançaremos nosso objetivo enquanto não desenvolvermos uma energia
social, suficientemente ativa para sua derrubada". Eis, diga-se entre parênteses, a
preocupação - que já conhecemos - de intensificar a atividade das massas e de querer
restringir a sua própria. Mas, agora não é esta a questão. Martynov fala aqui de energia
revolucionária ("para a derrubada"). Porém, a que conclusão chega? Como em tempos
normais, as diferentes camadas sociais atuam inevitavelmente cada uma em seu lado, "é
claro, por conseguinte, que nós, sociais-democratas, não podemos simultaneamente
dirigir a atividade intensa das diversas camadas da oposição, não podemos ditar-lhes um
programa de ação positiva, não podemos indicar-lhes os meios de lutar, dia após dia,
por seus interesses... As camadas liberais ocupar-se-ão, elas próprias, dessa luta ativa
por seus interesses imediatos, o que as colocará face a face com nosso regime político"
(41). Assim, portanto, após ter falado de energia revolucionária, de luta ativa para a
derrubada da autocracia, Martynov desvia-se logo para a energia profissional, para a
luta ativa pelos interesses imediatos! Disso se conclui que não podemos dirigir a luta
dos estudantes, dos liberais etc., pelos seus "interesses imediatos"; mas não era disso
que se tratava, respeitável "economista"! Tratava-se da participação possível e
necessária das diferentes camadas sociais na derrubada da autocracia; ora, não apenas
podemos, mas devemos dirigir, de qualquer forma, essa "atividade intensa das
diferentes camadas da oposição" se quisermos ser a "vanguarda". Quanto a colocar
nossos estudantes, nossos liberais etc., "face a face com nosso regime político", não
serão os únicos a se preocuparem com isso, pois disso encarregar-se-ão sobretudo a
polícia e os funcionários da autocracia. Mas, "nós", se quisermos ser democratas
avançados, devemos ter a preocupação de incitar a pensar exatamente aqueles que só
estão descontentes com o regime universitário, ou apenas com o regime dos zemstvos
etc., a pensar que todo o regime político nada vale. Nós devemos assumir a organização
de uma ampla luta política sob a direção de nosso partido, a fim de que todas as
camadas da oposição, quaisquer que sejam, possam prestar e prestem efetivamente a
essa luta, assim como a nosso partido, a ajuda de que são capazes. Dos práticos sociaisdemocratas,
nós devemos formar os dirigentes políticos que saibam dirigir todas as
manifestações dessa luta nos mais variados aspectos, que saibam no momento
necessário "ditar um programa de ação positiva- aos estudantes em agitação, aos
zemstvos descontentes, aos membros de seitas indignados, aos professores lesados etc.
etc. Por isso, Martynov está completamente errado quando afirma que "em relação a
eles, não podemos desempenhar senão um papel negativo de denunciadores do regime...
Não podemos senão dissipar suas esperanças nas diferentes comissões governamentais".
(o grifo é nosso). Dizendo isso, Martynov mostra que não compreende nada sobre o
verdadeiro papel da "vanguarda" revolucionária. E se o leitor tornar isso em
consideração, compreenderá o verdadeiro sentido da seguinte conclusão de Martynov:
"O Iskra é o órgão da oposição revolucionária, que denuncia nosso regime, e
principalmente nosso regime político, quando vai de encontro aos interesses das
diferentes camadas da população. Quanto a nós, trabalhamos e trabalharemos pela causa
operária em estreita ligação orgânica corri a luta , proletária. Restringindo a esfera de
nossa influência, acentuamos esta influência em si mesma" (63). 0 verdadeiro sentido
dessa conclusão é: o Iskra deseja elevar a política sindical da classe operária (política à
qual, entre nós, por mal-entendido, despreparo ou convicção, freqüentemente se limitam
nossos práticos) ao nível da política social-democrata. Ora, o Rabótcheie Dielo deseja
abaixar a política social-democrata ao nível da política sindical. E ainda garante que são
"posições perfeitamente compatíveis com a obra comum" (63), O sancta símplicitas!
Prossigamos. Ternos forças suficientes para levar nossa propaganda e nossa agitação a
todas as classes da população? Certamente que sim. Nossos "economistas", que
freqüentemente se inclinam a negá-lo, esquecem-se do gigantesco progresso realizado
pelo nosso movimento de 1804 (mais ou menos) a 1901. Verdadeiros "seguidistas",
vivem freqüentemente com idéias do período do começo de nosso movimento, há muito
já terminado. De fato, éramos espantosamente fracos, nossa resolução de nos
dedicarmos inteiramente ao trabalho entre os operários e de condenar severamente todo
o desvio dessa linha era natural e legítima, pois tratava-se então unicamente de nos
consolidarmos na classe operária. Agora, urna prodigiosa massa de forças está
incorporada ao movimento; vemos chegar até nós os melhores representantes da jovem
geração das classes instruídas; por toda a parte, são obrigadas a residir nas províncias
pessoas que já participam ou querem participar do movimento, e que tendem para a
social-democracia (enquanto que, em 1894, podia-se contar nos dedos os sociaisdemocratas
russos). Um dos mais graves defeitos de nosso movimento - em política e
em matéria de organização - é que não sabemos empregar todas essas forças, atribuirlhes
o trabalho que lhes convém (voltaremos a isto no capítulo seguinte). A imensa
maioria dessas forças encontra-se na impossibilidade absoluta "de ir até os operários",
por isso não se coloca a questão do perigo de desviar as forças de nosso movimento
essencial. E para fornecer aos operários uma verdadeira iniciação política, múltipla e
prática, é preciso que tenhamos "nossos homens de nosso lado", sociais-democratas,
sempre e em toda a parte, em todas as camadas sociais. em todas as posições que
permitam conhecer as forças internas do mecanismo de nosso Estado. E precisamos
desses homens, não apenas para a propaganda e a agitação. mas, ainda e sobretudo, para
a organização. Existe um campo para a ação em todas as classes da população? Os que
não vêem isso, mostram que sua consciência está em atraso quanto ao impulso
espontâneo das massas. Entre uns, o movimento operário suscitou e continua a suscitar
o descontentamento; entre outros, desperta a esperança quanto ao apoio da oposição;
para outros, enfim, dá a consciência da impossibilidade do regime autocrático, de sua
falência evidente. Não seríamos "políticos" e sociais-democratas senão em palavras
(como, na realidade, acontece freqüentemente), se não compreendêssemos que nossa
tarefa é utilizar todas as manifestações de descontentamento, quaisquer que sejam, de
reunir e elaborar até os menores elementos de um protesto, por embrionários que seja.
Sem contar que milhões e milhões de camponeses, trabalhadores, pequenos artesãos
etc., escutaram sempre avidamente a propaganda de um social-democrata, ainda que
pouco hábil. Mas, existirá uma só classe da população onde não haja homens, círculos e
grupos descontentes com o jugo e a arbitrariedade, e portanto acessíveis à propaganda
do social-democrata, intérprete das mais prementes aspirações democráticas? Para quem
quiser ter uma idéia concreta dessa agitação política do social-democrata em todas as
classes e categorias da população, indicaremos as revelações políticas, no sentido amplo
da palavra, como principal meio dessa agitação (porém não o único, bem entendido).
"Devemos" - escrevia em meu artigo 'Por Onde Começar?' (Iskra, nº4, maio de 1901) de
que falaremos mais adiante em detalhe - "despertar em todos os elementos um pouco
conscientes da população, a paixão pelas revelações políticas. Não nos inquietemos se,
na política, as vozes acusadoras são ainda tão débeis. tão raras, tão tímidas. A causa não
consiste, de modo algum, em uma resignação geral à arbitrariedade policial. A causa é
que os homens capazes de acusar e dispostos a faze-lo não têm uma tribuna do alto da
qual possam falar. não têm um auditório que escute avidamente, encorajando os
oradores, e não vêem em parte alguma do povo uma força para a qual valha a pena
dirigir suas queixas contra o governo "todo-poderoso" ... Temos hoje os meios e o dever
de oferecer a todo o povo uma tribuna para denunciar o governo tzarista: essa tribuna
deve ser um jornal social-democrata". Esse auditório ideal para as revelações políticas é
precisamente a classe operária, que tem necessidade, antes e sobretudo, de
conhecimentos políticos amplos e vivos, e que é a mais capaz de aproveitar esses
conhecimentos para empreender uma luta ativa, mesmo que não prometa qualquer
"resultado tangível". Ora, a tribuna para essas revelações diante de todo o povo, só,
pode ser um jornal para toda a Rússia. "Sem um órgão político, não seria possível
conceber na Europa atual um movimento merecendo o nome de movimento político". E
a Rússia, inegavelmente, também está incluída na Europa atual, em relação a esse fato.
Desde há muito a imprensa tornou-se uma força entre nós; se não o governo não
dispenderia dezenas de milhares de rublos para comprar e subvencionar todas as
espécies de Katkov e de Mechtcherski. E não é novo o fato de, na Rússia autocrática, a
imprensa ilegal romper as barreiras da censura e obrigar os órgãos legais e
conservadores a falar dela abertamente. Assim aconteceu entre 1870 e 1880, e mesmo
entre 1850 e 1880. Ora, hoje são mais amplas e profundas as camadas populares que
poderiam ler, voluntariamente, a imprensa ilegal para aí aprender "a viver e a morrer",
para empregar a expressão de um operário, autor de uma carta endereçada ao Iskra
(nº7). As revelações políticas constituem uma declaração de guerra ao governo, da
mesma forma que as revelações econômicas constituem uma declaração de guerra aos
fabricantes. E essa declaração de guerra tem um significado moral tanto maior quanto
mais vasta e vigorosa for a campanha de denúncias, quanto mais decidida e numerosa
for a classe social que declara a guerra para começar a guerra. Por isso, as revelações
políticas constituem, por si próprias, um meio poderoso para desagregar o regime
contrário, separar o inimigo de seus aliados fortuitos ou temporários, semear a
hostilidade e a desconfiança entre os participantes permanentes do poder autocrático.
Apenas o partido que organize verdadeiramente as revelações visando o povo inteiro
poderá tornar-se, em nosso dias, a vanguarda das forças revolucionárias. Ora, tais
palavras - "visando o povo inteiro" - têm um conteúdo muito amplo. A imensa maioria
dos reveladores, que não pertencem à classe operária (pois para ser vanguarda é preciso
justamente integrar outras classes), são políticos lúcidos e homens de sangue-frio e
senso prático. Sabem perfeitamente como é perigoso "queixar-se" mesmo de um
pequeno funcionário, quanto mais do "onipotente" governo russo. E não nos dirigirão
suas queixas, a não ser quando virem que realmente estas podem ter efeito, e que nós
somos uma força política. Para que nos tornemos aos olhos do público uma força
política não basta colar o rótulo "vanguarda" sobre uma teoria e uma prática de
"retaguarda" :é preciso trabalhar muito e com firmeza para elevar nossa consciência,
nosso espírito de iniciativa e nossa energia. Porém, o partidário cioso da "estreita
ligação orgânica com a luta proletária" nos perguntará, e já nos pergunta: se nos
devemos encarregar de organizar contra o governo as revelações que verdadeiramente
visam o povo inteiro, em que, pois, manifestar-se-á o caráter de classe de nosso
movimento? - Ora, justamente no fato de que a organização dessas revelações
constituirá nossa obra, de sociais-democratas; de que todos os problemas levantados
pelo trabalho de agitação serão esclarecidos dentro de um espírito social-democrata
constante e sem a menor tolerância para com as deformações, voluntárias ou não, do
marxismo, de que essa ampla agitação política será conduzida por um partido unindo
em um todo coerente a ofensiva contra o governo, em nome de todo o povo, da
educação revolucionária do proletariado, salvaguardando, ao mesmo tempo, sua
independência política, a direção da luta econômica da classe operária, a utilização de
seus conflitos espontâneos com seus exploradores, conflitos que levantam e conduzem
sem cessar, para o nosso campo, novas camadas do Proletariado ! Mas, um dos traços
mais característicos do "economismo" é exatamente não compreender essa ligação,
melhor ainda, essa coincidência da necessidade mais urgente do proletariado (educação
política sob todas as suas formas, por meio das revelações e da agitação política) com as
necessidades do movimento democrático corro um todo. Essa incompreensão aparece
não apenas nas frases "à Martynov", mas também nas diferentes passagens de
significação absolutamente idêntica, onde os "economistas" referem-se a um pretenso
ponto de vista de classe. Eis, por exemplo, como se exprimem os autores da carta
"economista" publicada no nº12 do Iskra(14): "Este mesmo defeito essencial do Iskra
(sobrestimação da ideologia) é a causa de sua inconseqüência na questão da socialdemocracia
com as diversas classes e tendências sociais. Tendo decidido, por meio de
cálculos teóricos"... (e não em decorrência do "crescimento das tarefas do Partido que
aumentam ao mesmo tempo que ele" ... ) "o problema da deflagração imediata da luta
contra o absolutismo é sentindo, provavelmente, toda a dificuldade dessa tarefa para os
operários, no estado atual das coisas"... (não somente sentindo, mas sabendo muito bem
que esta tarefa parece menos difícil aos operários do que aos intelectuais "economistas"
- que os tratam como crianças pequenas - pois os operários estão prontos a se baterem
de fato pelas reivindicações que não prometem, para falar a língua do inolvidáveis
Martynov, nenhum "resultado tangível")... "mas não tendo a paciência de esperar a
acumulação de forças necessárias para essa luta, o Iskra começa a procurar os aliados
nas fileiras dos liberais e dos intelectuais"... Sim, sim, de fato perdemos toda
"paciência" para "esperar" os dias felizes que nos prometem de há muito os
"conciliadores"' de toda espécie, onde nossos "economistas" deixarão de lançar a culpa
de seu próprio atraso sobre os operários, de justificar sua própria falta de energia pela
pretensa insuficiência de forças entre os operários. Em que deve consistir a "acumulação
de forças pelos operários em vista dessa luta"? perguntaremos a nossos "economistas".
Não é evidente que consiste na educação política dos operários, na denúncia, diante
deles, de todos os aspectos de nossa odiosa autocracia? E não está claro que, justamente
para esse trabalho, precisamos de "aliados nas fileiras dos liberais e dos intelectuais",
"aliados" prontos a nos trazer suas revelações sobre a campanha política conduzida
contra os elementos ativos do zemstvos, os professores, os estatísticos, os estudantes
etc.? É assim tão difícil compreender essa "mecânica erudita"? P. Axelrod não lhes,
repete, desde 1897, que "a conquista pelos sociais-democratas russos de partidários e
aliados diretos ou indiretos entre as classes não proletárias é determinada, antes de tudo
e principalmente, pelo caráter que a propaganda assume entre o próprio proletariado?"
Ora, Martynov e os outros "economistas" ainda acham, agora, que primeiro os operários
devem acumular forças "através da luta econômica contra os patrões e o governo" (para
a política sindical) e, em seguida, apenas "passar" - sem dúvida da "educação" sindical
da "atividade", à atividade social-democrata! " ... Em suas pesquisas, continuam os
"economistas", o Iskra abandona com demasiada freqüência o ponto de vista de classe,
encobre os antagonismos de classe e coloca em primeiro plano o descontentamento
comum contra o governo, apesar das causas e do grau deste descontentamento serem
muito diferentes entre os "aliados". Essas são, por exemplo, as relações do Iskra com os
zemstvos"... O Iskra pretensamente "promete aos nobres descontentes com as esmolas
governamentais, o apoio da classe operária, sem dizer uma palavra sobre o antagonismo
de classe que separa essas duas categorias da população". Que o leitor se reporte aos
artigos "A Autocracia e os Zemtvos" (nºs 2 e 4 do Iskra) aos quais, parece, os autores
dessa carta fazem alusão, e verá que esses artigos(15) são dedicados à atitude do
governo em relação "à agitação inofensiva do zemstvo burocrático censitário", em
relação "à iniciativa das próprias classes proprietárias". Nesse artigo diz-se que o
operário não poderia permanecer indiferente à - luta - do governo contra o zemstvo, e os
elementos ativos do zemstvo são convidados a deixar de lado seus discursos inofensivos
e a pronunciar palavras firmes e categóricas, quando a social-democracia revolucionária
levantar-se com toda sua força diante do governo. Com o que não estão de acordo os
autores da carta? Não seria possível dize-lo. Pensam que o operário "não compreenderá"
as palavras "classes possuidoras" e "zemstvo burocrático censitário-? que o fato de
pressionar os elementos ativos dos zemstvos a abandonar os discursos inofensivos pelas
palavras firmes seja uma "sobrestimação da ideologia"? Imaginam que os operários
podem "acumular forças" para a luta contra o absolutismo, se não conhecem a atitude
do absolutismo também em relação ao zemstvo? Mais uma vez, não seria possível dizelo.
Uma coisa está clara: os autores têm apenas uma idéia muito vaga das tarefas
políticas da social-democracia. Isso sobressai ainda com maior clareza na frase seguinte:
"Essa é igualmente (isto é, "encobrindo também os antagonismos de classe") a atitude
do Iskra em relação ao movimento dos estudantes". Em lugar de exortar os operários a
afirmar através de uma manifestação pública que o verdadeiro foco de violências, de
arbitrariedade e de delírio não é a juventude universitária, mas o governo russo (Iskra,
nº2), deveríamos, ao que parece, publicar as análises inspiradas da Rabótchaia Mys1! E
são essas as opiniões expressas pelos sociais-democratas no outono de 1901, após os
acontecimentos de fevereiro e de março, às vésperas de um novo impulso do movimento
estudantil, impulso que mostra bem que, também nesse aspecto, o protesto "espontâneo"
contra a autocracia ultrapassa a direção consciente do movimento pela socialdemocracia.
O impulso instintivo, que leva os operários a interceder em favor dos
estudantes espancados pela polícia e pelos cossacos, ultrapassa a atividade consciente da
organização social-democrata! "Entretanto, em outros artigos", continuam os autores da
carta, "o Iskra condena severamente todo compromisso e toma a defesa, por exemplo,
do comportamento intolerável dos guesdistas-. Aconselhamos àqueles que sustentam
comumente, com tanta presunção e ligeireza, que as divergências de ponto de vista entre
os sociais-democratas de hoje, não são, parece, essenciais e não justificam uma cisão,
que meditem seriamente nessas palavras. As pessoas que afirmam que o esforço que
empreendemos ainda é ridiculamente insuficiente para mostrar a hostilidade da
autocracia em relação às mais diferentes classes, para revelar aos operários a oposição
das mais diferentes categorias da população à autocracia, podem trabalhar eficazmente,
em uma mesma organização, com pessoas que vêem nessa tarefa "um compromisso",
evidentemente um compromisso com a teoria da "luta econômica contra os patrões e o
governo"? No quadragésimo aniversário da emancipação dos camponeses, falamos da
necessidade de introduzir a luta de classes nos campos (nº3) e, a propósito do relatório
secreto de Witte, da incompatibilidade que existe entre a autonomia administrativa e a
autocracia (nº4); combatemos, a propósito da nova lei, o feudalismo dos proprietários de
terras e do governo que os serve (nº8), e saudamos o congresso ilegal dos zemstvos,
encorajando os elementos dos zemstvos a abandonar os procedimentos. humilhantes
para passar à luta (nº8); encorajamos os estudantes que começavam a compreender a
necessidade da luta política e a empreenderam (n9 3) e, ao mesmo tempo, fustigamos a
"inteligência extremada" dos partidários do movimento "exclusivamente estudantil",
que exortavam os estudantes a não participar das manifestações de rua (nº3, a propósito
da mensagem do Comitê executivo dos estudantes de Moscou, de 25 de fevereiro);
denunciamos os "sonhos insensatos", a "mentira e a hipocrisia" dos velhacos liberais do
jornal Rossia (nº5), e ao mesmo tempo assinalamos a fúria do governo de carcereiros
que "ajustavam conta com pacíficos literatos, velhos professores e cientistas,
conhecidos liberais dos zemstvos" (nº5: "Um Ataque da Polícia Contra a Literatura");
revelamos o verdadeiro sentido do programa "de assistência do Estado para a melhoria
das condições de vida dos operários", e saudamos o "consentimento precioso": "mais
vale prevenir com reformas do alto as reivindicações de baixo, do que esperar por essas"
(nº6); - encorajamos os estatísticos em seu protesto (nº7) e condenamos os estatísticos
"furadores" de greve (nº7). Ver nessa tática um obscurecimento da consciência de classe
do proletariado e um compromisso com o liberalismo é mostrar que não se compreende
absolutamente nada do verdadeiro programa do Credo, e é aplicar, de faio, precisamente
esse programa, por mais que seja repudiado! Realmente, por isso mesmo, arrasta-se a
democracia à "luta econômica entre os patrões e o governo", e inclina-se a bandeira
diante do liberalismo, renunciando-se a intervir ativamente e a definir a própria atitude,
a atitude social-democrata, em cada questão "liberal".
f) Mais uma Vez Caluniadores, mais uma Vez "Mistificadores".
Como o leitor se lembra, essas amabilidades foram ditas pelo Rabótcheie Dielo, que
assim responde à nossa acusação de "preparar indiretamente o terreno para fazer do
movimento operário um instrumento da democracia burguesa". Na simplicidade de seu
coração, o Rabótcheie Dielo decidiu que essa acusação constituía apenas um recurso de
polêmica. Esses desagradáveis dogmáticos, parece ter pensado, resolveram nos dizer
todas as espécies de coisas desagradáveis; ora, o que pode haver de mais desagradável
do que ser o instrumento da democracia burguesa? E de imprimir, em grandes
caracteres, um "desmentido": "calúnia não dissimulada" (Dois Congressos, p. 30),
"mistificação" (3 1), "palhaçada" (33). Como Júpiter (embora se pareça pouco com ele),
o Rabótcheie Dielo ofende-se precisamente porque não tem razão, e através de suas
injúrias irrefletidas, prova que é incapaz de apreender o fio do pensamento de seus
adversários. E, entretanto, não é necessário refletir muito para compreender a razão por
que todo culto da espontaneidade do movimento de massa, todo rebaixamento da
política social-democrata ao nível da política sindical resume-se exatamente em
preparar o terreno para fazer do movimento operário um instrumento da democracia
burguesa. O movimento operário espontâneo, por si mesmo, só pode engendrar (e
infalivelmente o fará) o sindicalismo, ora, a política sindical da classe operária é
precisamente a política burguesa da classe operária. A participação da classe operária na
luta política, e mesmo na revolução política, não faz de maneira alguma de sua política
uma política social-democrata. O Rabótcheie Dielo poderá negar isso? Poderá,
finalmente, expor diante de todo o mundo, abertamente e sem dissimulações, sua
concepção dos problemas angustiantes da social-democracia internacional e russa? -
Não, nunca o fará, pois atém-se firmemente ao procedimento "de se fazer de
desentendido". Não me toquem, não tenho nada com isso. Não somos "economistas", a
Rabótchaia Mysl não é o "economismo", o "economismo" em geral não existe na
Rússia. Este é um procedimento muito hábil e "político", que tem apenas um pequeno
inconveniente, o de se ter o hábito de dar aos órgãos da imprensa que o praticam o
apelido de "às suas ordens". Para o Rabótcheie Dielo, a democracia burguesa em geral
constitui na Rússia apenas um "fantasma" (Dois Congressos, p. 32)(16). Que homens
felizes! Como o avestruz, escondem a cabeça sob a asa e, imaginam que tudo o que os
cerca desapareceu. Publicistas liberais que, todos os meses, anunciam triunfamente que
o marxismo se desagregou, ou mesmo desapareceu; jornais liberais (Sankt-
Petersburgskie Védomosti, Russkia Védomosti e muitos outros) que encorajam os
liberais que levam aos operários a concepção brentaniana da luta de classes e a
concepção sindical da política; a plêiade de críticos do marxismo, críticos cujas
tendências verdadeiras foram tão bem reveladas no Credo, e cuja mercadoria literária é
a única que circula pela Rússia, sem impostos nem taxas; a reanimação das tendências
revolucionárias não sociais-democratas, sobretudo após os acontecimentos de fevereiro
e de março, tudo isso será talvez um fantasma? Tudo isso não tem absolutamente
qualquer ligação com a democracia burguesa! 0 Rabótcheie Dielo, tal como os autores
da canta economista, no número 12 do Iskra, deveriam "perguntar-se por que os
acontecimentos da primavera provocaram uma tal reanimação das tendências
revolucionárias não sociais-democratas, em lugar de reforçar a autoridade e o prestígio
da social-dernocracia". A razão é que não estávamos à altura de nossa tarefa, que a
atividade das massas operárias ultrapassou a nossa, que não tínhamos dirigentes e
organizadores suficientemente preparados, que conhecessem perfeitamente o estado de
espírito de todas as camadas da oposição e soubessem colocar-se à cabeça do
movimento, transformar uma manifestação espontânea em manifestação política,
ampliar-lhe o caráter político etc. Dessa forma, os revolucionários não sociaisdemocratas,
mais desembaraçados, mais enérgicos, explorarão necessariamente nosso
atraso, e os operários, por maior que seja sua energia e abnegação nos combates contra a
polícia e contra as tropas, por mais revolucionária que seja sua ação, serão apenas uma
força de sustentação desses revolucionários, a retaguarda de democracia burguesa, e não
a vanguarda social-democrata. Consideremos a social-democracia alemã, da qual nossos
"economistas" emprestam apenas as falhas. Por que não existe um único acontecimento
político na Alemanha que não contribua para reforçar cada vez mais a autoridade e o
prestígio da social-democracia? Porque a social-democracia é sempre a primeira a fazer
a apreciação mais revolucionária desse acontecimento, a sustentar todo protesto contra a
arbitrariedade. Não alimenta ilusões de que a luta econômica incitará os operários a
pensar em seu jugo, e de que as condições concretas conduzem fatalmente o movimento
operário ao caminho revolucionário. Intervém em todos os aspectos e em todas as
questões da vida social e política: quando Guilherme recusa-se a ratificar a nomeação de
um progressista burguês para prefeito (nossos "economistas" ainda não tiveram tempo
de aprender com os alemães que isto constitui, na verdade, um compromisso com o
liberalismo!), e quando se faz uma lei contra imagens e obras "imorais", e quando o
governo faz pressão para obter a nomeação de certos professores etc. etc. Em toda a
parte os sociais-democratas estão na linha de frente, despertando o descontentamento
político em todas as classes, sacudindo os adormecidos, estimulando os atrasados,
fornecendo uma ampla documentação para desenvolver a consciência política e a
atividade política do proletariado. O resultado é que esse defensor político de vanguarda
força o próprio respeito dos inimigos conscientes do socialismo, e não é raro que um
documento importante, não só das esferas burguesas, mas também das burocráticas e
palacianas, venha parar, não se sabe como, na sala de redação do Vorwürts. Aí está o
segredo da "contradição" aparente que ultrapassa o nível de compreensão do Rabótcheie
Dielo a ponto de contentar-se em levantar os braços para o céu e exclamar: "Palhaçada"!
De fato, imaginemos o seguinte: nós, o Rabótcheie Dielo, consideramos em primeiro
plano o movimento operário de massa (e o imprimimos em letras garrafais!), pomos
todos em guarda contra a tendência de diminuir o papel do elemento espontâneo,
queremos conferir à própria, própria, própria luta econômica um caráter político;
queremos permanecer em estreita ligação orgânica com a luta proletária! E nos dizem
que preparamos o terreno para fazer do movimento operário um instrumento da
democracia burguesa. E quem o diz? Os homens que têm "compromisso" com o
liberalismo, intervindo em toda questão "liberal" (que incompreensão da 1igação
orgânica com a luta proletária"!), concedendo tão grande atenção aos estudantes e até
(que horror!) aos porta-vozes dos zemstvos! Homens que querem, em geral, consagrar
uma porcentagem maior (em relação aos "economistas") de suas forças entre as classes
não proletárias da população! Não é isto uma "palhaçada"? Pobre Rabótcheie Dielo!
Chegará algum dia a penetrar no segredo deste complicado mecanismo?
Capítulo 4 - Os Métodos Artesanais dos Economistas e
a Organização dos Revolucionários
As afirmações do Rabótcheie Dielo, já examinadas anteriormente, declarando que a luta
econômica é o meio mais amplamente aplicável de agitação política, que nossa tarefa
consiste, hoje, em conferir à própria luta econômica um caráter político etc., refletem
uma concepção estreita de nossas tarefas, não somente em matéria política, mas ainda
em matéria de organização. Para conduzir "a luta econômica contra os patrões e o
governo", não é necessária uma organização centralizada para toda a Rússia (e ela não
poderia se constituir no curso de tal luta), organização que agruparia em um único
ataque comum todas as manifestações, quaisquer que fossem, de oposição política, de
protesto e de indignação, organização de revolucionários profissionais, dirigida pelos
verdadeiros chefes políticos de todo o povo. Aliás, isto pode ser compreendido. Toda
instituição tem sua estrutura natural e inevitavelmente determinada pelo conteúdo de
sua ação. Por isso, pelas afirmações acima analisadas, o Rabótcheie Dielo consagra e
legitima a estreiteza não somente da ação política, mas também do trabalho de
organização. Nesse caso, como sempre, a consciência desse órgão inclina-se diante da
espontaneidade. Ora, o culto das formas de organização que se elaboram
espontaneamente, o fato de ignorar o quanto é estreito e primitivo nosso trabalho de
organização e até que ponto somos ainda "rudimentares" em relação a esse aspecto
importante, o fato de ignorar tudo isso, digo, constitui uma verdadeira doença do nosso
movimento. Não uma doença de decadência, mas, evidentemente, de crescimento.
Porém, precisamente hoje que a onda de revolta espontânea se espraia - poder-se-ia
dizer - até a nós, dirigentes e organizadores do movimento, o que é preciso é sobretudo
a luta mais intransigente contra a menor tentativa de defender nosso atraso, de legitimar
a estreiteza nessa matéria; é preciso sobretudo despertar entre todos aqueles que
participam, ou apenas se dispõem a participar do trabalho prático, o descontentamento
em relação ao trabalho artesanal, que reina entre nós, e a firme vontade de nos
desembaraçarmos dele.
a) O que É o Trabalho Artesanal?
Tentaremos responder a essa questão, esboçando o quadro da atividade de um círculo
social-democrata típico entre 1894 e 1901. Já assinalamos o entusiasmo geral pelo
marxismo da juventude estudantil da época. Certamente, esse entusiasmo visava não
apenas ao marxismo como teoria, mas como resposta à questão "que fazer?", como
apelo para se colocar em campo contra o inimigo. E os novos combatentes punham-se
em campo com uma preparação e um equipamento surpreendentemente primitivos. Em
inúmeros casos, quase não havia equipamento e nem tampouco preparação. Iam à
guerra como camponeses que tivessem acabado de deixar o arado, simplesmente
armados de um bordão. Sem ligação de qualquer espécie com os velhos militantes, sem
qualquer ligação com os círculos de outras localidades, nem mesmo de outros bairros
(ou estabelecimentos de ensino) de sua própria cidade, sem qualquer coordenação das
diferentes partes do trabalho revolucionário, sem qualquer plano sistemático de ação
para um período mais ou menos prolongado, um círculo de estudantes entra em contato
com os operários e põe mãos à obra. O círculo desenvolve progressivamente uma
propaganda e agitação cada vez mais intensas; atrai, assim, unicamente através de sua
ação, a simpatia de amplos setores do meio operário, a simpatia de uma certa parte da
sociedade instruída, que lhe fornece dinheiro e coloca à disposição do "comitê" novos
grupos de jovens. O prestígio do comitê (ou da união de luta) aumenta, seu campo de
ação alarga-se, e estende sua atividade de uma maneira completamente espontânea: as
pessoas que, há um ano ou alguns meses, tomavam a palavra nos círculos estudantis
para responder à questão: "para onde ir?"; que estabeleciam e mantinham relações com
os operários, compunham e lançavam as "folhas volantes", estabeleciam relações com
outros grupos de revolucionários, arranjam publicações, empreendem a edição de um
jornal local, começam a falar de uma manifestação a ser organizada, passam, enfim, às
operações militares declaradas (e esta ação militar declarada poderá ser, segundo as
circunstâncias, o primeiro panfleto de agitação, o primeiro número de um jornal, a
primeira manifestação). Em geral, essas operações conduzem ao fracasso imediato e
completo, desde o seu início. Imediato e completo, porque essas operações militares não
eram o resultado de um plano sistemático, preparado de antemão e estabelecido a longo
termo, mas, simplesmente o desenvolvimento espontâneo de um trabalho de círculo
conforme sua tradição; porque a policia, como é natural, conhecia quase sempre todos
os principais militantes do movimento local, que já "tinham dado o que falar" nos
bancos da Universidade, e, aguardando o momento mais propício para uma invasão,
deixa, propositadamente, o círculo alargar-se e estender-se para ter um corpus delicti
tangível, e a cada vez deixa, de caso pensado, alguns indivíduos "para semente" (é a
expressão técnica empregada, pelo que sei, tanto pelos nossos como pelos da polícia).
Não se pode deixar de comparar essa guerra a uma marcha de bandos de camponeses
armados de bordões, contra um exército moderno. E não se pode deixar de admirar a
vitalidade de um movimento que aumentava, estendia-se, e obtinha vitórias, apesar de
uma ausência completa de preparação entre os combatentes. É verdade que o caráter
primitivo do armamento era, historicamente, não apenas inevitável a princípio, mas até
legítimo, visto que permitia atrair grande número de combatentes. Mas, desde que
começaram as operações militares sérias (começaram, propriamente, com as greves do
verão de 1896), as lacunas de nossa organização militar fizeram-se sentir cada vez mais.
Após um momento de surpresa e uma série de falhas (como atrair a opinião pública para
os crimes dos socialistas, ou a deportação dos operários das capitais para os centros
industriais de província), o governo não demorou a adaptar-se às novas condições de
luta e soube dispor, em pontos convenientes, seus destacamentos de provocadores,
espiões e policiais, munidos de todos os aperfeiçoamentos. As armadilhas tornaram-se
tão freqüentes, atingiram tantas pessoas, esvaziaram a tal ponto os círculos locais, que a
massa operária perdeu literalmente todos os seus dirigentes, o movimento tornou-se
incrivelmente desordenado, sendo impossível estabelecer-se qualquer continuidade e
coordenação no trabalho. A extraordinária dispersão dos militantes locais, a composição
fortuita dos círculos, as falhas de preparação e a estreiteza de perspectivas nas questões
teóricas, políticas e de organização constituíram o resultado nevitável das condições
descritas. Em certos lugares, mesmo, vendo nossa falta de firmeza e de organização em
conspirar, os operários passaram a se afastar dos intelectuais por desconfiança, dizendo
que provocavam as prisões pela sua imprudência! Todo militante, mesmo pouco
iniciado no movimento, sabe que, finalmente, esses métodos artesanais foram
considerados pelos sociais-democratas sensatos como uma verdadeira doença. Mas,
para o leitor não iniciado não pensar que "construímos" artificialmente uma
determinada etapa ou uma determinada doença do movimento, recorreremos ao
testemunho já uma vez invocado. Que nos perdoem a longa citação. "Se a passagem
gradual a uma ação prática mais ampla", escreve B-v no nº 6 do Rabótcheie Dielo,
"passagem que está em função direta do período geral de transição que atravessa o
movimento operário russo, é um traço característico... existe ainda, no conjunto do
mecanismo da revolução operária russa um outro traço não menos interessante.
Queremos nos referir à insuficiência de forças revolucionárias próprias para a ação(1),
que se faz sentir não apenas em Petersburgo, mas em toda a Rússia À medida em que o
movimento operário se acentua, que a massa operária se desenvolve; que as greves se
tornam mais freqüentes; que a luta de massa dos operários se faz de forma mais aberta,
luta que reforça as perseguições governamentais, prisões, expulsões e deportações, essa
falta de forças revolucionárias altamente qualificada torna-se mais sensível e, sem
dúvida, não deixa de influir na profundidade e no caráter geral do movimento. Muitas
greves desenrolam-se sem que as organizações revolucionárias exerçam sobre elas uma
ação direta e enérgica... Há falta de "folhas" de agitação e de publicações ilegais... os
círculos operários ficam sem agitadores... Além disso, a falta de dinheiro se faz sentir
continuamente. Em uma palavra, o crescimento do movimento operário ultrapassa o
crescimento e o desenvolvimento das organizações revolucionárias. O efetivo dos
revolucionários em ação é demasiado insignificante para poder influenciar toda a massa
operária em efervescência, para oferecer a todos os distúrbios ao menos uma sombra de
coerência e de organização... Tais círculos, tais revolucionários não estão unidos, nem
agrupados; não formam uma organização coerente, forte e disciplinada, com partes
metodicamente desenvolvidas"... E após ter feita a reserva de que o aparecimento
imediato de novos círculos em lugar daqueles que foram destruídos, "prova apenas a
vitalidade do movimento... mas, não demonstra ainda a existência de uma quantidade
suficiente de militantes revolucionários perfeitamente paios", o autor conclui: "A falta
de preparação prática dos revolucionários de Petersburgo repercute também sobre os
resultados de seu trabalho. Os últimos processos, especialmente os dos grupos da
'Autoliberação' e da 'Luta do Trabalho Contra o Capital' mostraram nitidamente que um
jovem agitador não familiarizado perfeitamente com as condições do trabalho e, por
conseguinte, da agitação em uma determinada fábrica, ignorando os princípios da ação
clandestina e tendo apreendido" (apreendido?) "apenas os princípios gerais da socialdemocracia.
pode trabalhar uns quatro, cinco, seis meses. Depois vem a prisão que
freqüentemente ocasiona a derrocada de toda a organização, ou ao menos de uma parte.
Pode um grupo trabalhar com proveito e êxito, quando sua existência está limitada a
alguns meses? É evidente que não seria possível atribuir inteiramente as falhas das
organizações existentes ao período de transição... é evidente que a quantidade e
sobretudo a qualidade do efetivo das organizações em atividade desempenham aqui um
papel importante. e a primeira tarefa de nossos sociais-democratas... deve ser unir
realmente as organizações entre si, com uma rigorosa seleção de seus membros."
b) Trabalho Artesanal e "Economismo"
Vamos agora deter-nos em uma questão que, certamente, já se colocou ao leitor. O
trabalho artesanal, doença de crescimento que afeta o movimento todo, pode estar em
conexão com o "economismo", considerado como uma das tendências da socialdemocracia
russa? Cremos que sim. A falta de preparação prática, de habilidade no
trabalho de organização é realmente comum a todos nós, mesmo àqueles que, desde o
início, mantiveram-se sempre ligados ao ponto de vista do marxismo revolucionário. E,
certamente, ninguém poderia incriminar os práticos por essa falta de preparação. Mas,
esses "métodos artesanais" não se encontram apenas na falta de preparação: estão
também na estreiteza do conjunto do trabalho revolucionário em geral, na
incompreensão do fato de que essa estreiteza impede a constituição de uma boa
organização de revolucionários; enfim - e é o principal - encontram-se nas tentativas de
justificar essa estreiteza e de erigi-la em "teoria" particular, isto é, no culto da
espontaneidade, também nesse campo. Desde as primeiras tentativas desse gênero,
tornou-se evidente que os métodos artesanais estavam ligados ao "economismo" e que
não nos livraríamos de nossa estreiteza no trabalho de organização, antes de nos
livrarmos do "economismo" em geral (isto é, da concepção estreita da teoria do
marxismo, do papel da social-democracia e de suas tarefas políticas). Ora, essas
tentativas foram feitas em duas direções. Uns começaram a dizer: a massa operária não
formulou ainda, ela própria, tarefas políticas tão extensas e tão manifestas como as que
lhe "impõem" os revolucionários; deve ainda lutar pelas reivindicações políticas
imediatas, conduzir" a luta econômica contra os patrões e o governo(2) (e a esta luta
"acessível" ao movimento de massa corresponde naturalmente uma organização
"acessível" mesmo à juventude menos preparada). Outros, afastados de todo
"gradualismo" declararam: pode-se e deve-se "realizar a revolução política", mas, para
isso, não há necessidade de se criar uma forte organização de revolucionários educando
o proletariado para uma luta firme e obstinada, basta que todos nós tomemos do bordão
"acessível" e já conhecido. Para falar sem alegorias, é preciso organizar a greve geral*2
ou estimular através de "um terrorismo excitativo*3" o movimento operário
"adormecido". Essas duas tendências, a oportunista e a "revolucionaste", capitulam
diante dos métodos artesanais dominantes, não crêem na possibilidade de se libertar
deles, não vêem nossa primeira e mais urgente tarefa prática: criar uma organização de
revolucionários capaz de assegurar à luta política energia, firmeza e continuidade.
Acabamos de citar as palavras de B-v: "0 crescimento do movimento operário
ultrapassa o crescimento e o desenvolvimento das organizações revolucionárias". Essa
"comunicação preciosa de um observador bem colocado" (opinião emitida pela redação
do Rabótcheie Dielo sobre o artigo de B-v) é para nós duplamente preciosa. Mostra que
tínhamos razão de ver a causa fundamental da crise atual da social-democracia russa no
atraso dos dirigentes ("ideólogos", revolucionários, sociais-democratas) em relação ao
impulso espontâneo das massas. Mostra que existe apenas a defesa e a exaltação dos
métodos artesanais em todos esses raciocínios dos autores da carta economista (Iskra, nº
12) B. Kritchévski e Martynov sobre o perigo que existe em minimizar o papel do
elemento espontâneo, da obscura luta quotidiana, da tática-processo etc. Essas pessoas
que não podem pronunciar sem desdém a palavra "teórico"; que denominam "senso das
realidades" sua idolatria diante da falta de preparação para as coisas da vida e da falta de
desenvolvimento, mostram de fato sua ignorância de nossas tarefas práticas mais
prementes. Às pessoas que se atrasam, gritam: Marquem passo! Não se adiantem!
Aqueles que, no trabalho de organização, carecem de energia e de iniciativa, àqueles
que carecem de "planos" de perspectivas amplas e corajosas, falam da "tática-processo"!
Nosso erro capital é rebaixar nossas tarefas políticas e de organização ao nível dos
interesses imediatos, "tangíveis", "concretos" da luta econômica cotidiana, e não param
de nos dizer: é preciso conferir à própria luta econômica um caráter político! Mais uma
vez repetimos: isto constitui exatamente um "senso das realidades" comparável ao do
herói da epopéia popular, que exclamava à vista de um cortejo fúnebre; "tornara que
sempre tenham algo a transportar". Lembrem-se da incomparável presunção,
verdadeiramente digna de Narciso, com a qual esses sábios repreendiam Plekhânov: "As
tarefas políticas, no sentido real e prático da palavra, isto é, no sentido de uma luta
prática, racional e vitoriosa para as reivindicações políticas, são em princípio (sic)
inacessíveis aos círculos operários" ("Resposta da redação do Rab. Dielo", p. 24).
Existem círculos e círculos, Senhores!, Evidentemente, as tarefas políticas são
inacessíveis a um círculo de "artesãos", enquanto estes não tomarem consciência de
seus métodos artesanais e não se livrarem deles. Mas se, além disso, esses artesãos estão
enamorados de seus métodos artesanais, se escrevem a palavra "prático" em itálico e
imaginam que ser prático é rebaixar nossas tarefas ao nível de compreensão das massas
mais atrasadas, então, evidentemente, esses artesãos são incuráveis e as tarefas políticas
em princípio lhes são realmente inacessíveis. Mas, para um círculo de corifeus, como
Alexeiev e Mychkine, Khalturine e Jeliabov, as tarefas políticas são inacessíveis no
sentido mais verdadeiro, mais prático da palavra, e isto exatamente porque sua ardente
propaganda encontra eco na massa que desperta espontaneamente; porque sua energia
fervilhante é restabelecida e sustentada pela energia da classe revolucionária. Plekhânov
tinha mil vezes razão não apenas quando assinalou a existência dessa classe
revolucionária e provou que seu despertar espontâneo para a ação era inelutável,
infalível, mas, também quando designou para os "círculos operários", uma grandiosa e
importante tarefa política. Quanto a vocês, invocam o movimento de massa que surgiu
desde então, para rebaixar essa tarefa, para restringir o campo de ação e de energia dos
"círculos operários". O que é isso senão o apego do artesão a seus métodos artesanais?
Vocês se vangloriam de seu espírito prático, e não vêem o fato conhecido de cada
prático russo: que maravilhas pode realizar, em matéria revolucionária, a energia não
apenas de um círculo, mas mesmo de um indivíduo isolado. Acreditam vocês, por
acaso, que não podem existir em nosso. movimento dirigentes como os da década de
1870? Por que? Por que estamos pouco preparados? Mas nós nos preparamos,
continuaremos a nos preparar e estaremos preparados! É verdade que à superfície dessa
água estagnada, que é a "luta econômica contra os patrões e o governo", infelizmente
formou-se o limo; apareceram pessoas que se ajoelharam para. adorar a espontaneidade,
contemplando religiosamente (segundo a expressão de Plekhânov) o "traseiro" do
proletariado russo. Mas, saberemos nos livrar desse limo. Precisamente hoje, o
revolucionário russo, orientado por uma teoria verdadeiramente revolucionária,
apoiando-se em uma classe verdadeiramente revolucionária que desperta
espontaneamente para a ação, pode enfim - enfim! - reerguer-se em toda a sua estatura e
empregar toda a sua força de gigante. Para isso é preciso apenas que, entre a massa dos
práticos e a massa ainda mais numerosa de pessoas que sonham com a ação prática
desde os bancos da escola, toda tentativa de rebaixar nossas tarefas políticas e de
restringir a envergadura de nosso trabalho de organização seja considerada com
desprezo e recebida jocosamente. E fiquem tranqüilos, Senhores, chegaremos lá! No
artigo "Por Onde Começar?" escrevi contra o Rabótcheie Dielo: "Em 24 horas, pode-se
modificar a tática da agitação sobre algum ponto especial, modificar um detalhe
qualquer na atividade do Partido. Mas, para modificar, não direi em 24 horas, mas até
em 24 meses, suas concepções sobre a utilidade geral, permanente e absoluta de uma
organização de combate e de uma agitação política nas massas, é preciso estar
desprovido de todo princípio orientador. O Rabótcheie Dielo responde: "Essa acusação
do Iskra, a única que pretende ter um caráter prático, está destituída de todo
fundamento. Os leitores do Rabótcheie Dielo sabem muito bem que desde o princípio
não apenas exortamos à agitação política, sem esperar que aparecesse o Iskra "...
(dizendo, então, que "não se pode colocar" aos círculos operários, "nem ao movimento
operário de massa, como primeira tarefa, a derrubada do absolutismo", mas apenas a
luta pelas reivindicações políticas imediatas, e que "as reivindicações políticas imediatas
tornam-se acessíveis à massa após uma, ou ao menos, numerosas greves")... "mas,
através de nossas publicações, também, fizemos chegar do estrangeiro aos camaradas
militando na Rússia um material social-democrata de agitação política único"...
(acrescentamos que com esse material único não só fizeram agitação política maior do
que a feita no campo da luta econômica, mas também concluíram, enfim, que essa
agitação limitada "é suscetível de ser a mais amplamente aplicada". E os Senhores não
repararam que sua argumentação prova justamente a necessidade do aparecimento do
Iskra - dado esse material único - e a necessidade de o Iskra lutar contra o Rabótcheie
Dielo ?)... "Por outro lado, nossa atividade como editores preparou de fato a unidade
tática do partido"... (a unidade de convicção de que a tática é um processo de
crescimento das tarefas do partido, que crescem ao mesmo tempo que o Partido?
Unidade preciosa!)... "e, por isso mesmo, a possibilidade de "uma organização de
combate", para a criação daquela União, tornou em geral tudo isso acessível a uma
organização residente no estrangeiro" (R. D., nº 10, p. 15). Vã tentativa para se sair do
embaraço! Jamais pensei em contestar que tenham feito tudo que lhes era acessível.
Afirmei e ainda afirmo que os limites do que lhes é "acessível" encontram-se cerceados
pela estreiteza de sua compreensão. É ridículo falar de "organização de combate" para
lutar em favor das "reivindicações políticas imediatas", ou para "a luta econômica
contra os patrões e o governo". Mas, se o leitor quiser ver as pérolas do apego
"economista" aos métodos artesanais, seria preciso naturalmente dirigir-se não ao
Rabótcheie Dielo, eclético e instável, mas à Rabótchaia MysI, lógica e resoluta. "Duas
palavras, agora, sobre o que se denomina, propriamente, a intelectualidade
revolucionária", escrevia R. M. em um "Suplemento especial", p. 13; "provaram, é
verdade, e mais de uma vez, que estão prontos a "integrar a luta decisiva contra o
tzarismo". Somente, o mal é que, perseguida sem tréguas pela polícia política, nossa
intelectualidade revolucionária tomou a luta contra essa polícia política por uma luta
política contra a autocracia. Por isso, a questão, "Onde buscar forças para a luta contra a
autocracia?", ainda não encontrou resposta. Não é realmente admirável esse desprezo
pela luta contra a polícia, da parte de um adorador (no sentido pejorativo da palavra) do
movimento espontâneo? Está pronto a justificar nossa imperícia na ação clandestina
pelo argumento de que, em um movimento espontâneo de massa, a luta contra a polícia,
em suma, não tem importância para nós!! Muito poucos subscreverão essa conclusão
monstruosa, tal é o grau e a forma dolorosa em que são sentidas, por todos, as folhas de
nossas organizações revolucionárias. Mas se Martynov, por exemplo, não a subscreve, é
unicamente porque não sabe ir até o fim de seu pensamento, ou não tem coragem para
tanto. De fato, se a massa apresenta reivindicações concretas prometendo resultados
tangíveis, constitui isso uma "tarefa" que exige a preocupação particular com a criação
de uma organização sólida, centralizada, combativa? A massa que não "luta de modo
algum contra a polícia política" não se incumbe, ela própria, dessa "tarefa"? Mais ainda,
essa tarefa seria executável se, com exceção de raros dirigentes, os operários (em sua
grande maioria), que não são de forma alguma capazes de "lutar contra a polícia
política", também não se encarregassem dela? Esses operários, os elementos médios da
massa, são capazes de demonstrar uma energia e uma abnegação prodigiosas em uma
greve, em um combate de rua com a polícia e as tropas policiais; são capazes (e são os
únicos capazes) de decidir o resultado de todo o nosso movimento; porém, justamente a
luta contra a polícia política exige qualidades especiais, exige revolucionários
profissionais. E devemos estar vigilantes para que a massa operária não apenas
"apresente" reivindicações concretas, mas ainda "apresente" um número cada vez maior
desses revolucionários profissionais. Chegamos, assim, à questão da relação entre a
organização dos revolucionários profissionais e o movimento puramente operário. Essa
questão, pouco desenvolvida na literatura, já ocupou bastante a nós, "políticos", em
nossas conversas e discussões com os camaradas que, de uma maneira ou de outra,
tendem para o "economismo". Vale a pena que nos detenhamos nessa questão. Mas,
antes, terminemos com outra citação, a ilustração de nossa tese sobre a ligação dos
métodos artesanais com o "economismo". "O grupo 'Liberação do Trabalho'", escrevia
N.N. em sua 'Resposta', "reclama a luta direta contra o governo sem buscar saber onde
está a força material para essa luta, sem indicar o caminho que ela deve seguir". E
sublinhando essas últimas palavras, o autor faz a seguinte observação a respeito da
palavra "caminho": "Este fato não poderia ser explicado pelas necessidades da ação
clandestina; de fato, no programa não se trata de uma conspiração, mas de um
movimento de massa. Ora, a massa não pode seguir caminhos secretos. É possível uma
greve secreta? São possíveis uma manifestação ou uma petição secretas?" (Vademecum,
p. 59). O autor aborda de perto essa "força material" (organizadores de greves e de
manifestações) e os "caminhos" luta, mas encontra-se confuso e perplexo, pois "inclinase
diante do movimento de massa, isto é, considera-o um fator que nos libera da
atividade revolucionária que nos pertence, e não um fator destinado a encorajar e a
estimular nossa atividade revolucionária. Uma greve secreta é impossível, tanto para
seus participantes como para aqueles a quem afeta diretamente. Mas, para a massa dos
operários russos, essa greve pode permanecer (e na maior parte dos casos permanece)
"secreta", pois o governo tomará o cuidado de cortar todas, as comunicações com os
grevistas, tomará o cuidado de tornar impossível todas as informações sobre a greve. É
então que se torna necessária uma "luta contra a polícia política", luta especial que
jamais poderá ser conduzida ativamente por uma massa tão grande como a que participa
da greve. Essa luta deve ser organizada "segundo todas as regras da arte" por
profissionais da ação revolucionária. E o fato de a massa estar espontaneamente
integrada ao movimento não torna menos necessária a organização dessa luta. Ao
contrário, torna ainda mais necessária; pois nós, socialistas, faltaríamos a nosso primeiro
dever para com a massa, se não soubéssemos impedir a polícia de tornar secreta (e se,
por vezes, não nos preparássemos secretamente, nós mesmos) uma greve ou uma
manifestação qualquer. Estamos em condição de fazê-lo, precisamente porque a massa,
que desperta espontaneamente para a ação, fará surgir igualmente de seu seio um
número cada vez maior de "revolucionários de profissão" (isso se não induzirmos todos
os operários, de todas as maneiras, a permanecer no mesmo lugar).
c) A Organização dos Operários e a Organização dos Revolucionários
Se para o social-democrata a idéia de "luta econômica contra os patrões e o governo"
identifica-se à de luta política, é natural que a idéia de "organização de operários"
identifique-se, entre eles, mais ou menos à idéia de "organização de revolucionários". E,
na realidade, é o que acontece, de modo que falando de organização, falamos línguas
absolutamente diferentes. Lembro-me, por exemplo, de uma conversa que tive um dia
com um "economista" bastante conseqüente, e que ainda não conhecia. A conversa
girou em torno do folheto "Quem Fará a Revolução Política?" Concluímos,
rapidamente, que seu principal defeito era não considerar os problemas de organização.
Pensávamos já estar de acordo, mas... prosseguindo a conversa, percebemos que
falávamos de coisas diferentes. Meu interlocutor, acusava o autor de não levar em
consideração as caixas de auxílio às greves, as sociedades de socorro mútuo etc.; quanto
a mim, falava da organização de revolucionários indispensável para "fazer" a revolução,
política. E desde que ocorreu essa divergência, não me lembro mais de, ter estado de
acordo sobre qualquer questão de princípio com, esse "economista"! Mas, qual era, pois,
a causa de nossas divergências? Justamente o fato de os "economistas" desviarem-se
constantemente do "social-democratisrno" para o sindicalismo, tanto nas tarefas de
organização como nas tarefas políticas. A luta política da social-democracia é muito
maior e muito mais complexa que a luta econômica dos operários contra os patrões e o
governo. Do mesmo modo (e como conseqüência) a organização de um partido socialdemocrata
revolucionário deve necessariamente constituir um gênero diferente da
organização dos operários para a luta econômica. A organização dos operários deve ser,
em primeiro lugar, profissional; em segundo lugar, a maior possível; em terceiro lugar, a
menos clandestina possível (aqui e mais adiante refiro-me, bem entendido, apenas à
Rússia autocrática). Ao contrário, a organização dos revolucionários deve englobar,
antes de tudo e principalmente, homens cuja profissão é a ação revolucionária (por isso,
quando falo de uma organização de revolucionários, refiro-me aos revolucionários
sociais-democratas). Diante dessa característica comum aos membros de tal
organização, deve desaparecer por completo toda distinção entre operários e intelectuais
e ainda com maiores razões, entre as diversas profissões de uns e de outros.
Necessariamente essa organização não deve ser muito extensa, e é, preciso que seja o
mais clandestina possível. Vamos deter-nos sobre esses três pontos determinados. Nos
países onde há liberdade política, a diferença entre a organização sindical e a
organização política é perfeitamente clara, como também a diferença entre os sindicatos
e a social-democracia. Certamente, as relações da social-democracia com os sindicatos
variam, inevitavelmente, de país a país segundo as condições históricas, jurídicas e
outras; posem ser mais ou menos estreitas, complexas etc. (devem ser, em nossa
opinião, as mais estreitas e as menos complexas possíveis); mas, nos países livres, não
seria o caso de se identificar a organização sindical com a do partido social-democrata.
Na Rússia, o jugo da autocracia apaga, à primeira vista, toda distinção entre a
organização social-democrata e a associação operária, pois todas as associações
operárias e todos os círculos estão proibidos, e a greve, manifestação e arma principais
da luta econômica dos operários, é considerada um crime de direito comum (às vezes
até um delito político). Assim, pois, a situação entre nós, de um lado, "incita"
forçosamente os operários que conduzem a luta econômica a se ocuparem de questões
políticas e, de outro, "incita os sociais-democratas a confundirem o sindicalismo e o
"social-democratismo" (e nossos Kritchévski, Martynov e Cia., que não param de falar
sobre a "incitação" do primeiro gênero, não observam a "incitação" do segundo gênero).
De fato, consideremos as pessoas absorvidas: noventa e nove por cento pela luta
econômica contra os patrões e o governo. Uns, durante todo o período de sua atividade
(de 4 a 6 meses), jamais serão levados a pensar na necessidade de uma organização mais
complexa de revolucionários; outros, ao que parece, serão "levados" a ler a obra
bernisteiniana, relativamente difundida, e daí extrairão a convicção de que é a "marcha
progressiva da obscura luta quotidiana" que apresenta uma importância fundamental.
Outros, enfim, talvez serão seduzidos pela idéia de dar ao mundo um novo exemplo de
"estreita ligação orgânica com a luta proletária", de ligação entre o movimento sindical
e o movimento social-democrata. Essas pessoas raciocinarão assim: quanto mais tarde
um país entrar na arena do capitalismo, e portanto na- do movimento operário, mais os
socialistas poderão participar do movimento sindical e apoiá-lo, e haverá menos
condições para a existência de sindicatos não sociais democratas. Até aqui, esse
raciocínio é perfeitamente justo, mas o mal é que vão mais longe e sonham com a fusão
completa do "social-democratismo" e do sindicalismo. Vamos ver, em seguida, através
do exemplo dos "Estatutos da União de Luta de São Petersburgo", a influência nociva
que esses sonhos exercem sobre nossos p1anos de organização. As organizações
operárias para a luta econômica devem ser organizações profissionais. Todo operário
social-democrata deve, sempre que possível, apoiar essas organizações e aí trabalhar
ativamente. Bem, mas não constitui nosso interesse exigir que só os sociais-democratas
possam ser membros das uniões "corporativistas": isso restringiria nossa influência
sobre a massa. Deixemos participar na união corporativa todo operário que compreenda
a necessidade de se unir para lutar contra os patrões e o governo. O próprio objetivo das
uniões corporativas não seria atingido, se não agrupassem todos aqueles capazes de
compreender mesmo essa noção elementar, e se essas uniões corporativas não fossem
organizações muito amplas. E quanto maiores essas organizações, também maior será
nossa influência sobre elas, influência exercida não apenas através do desenvolvimento
"espontâneo" da luta econômica, mas, também, pela ação consciente e direta dos
membros socialistas da união sobre seus camaradas. Mas, em uma organização ampla,
uma ação estritamente de conspiração é impossível (pois exige mais preparação do que
a necessária para participar da luta econômica. Como conciliar essa contradição, entre a
necessidade de uma organização ampla e de uma ação estritamente de conspiração?
Como fazer para que as organizações corporativas sejam o menos possível de
conspiração? De modo geral, há apenas dois meios: ou a legalização das associações
corporativas (que em certos países precedeu a legalização das associações socialistas e
políticas), ou a manutenção da organização secreta, mais "livre", pouco regulamentada,
lose, como dizem os alemães, a tal ponto que, para a massa dos associados, o regime
conspirativo fica reduzido quase a zero. A legalização das associações operárias não
socialistas e não políticas já começou na Rússia, e não há dúvida de que cada passo de
nosso movimento operário social-democrata, em rápida progressão, multiplicará e
encorajará as tentativas dessa legalização, tentativas que vêm sobretudo dos partidários
do regime estabelecido, mas, também, dos operários e dos intelectuais liberais. A
bandeira da legalização já foi hasteada pelos Vassiliev e os Zubatov; os Ozerov e os
Worms já prometeram e deram sua cooperação, e entre os operários já se encontram
adeptos da nova tendência. E nós não podemos deixar de considerar essa tendência. E
como considerá-la? Quanto a isso, não poderia existir mais do que uma opinião entre os
sociais-democratas. Devemos denunciar constantemente toda participação dos Zubatov,
dos Vassilicv, dos policiais, e dos popes nessa tendência, e esclarecer os operários sobre
as verdadeiras intenções desses participantes. Devemos denunciar também todas as
notas conciliadoras e "harmônicas" que se manifestam nos discursos dos liberais nas
assembléias públicas dos operários, quer sejam moduladas por pessoas sinceramente
convencidas de que a colaboração pacífica das classes é desejável, quer tenham o desejo
de serem bem vistas pelas autoridades ou, enfim, quer sejam essas pessoas
simplesmente inábeis. Devemos, enfim, colocar os operários em guarda contra as
armadilhas freqüentemente preparadas pela polícia que, nessas assembléias públicas e
nas sociedades autorizadas, busca marcar os "homens imbuídos do fogo sagrado" e
aproveitar-se das organizações legais para introduzir provocadores também nas
organizações ilegais. Mas, fazer isto não significa esquecer que a legislação do
movimento operário, afinal de contas, não beneficiará os Zubatov, mas a nós mesmos.
Ao contrário, justamente pela nossa campanha de denúncias separamos o joio do trigo.
Já mostramos qual é o joio. 0 trigo é atrair a atenção das camadas operárias maiores e
mais atrasadas para as questões políticas e sociais: é libertar a nós, revolucionários, de
funções que, no fundo, são legais (difusão de obras legais, socorro mútuo etc.) e que,
desenvolvendo-se, dar-nos-ão infalivelmente material cada vez mais abundante para a
agitação. Nesse sentido podemos e devemos dizer aos Zubatov e aos Ozerov:
Trabalhem, Senhores, trabalhem! Enquanto os senhores preparam armadilhas para os
operários, pela provocação direta ou pelo "struvismo" (meio "honesto" de corromper os
operários), nós nos encarregamos de desmascará-los. Enquanto os senhores dão
realmente um passo à frente - mesmo que seja sob a forma de um "tímido ziguezague" -
mas um passo à frente, apesar de tudo, nós lhe diremos: Isso mesmo! E todo o
alargamento do campo de ação dos operários, mesmo minúsculo, constitui um
verdadeiro passo à frente. E todo alargamento desse gênero só pode beneficiar-nos:
apressará o aparecimento de associações legais, onde não serão os provocadores que
pescarão os socialistas, mas os socialistas que pescarão adeptos. Em uma palavra, o que
é preciso, agora, é combater o joio. Não nos cumpre cultivar o trigo em vasos.
Arrancando o joio, limpamos o terreno a fim de permitir que o trigo germine. E
enquanto os Afanassi Ivanovitch e as Pulquéria Ivanovna ocupar-se da cultura
doméstica do trigo, devemos preparar segadores que saibam, hoje, arrancar o joio, e
amanhã ceifar o trigo(3). Assim, nós não podemos, por intermédio da legalização,
resolver o problema da criação de uma organização profissional menos clandestina e a
maior possível (mas ficaríamos muito felizes se os Zubatov e os Ozerov nos
oferecessem a possibilidade, mesmo parcial, de assim resolver o problema, pois
devemos lutar contra eles com o máximo de energia!). Resta o caminho das
organizações profissionais secretas, e devemos, por todos os meios, ajudar os operários
que já seguem por esse caminho (sabemos isso de fonte segura). As organizações
profissionais podem não somente ser de imensa utilidade para o desenvolvimento e o
fortalecimento da luta econômica, mas, ainda, tornar-se um precioso auxiliar da agitação
política e da organização revolucionária. Para chegar a esse resultado, para orientar o
movimento profissional nascente no caminho desejado pela social-democracia, é preciso
antes de tudo compreender bem o absurdo do plano de organização do qual se
prevalecem, já há cinco anos, os "economistas- de Petersburgo. Esse plano também está
exposto nos Estatutos da Caixa Operária, de julho de 1897 (Listok "Rab. ", n.º 9-10, p.
46, no n.º 1 da Rabótchaia Mys1) e nos Estatutos da Organização Operária Profissional,
de outubro de 1900 (folha especial, impressa em São Petersburgo e mencionada no n.º 1
do Iskra). Esses estatutos têm um defeito essencial: expõem todos os detalhes de uma
grande organização operária, que confundem com a organização de revolucionários.
Tomemos os segundos estatutos, melhor elaborados. Apresentam cinqüenta e dois
parágrafos: 23 parágrafos expõem a estrutura, o modo de gestão e as funções dos
"círculos operários" que serão organizados em cada fábrica ("não mais de 10 pessoas") e
elegerão os "grupos centrais (de fábrica)". O parágrafo 2 especifica: "O grupo central
observa tudo o que se passa na fábrica ou na usina, e se encarrega da crônica dos
acontecimentos". "O grupo central presta contas do estado da caixa, mensalmente, a
todos os contribuintes(parágrafo 17) etc.; dez parágrafos são dedicados à "organização
de bairro?', e dezenove à intrincadíssima relação do "Comitê da Organização Operária"
e do "Comitê da União de Luta de São Petersburgo (delegados de cada bairro e dos
"grupos executivos" - "grupos de propagandistas para as relações com a província, para
as relações com o exterior, para a administração dos depósitos, das edições, da caixa").
A social-democracia incorporada aos "grupos executivos", no que diz respeito à luta
econômica dos operários! Seria difícil demonstrar de forma mais relevante como o
pensamento do "economista" desvia-se do "social-democratismo" em direção ao
sindicalismo, e como se preocupa pouco como fato de o social-democrata dever, antes
de tudo, pensar em organizar revolucionários capazes de dirigir toda a luta
emancipadora do proletariado. Falar da "emancipação política da classe operária", da
luta contra a "arbitrariedade tzarista" e redigir semelhantes estatutos, significa nada
compreender, mas absolutamente nada, das verdadeiras tarefas políticas da socialdemocracia.
Nenhum dos cinqüenta parágrafos revela o menor traço de compreensão da
necessidade de se fazer entre as massas uma grande agitação política, esclarecendo
todos os aspectos do absolutismo russo, toda a fisionomia das diferentes classes sociais
na Rússia. Além disso, com tais estatutos, não só os fins políticos mas mesmo os fins
sindicais do movimento não poderiam ser atingidos, visto exigirem urna organização
por profissões, da qual os estatutos nada dizem. Mas o mais característico é talvez o
surpreendente peso de todo esse "sistema", que procura ligar cada fábrica ao "comitê"
por intermédio de regulamentos uniformes e minuciosos até ao ridículo, com um
sistema eleitoral em três níveis. Comprimidos no estreito horizonte do "economicismo",
o pensamento perde-se em detalhes que exalam um forte odor de papelada e burocracia.
Na realidade, três quartos d esses parágrafos nunca serão aplicados; por outro lado,
semelhante organização "clandestina", com um grupo central em cada fábrica, facilita
aos policiais as prisões em massa. Os camaradas poloneses já passaram por essa fase do
movimento; houve um período em que todos desejavam fundar caixas operárias por
toda a parte: mas logo renunciaram a essa idéia, quando se convenceram que
simplesmente favoreciam os policiais. Se queremos amplas organizações operárias e
não amplas ações policiais, se não queremos fazer o jogo dos policiais, devemos agir de
forma que essas não sejam de modo algum regulamentadas. Mas 'poderão elas, então,
funcionar? Consideremos um pouco essas funções: "Observar tudo o que se passa na
fábrica e fazer a crônica dos acontecimentos" (§ 2 dos estatutos). Será preciso, na
verdade, regulamentar essa função? Seu objetivo não será melhor atingido através das
crônicas na imprensa ilegal, sem que grupos de qualquer espécie sejam especialmente
constituídos para esse fim? "... Dirigira lutados operários para melhorar sua condição na
fábrica" (§ 3). Mais urna vez, é inútil regulamentar. Urna simples conversa basta para
um agitador (mesmo pouco inteligente) saber exatamente quais são as reivindicações
que os operários desejam formular; depois, conhecendo-as, saberá transmiti-las a uma
organização restrita - e não ampla - de revolucionários, que editará um panfleto
apropriado. "... Organizar uma caixa ... com a contribuição de 2 copegues por rublo" (§
9) e prestar contas do estado da caixa, mensalmente, a todos os contribuintes (§ 17);
excluir os membros que não paguem sua contribuição (§ 10) etc. Para a polícia, isto é
um verdadeiro paraíso, pois nada é mais fácil do que denunciar esse trabalho de
conspiração da "caixa central da fábrica", de confiscar o dinheiro e encarcerar toda a
"elite". Não seria mais simples emitir selos de um ou dois copegues de uma certa
organização (muito restrita e muito secreta), ou ainda, sem qualquer símbolo, fazer
coletas, cujos resultados seriam dados por um jornal ilegal, em uma linguagem
combinada? Dessa forma, os mesmos objetivos seriam atingidos, e a polícia teria de
trabalhar cem vezes mais para descobrir a trama da organização. Poderia continuar esta
análise-tipo dos estatutos, mas creio já ter dito o bastante. Um pequeno núcleo
compacto, composto de operários mais seguros, mais experimentados e mais
fortalecidos, um núcleo tendo homens de confiança nos principais bairros, e ligado de
acordo com as regras da mais estrita ação clandestina à organização dos
revolucionários, poderá perfeitamente, com maior colaboração da massa e sem qualquer
regulamentação, encarregar-se de todas as funções que competem a uma organização
profissional e, além disso, realizá-las exatamente segundo as aspirações da socialdemocracia
Somente assim poderemos consolidar e desenvolver, apesar de toda a
polícia, o movimento profissional social-democrata. Poderiam objetar que uma
organização lose ao ponto de não ter qualquer regulamento, nem membros declarados e
registrados, não poderia ser qualificada de organização. Talvez: não me importo com o
nome. Mas, essa "organização sem membros" fará tudo o que é necessário, assegurará
desde o princípio uma ligação sólida entre nossos futuros sindicatos e o socialismo. E
aqueles que, sob o absolutismo, desejam uma grande organização de operários com
eleições, contas prestadas, sufrágio universal etc., são todos utopistas incuráveis e de
boa fé. A moral a extrair disso é simples: se começamos por estabelecer urna
organização de revolucionários, forte e sólida, poderemos assegurar a estabilidade do
movimento em seu conjunto, atingir simultaneamente os objetivos sociais-democratas e
os objetivos propriamente sindicais. Mas, se começamos por constituir uma organização
operária ampla, pretensamente a mais "acessível" à massa (na realidade, a mais
acessível aos policiais e que tornará os revolucionários mais acessíveis à polícia), não
atingiremos nenhum desses objetivos. Não nos livraremos de nossos métodos artesanais
e, pela nossa fragmentação, pelos nossos fracassos contínuos, apenas tornaremos mais
acessíveis à massa os sindicatos do tipo Zubatov ou Ozerov. Quais devem ser,
propriamente, as funções dessa organização de revolucionários? Falaremos disso em
detalhe. Mas examinaremos primeiro um outro raciocínio bem típico de nosso terrorista
que, mais uma vez (triste destino o seu!), encontra-se próximo ao "economismo". A
Svoboda (nº1), revista para os operários, contém um artigo intitulado "A Organização",
cujo autor busca defender seus amigos, os "economistas" operários de Ivanovo-
Voznessensk. "É deplorável, diz ele, "quando uma multidão é silenciosa, inconsciente,
quando um movimento não vem de baixo. Observem o que acontece em uma cidade
universitária, quando os estudantes, na época de festas ou durante o verão, voltam para
suas casas; o movimento operário paralisa-se. Um movimento operário estimulado a
partir do exterior pode constituir uma força verdadeira? Não, certamente... Ainda não
aprendeu a marchar por si, deve ser amparado. Isso ocorre em todo lugar: os estudantes
partem, e o movimento cessa; os elementos mais capazes, a nata, são aprisionados, e o
leite azeda; prende-se o 'Comitê', e enquanto um novo 'Comitê' não for formado,
sobrevem a calmaria; e não se sabe ainda o que será o novo 'Comitê'; talvez não se
assemelhe ao antigo: este dizia uma coisa, aquele dirá o contrário. Rompeu-se o laço
entre ontem e hoje, a experiência do passado não beneficia o futuro. E tudo isso porque
o movimento não tem raízes profundas na multidão; porque o trabalho é feito não por
uma centena de imbecis, mas por unia dezena de cabeças dotadas de inteligência. Uma
dezena de homens cai facilmente na boca do lobo; mas, quando a organização engloba a
multidão, quando tudo vem da multidão, é impossível destruir o movimento?" (p. 63).
Os fatos estão fielmente relatados. Eis aí um bom quadro de nosso trabalho artesanal.
Mas, as conclusões, p51a sua falta de lógica e tato político, são dignas da Rabótchaia
Mys1 E o cúmulo da falta de lógica, pois o autor confunde a questão filosófica, histórica
e social das "raízes profundas" do movimento com o problema de organização técnica
de uma luta mais eficaz contra os policiais. É o cúmulo da falta de tato político, pois, em
lugar de submeter os maus dirigentes aos bons dirigentes, o autor submete os dirigentes
em geral à "multidão". É ainda uma forma de nos fazer retroceder no que diz respeito à
organização, do mesmo modo que a idéia de substituir a agitação política pelo "terror
excitativo" nos faz retroceder politicamente. Na verdade, encontro-mo diante de um
embarras de richesses; não sei por onde começar a análise do imbróglio oferecido pela
Svoboda. Para maior clareza, tentarei começar por um exemplo: tomemos os alemães.
Espero que não neguem que, entre eles, a organização abrange a multidão, que tudo
vem da multidão, que o movimento operário, na Alemanha, aprendeu a marchar
sozinho. E contudo, como essa multidão de milhões de homens sabe apreciar a "dezena"
de seus experimentados chefes políticos, e como os apoiam! Mais de uma vez, no
Parlamento, os deputados dos partidos adversários atormentaram os socialistas dizendo:
"Que belos democratas são vocês! O movimento da classe operária; para vocês, existe
apenas em palavras: na realidade, é sempre o mesmo grupo de chefes que faz tudo.
Durante anos, durante dezenas de anos, é sempre o mesmo Bebel, o mesmo Liebknecht!
Mas seus delegados, pretensamente eleitos pelos operários, são mais permanentes que
os funcionários nomeados pelo imperador!" Mas os alemães acolhem com um sorriso de
desprezo essas tentativas demagógicas de opor a "multidão" aos "dirigentes", de acender
nela os maus instintos, instintos de vaidade, e de privar o movimento de sua solidez e
estabilidade, arruinando a confiança da massa nessa "dezena de cabeças dotadas de
inteligência". Os alemães são bastante desenvolvidos politicamente, têm suficiente
experiência política para compreender que, sem uma "dezena" de chefes capazes (os
espíritos capazes não surgem às centenas), experimentados, profissionalmente
preparados e instruídos por um longo aprendizado, perfeitamente de acordo entre si,
nenhuma classe da sociedade moderna pode conduzir resolutamente a luta. Os alemães
também tiveram seus demagogos, que adulavam as "centenas de imbecis- colocando-os
acima das "dezenas de cabeças dotadas de inteligência"; que adulavam o "punho
musculoso" da massa, empurravam (como Most ou Hasselmann) essa massa a atos
"revolucionários" irrefletidos, e semeavam a desconfiança em relação aos chefes firmes
e resolutos. E foi apenas graças a uma luta obstinada, implacável, contra os elementos
demagógicos de toda espécie e de toda ordem no seio do socialismo, que o socialismo
alemão cresceu tanto e fortaleceu-se. Ora, nesse período onde toda a crise da socialdemocracia
russa explica-se pelo fato de as massas espontaneamente despertadas não
terem dirigentes suficientemente preparados, desenvolvidos e experimentados, nossos
sabichões vêm nos dizer sentenciosamente, com a profundidade de pensamento de um
Gribouille(4) "É deplorável quando um movimento não vem de baixo!" "Um comitê de
estudantes não nos convém, porque é instável." Perfeitamente correto. Mas a conclusão
a extrair é que é necessário um comitê de revolucionários profissionais, operários ou
estudantes, pouco importa, que saibam proceder à sua educação de revolucionários
profissionais. Enquanto que a conclusão que os senhores tiram, é que não é necessário
estimular o movimento operário a partir do exterior! Em sua ingenuidade política, nem
mesmo notam que assim fazem o jogo de nossos "economistas" e utilizam nossos
métodos artesanais. Permitam-me colocar uma questão: como nossos estudantes
"estimularam" nossos operários? Unicamente levando-lhes o pouco conhecimento
político que eles próprios tinham, os fragmentos de idéias socialistas que puderam
recolher (pois o principal alimento espiritual do estudante contemporâneo, o marxismo
legal, não lhe pode oferecer senão o á-bê-cê e os fragmentos). Esse estímulo de fora não
foi oferecido em abundância, ao contrário, em nosso movimento esse estímulo foi
escandalosa e vergonhosamente insignificante; pois, até aqui, não fizemos mais do que
"cozinharmo-nos mais do que o necessário em nosso próprio molho", inclinando-se
servilmente diante da "elementar luta econômica dos operários contra os patrões e o
governo". Nós, revolucionários de profissão, devemos ocupar-nos cem vezes mais desse
"estímulo", e o faremos. Mas, justamente porque os senhores, empregam essa odiosa
expressão, "estímulo a partir do exterior", que inevitavelmente inspira o operário (pelo
menos o operário tão pouco desenvolvido como os senhores) a desconfiar de todos
aqueles que lhe trazem de fora os conhecimentos políticos e a experiência
revolucionária, e suscita nele o desejo instintivo de mandar passear todas as pessoas
desse tipo - os senhores mostram-se como demagogos; ora, os demagogos são os piores
inimigos da classe operaria. Perfeitamente! E não se apressem a gritar contra os
procedimentos "inadmissíveis entre camaradas" de minha discussão! Nem penso em
suspeitar da pureza de suas intenções; já disse que é possível tornar-se demagogo
unicamente através da ingenuidade política. Mas mostrei que os senhores se deixaram
levar até à demagogia. E jamais deixarei de repetir que os demagogos são os piores
inimigos da classe operária. Os piores, precisamente, porque acendem os maus instintos
da multidão, e é impossível para os operários pouco desenvolvidos reconhecer esse
inimigos que se apresentam, e às vezes sinceramente, como seus amigos. Os piores
porque, nesse período de dispersão e de hesitação, quando nosso movimento ainda se
busca, nada mais fácil do que arrastar demagogicamente a multidão, que só as
provações mais amargas poderão, depois, convencer de seu erro. Eis por que a palavra
de ordem do momento para os sociais-democratas russos deve ser a luta resoluta contra
a Svoboda, que se deixa levar à demagogia, e contra o Rabótcheie Dielo, que também
assim procede (ainda voltaremos a isso(5)). "É mais fácil caçar uma dezena de cabeças
dotadas de inteligência do que uma centena de imbecis." Essa grande verdade (que
sempre receberá o aplauso da centena de imbecis) parece evidente apenas porque, no
curso de seu raciocínio, os senhores pularam de uma questão a outra. Começaram e
continuam a falar da captura do "Comitê", da "organização", e agora passam a uma
outra questão, à capturadas "raízes"' do movimento "em profundidade". Certamente,
nosso movimento é apreensível, porque tem centenas de milhares de profundas raízes,
mas não é essa a questão, de modo algum. Mesmo agora, apesar de todos os nosso
métodos artesanais, e impossível "apreendermos", ou a nossas "profundas raízes; e
todavia, todos deploramos, e não podemos deixar de deplorar, a captura das
"organizações", o que impede toda continuidade no movimento. Ora, se os senhores
colocam a questão da captura das organizações, e se prendem a essa questão, dir-lhes-ei
que é muito mais difícil apreender uma dezena de cabeças dotadas de inteligência do
que uma centena de imbecis. E sustentarei esta tese, não importa o que façam para
excitar a multidão contra meu "anti-democratismo" etc. É preciso entender por "cabeças
inteligentes", em matéria de organização, como já mencionei em várias ocasiões,
unicamente os revolucionários profissionais, estudantes ou operários de origem, pouco
importa. Ora, eu afirmo: 1º) que não seria possível haver movimento revolucionário
sólido sem uma organização estável de dirigentes, que assegure a continuidade do
trabalho; 2º) que quanto maior a massa espontaneamente integrada à luta, formando a
base do movimento e dele participando, mais imperiosa é a necessidade de se ter tal
organização, e mais sólida deve ser essa organização (senão será mais fácil para os
demagogos arrastar as camadas incultas da massa); 3º) que tal organização deve ser
composta principalmente de homens tendo por profissão a atividade revolucionária; 4º)
que, em um país autocrático, quanto mais restringirmos o contingente dessa
organização, ao ponto de aí não serem aceitos senão os revolucionários de profissão que
fizeram o aprendizado na arte de enfrentar a polícia política, mais difícil será "capturar"
tal organização e 5º) mais numerosos serão os operários e os elementos das outras
classes sociais, que poderão participar do movimento e nele militar de forma ativa.
Convido nossos "economistas", nossos terroristas, e nossos "economistas terroristas(6)"
a refutar essas teses, das quais, neste momento, desenvolverei apenas as duas últimas. A
questão de saber se é mais fácil capturar uma "dezena de cabeças dotadas de
inteligência" ou uma "centena de imbecis" reconduz à questão que analisei mais acima:
é possível uma organização de massa no quadro de um regime estritamente clandestino?
Jamais poderemos dar a uma grande organização caráter clandestino, sem o qual não
seria possível falar de uma luta firme contra o governo, cuja continuidade fosse
assegurada. A concentração de todas as funções clandestinas entre as mãos do menor
número possível de revolucionários profissionais não significa absolutamente que esses
"pensarão por todos", que a multidão não tomará parte ativa no movimento. Ao
contrário, a multidão fará surgir esses revolucionários profissionais em número sempre
maior, pois saberá, então, que não basta alguns estudantes e alguns operários, que
conduzem a luta econômica, reunirem-se para constituir um "comitê", mas é necessário,
durante anos, que procedam à sua educação de revolucionário profissional; e a multidão
não "pensará" unicamente no trabalho artesanal, mas exatamente nessa educação. A
centralização. das funções clandestinas da organização não significa absolutamente a
centralização de todas as funções do movimento. Longe de diminuir, a colaboração
ativa de maior quantidade de literatura ilegal multiplicar-se-á dez vezes, quando uma
"dezena" de revolucionários profissionais centralizarem em suas mãos a edição
clandestina dessa literatura. Então, e somente então, conseguiremos que a leitura das
publicações ilegais, a colaboração nessas publicações e mesmo, até certo ponto, a sua
difusão deixem (quase) de ser clandestinas: a polícia logo terá compreendido o absurdo
e a impossibilidade de perseguição judicial e administrativa a propósito de cada
exemplar de publicações distribuídas aos milhares. E isto é verdade, não somente para a
imprensa, mas também para todas as funções do movimento, inclusive as manifestações.
A participação mais ativa e maior da massa em uma manifestação, longe de sofrer com
isso, ganhará mais se uma "dezena" de revolucionários experimentados, e pelo menos
tão bem preparados profissionalmente como nossa polícia, centralizar todos os aspectos
clandestinos: elaboração de panfletos, de um plano aproximado, nomeação de um grupo
de dirigentes para cada bairro da cidade, cada grupo de fábricas, cada estabelecimento
de ensino etc. (Sei que poderão objetar que meus pontos de vista "nada têm de
democrático", mas responderei a tal objeção, mais adiante, e em detalhe, que nada é
menos inteligente). A centralização das funções mais clandestinas pela organização dos
revolucionários, longe de enfraquecer, enriquecerá e estenderá a ação de uma multidão
de outras organizações que se dirigem ao grande público e que, por seu razão, também
são tão pouco regulamentadas e clandestinas quanto possível: associações profissionais
de operários, círculos operários de instrução e de leitura de publicações ilegais, círculos
socialistas e também círculos democráticos para todas as outras camadas da população
etc. etc. Esses círculos, associações profissionais de operários e organizações são
necessários em toda a parte; é preciso que sejam mais numerosos e que suas funções
sejam as mais variadas; mas é absurdo e prejudicial confundi-las com a organização de
revolucionários, apagar a linha de demarcação que existe entre elas, extinguir na massa
o sentimento já incrivelmente adormecido de que, para "servir" um movimento de
massa, é preciso ter homens que se dediquem especial e integralmente à atividade
social-democrata, e que, paciente e obstinadamente, procedam à sua educação de
revolucionários profissionais. Sim, esse sentimento está incrivelmente adormecido.
Através de nossos métodos artesanais, comprometemos o prestígio dos revolucionários
na Rússia; é o nosso pecado capital em matéria de organização. Um revolucionário sem
energia, hesitante nos problemas teóricos, com horizontes limitados, justificando sua
inércia pela espontaneidade do movimento de massa; mais semelhante a um secretário
de sindicato que a um tribuno popular, incapaz de apresentar um plano amplo e
corajoso, que imponha o respeito de seus próprios adversários, um revolucionário sem
experiência e pouco hábil em sua arte profissional - a luta contra a polícia política - será
um revolucionário? Não, não passa de um artesão digno de piedade. Que nenhum
prático se ofenda com esse epíteto severo, pois, no que diz respeito à falta de
preparação, aplico esse epíteto a mim mesmo, antes de todos. Trabalhei em um círculo
que se atribuía tarefas muito amplas e múltiplas; todos nós, membros desse círculo,
sofremos muito ao percebermos que éramos apenas os artesãos naquele momento
histórico em que se poderia dizer, parafraseando a célebre máxima: Dêem-nos uma
organização de revolucionários e revolucionaremos a Rússia! E quanto mais me recordo
desse agudo sentimento de vergonha que então experimentei, mais sinto aumentar em
mim a amargura contra esses pseudo-sociais-democratas, cuja propaganda "desonra o
título de revolucionário", e que não compreendem que nossa tarefa não é defender o
rebaixamento do revolucionário ao nível de artesãos, mas de elevar os artesãos ao nível
dos revolucionários.
d) Envergadura do Trabalho de Organização
Como já vimos, B-v fala da "escassez de forças revolucionárias aptas para a ação, que
se faz sentir não apenas em Petersburgo, mas em toda a Rússia". Não creio que se
encontre alguém para contestar esse fato. Trata-se, porém, de saber como explicá-lo. Bv
escreve: "Não vamos aprofundar-nos nas razões históricas desse fenômeno; diremos
somente que, desmoralizada por uma prolongada reação política e dividida pelas
mudanças econômicas que se processaram e ainda se processam, a sociedade fornece
apenas uni número infinitamente restrito de pessoas aptas ao trabalho revolucionário; a
classe operária, fornecendo os revolucionários-operários, completa em parte as fileiras
das organizações ilegais, porém, o número desses revolucionários não corresponde às
necessidades da época. Tanto mais que o operário, pela sua própria situação, pois está
ocupado onze horas e meia por dia na fábrica, pode apenas preencher funda
mentalmente as funções de agitador, enquanto a propaganda e a organização, e
reprodução e a distribuição da literatura ilegal, a publicação de proclamações etc.,
constituem forçosamente, em sua grande maioria, as funções de um número ínfimo de
intelectuais" (Rabótcheie Dielo, nº6, p. 38-39). Não estamos de acordo com essa opinião
de B-v em relação a vários pontos, e grifamos especialmente os que mostram de forma
relevante que, tendo sofrido muito por causa de nosso trabalho artesanal (como todo
militante que pensa um pouco), B-v, subjugado pelo "economismo", não consegue
encontrar um meio de sair dessa situação intolerável. Não, a sociedade fornece um
número muito grande de homens aptos ao "trabalho", mas não sabemos utilizá-los a
todos. O estado crítico, o estado transitório de nosso movimento nesse aspecto pode ser
assim formulado: Há falta de homens embora os homens existam em grande quantidade.
Os homens existem em grande quantidade porque a classe operária e camadas cada vez
mais variadas da sociedade fornecem, a cada ano, um número sempre maior de
descontentes, desejosos de protestar, prontos a cooperar de acordo com suas forças na
luta contra o absolutismo, cujo caráter intolerável ainda não foi reconhecido por todo o
mundo, mas é cada vez mais vivamente sentido por uma massa cada vez maior. E, ao
mesmo tempo, há falta de homens, porque não há dirigentes, chefes políticos,
organizadores capacitados para realizar um trabalho simultaneamente amplo,
coordenado e harmonioso, que permita utilizar todas as forças, mesmo as mais
insignificantes. "O crescimento e o desenvolvimento das organizações revolucionárias"
retardam não apenas o crescimento do movimento operário - como o reconhece o
próprio B-v -, mas também o crescimento do conjunto do movimento democrático em
todas as camadas do povo. (Aliás, é provável que hoje B-v subscrevesse tal
complemento de sua conclusão). O quadro do trabalho revolucionário é demasiado
restrito em relação à grande base espontânea do movimento, e está demasiado
comprimido pela precária teoria da "luta econômica contra os patrões e o governo". Ora,
hoje, não são apenas os agitadores políticos, mas também os sociais-democratas
organizadores que devem "ir a todas as classes da população"(7). Os sociais-democratas
poderão perfeitamente repartir as inúmeras funções fragmentárias de seu trabalho de
organização entre os representantes das mais diversas classes: nenhum militante, creio
eu, duvidará disso. A falta de especialização, que B-v lamenta amargamente e com tanta
razão, constitui um dos maiores defeitos de nossos procedimentos técnicos. Quanto
menores forem as diferentes "operações" da ação comum, tanto maior será o número de
pessoas capazes de executá-las que poderão ser encontradas (e, na maior parte dos
casos,- completamente incapazes de se tornarem revolucionários profissionais); quanto
mais difícil for para a polícia "marcar" todos esses "militantes especializa dos", mais
difícil será montar, com o delito insignificante de um indivíduo, um "caso" de
importância que justifique as verbas despendidas pelo Estado com a "segurança".
Quanto ao número de pessoas, prontas a nos fornecer sua cooperação, já observamos, no
capítulo precedente, a grande mudança que se processou a esse respeito, somente nos
últimos cinco anos. Mas, por outro lado, para agrupar todas essas mínimas frações em
um todo e para não fragmentar o próprio movimento juntamente com as funções, para
inspirar o executante das pequenas funções a fé na necessidade e na importância de seu
trabalho, sem a qual jamais realizará nada(8), para tudo isto é preciso ter um forte
organização de revolucionários experimentados. Com tal organização, a fé na força do
partido será fortalecida e expandir-se-á de forma cada vez mais intensa quanto mais essa
organização for clandestina; ora, na guerra, todos nós sabemos que o que importa acima
de tudo não é apenas inspirar ao exército a confiança em suas próprias forças, mas
também impô-la ao inimigo e a todos os elementos neutros; por vezes uma neutralidade
benevolente pode decidir a vitória. Com tal organização fundamentada em base teórica
bastante firme e dispondo de um órgão social-democrata, nada haverá a recear quanto
ao fato de o movimento poder ser desviado pelos numerosos elementos de "fora", que a
ele tenham aderido (ao contrário, é exatamente agora com o trabalho artesanal que
predomina entre nós, que vemos inúmeros sociais-democratas empurrarem o
movimento em direção ao Credo, pretendendo serem os únicos sociais-democratas). Em
uma palavra, a especialização implica necessariamente a centralização, exigindo-a de
forma absoluta. Mas o próprio B-v, que tão bem demonstrou toda a necessidade da
especialização, não avalia suficientemente o seu valor, conforme nos parece, na segunda
parte do raciocínio citado. Diz ele que o número de revolucionários saídos dos meios
operários é insuficiente. Essa observação é perfeitamente correta, e mais uma vez
sublinhamos que a "preciosa informação de um observador direto" confirma
inteiramente nosso ponto de vista sobre as causas da crise atual da social-democracia e,
portanto, sobre os meios de remediá-la. Não são apenas os revolucionários que, em
geral, estão atrasados em relação ao impulso espontâneo das massas operárias. E esse
fato confirma com toda a evidência, mesmo do ponto de vista "prático", não apenas o
absurdo, mas também o caráter político reacionário da "pedagogia" com que somos
obsequiados freqüentemente a propósito de nossos deveres em relação aos operários.
Atesta que nossa primeira e imperiosa, obrigação é contribuir para formar
revolucionários operários, que estejam no mesmo nível dos revolucionários intelectuais
em relação à sua atividade no Partido. (Grifamos "em relação à atividade no Partido,
pois, em relação aos outros aspectos, atingir esse mesmo nível constitui, para os
operários, algo muito menos fácil e muito menos urgente, embora necessário). Por isso,
é preciso que nos dediquemos principalmente a elevar os operários ao nível dos
revolucionários, e nunca devemos descer, nós próprios, ao nível da "massa operária"
como desejam os "economistas", ao nível do "operário médio" como quer a Svoboda
(que, sob esse aspecto, eleva ao quadrado a "pedagogia" economista). Longe de mim
negar a necessidade de uma literatura popular para os operários, e de uma outra
especificamente popular (mas não uma literatura de carregação) para os operários mais
atrasados. Mas o que me revolta é essa tendência de se unir a pedagogia às questões de
política, às questões de organização. Porque, afinal, os Senhores que se arvoram em
defensores do "operário médio", insultam antes de tudo esse operário, sempre que
manifestam o desejo de se inclinarem em sua direção, ao invés de lhe falarem de
política operária ou de organização operária. Corrijam-se, portanto, e falem de coisas
sérias, deixando a pedagogia aos pedagogos, e não aos políticos e aos organizadores!
Não existem também entre os intelectuais elementos avançados, elementos "médios" e
uma "massa"? Não reconhecem todos a necessidade de uma literatura popular para os
intelectuais, e não se publica essa literatura? Mas imaginem que, em um artigo sobre a
organização de estudantes universitários ou colegiais, o autor, em tom de quem faz uma
descoberta, fica repisando inutilmente que antes de mais nada é preciso uma
organização de "estudantes médios". Com toda a certeza, e justamente, tal autor seria
ridicularizado. Mas, poderão dizer-lhe: Dê-nos algumas idéias sobre a organização, se é
que as tem, e deixe-nos a tarefa de ver quais são entre nós os elementos "médios",
superiores ou inferiores; se não tiver, porém, idéias próprias sobre a organização, todos
os seus discursos sobre "a massa" e sobre os elementos "médios" serão simplesmente
fastidiosos. Portanto, as questões de "política" e de "organização" são em si mesmas tão
sérias, que somente podem ser tratadas seriamente: pode-se e deve-se preparar os
operários (e também os estudantes universitários e colegiais) de modo a se poder
abordar diante deles essas questões, mas, uma vez abordadas, dêem-lhes uma resposta
verdadeira, não façam marcha à ré em direção aos "médios" ou à "massa", não se
considerem dispensados com frases ou anedotas(9). A fim de se preparar integralmente
para essa tarefa,- o operário revolucionário deve tornar-se também um revolucionário
profissional. Por isso, B-v não tem razão ao dizer que, estando o operário ocupado
durante onze horas e meia na fábrica, as outras funções revolucionárias (salvo a
agitação) "devem estar a cargo forçosamente de um número ínfimo de intelectuais". De
forma alguma isto acontece "forçosamente", mas, sim em conseqüência de nosso atraso;
porque não compreendemos nosso dever, que é ajudar todo operário que se faz notar por
suas capacidades a se tornar agitador, organizador, propagandista, divulgador
profissional etc. etc. Em relação a esse aspecto, desperdiçamos vergonhosamente nossas
forças, pois não sabemos cuidar do que precisa ser cultivado e desenvolvido com o
maior desvelo. Vejam os alemães: têm cem vezes mais forças que nós, mas
compreendem perfeitamente que os operários "médios" não fornecem com muita
freqüência agitadores verdadeiramente capazes etc. Por isso, tomam a peito a questão de
colocar imediatamente todo operário capaz em condições que lhe permitam desenvolver
a fundo e aplicar suas aptidões; fazem dele um agitador profissional, encorajam-no a
alargar seu campo de ação, a estendê-lo de uma única fábrica a toda a profissão, de uma
única localidade a todo o país. Assim, adquire a experiência e a habilidade em sua
profissão; alarga o seu horizonte e seus conhecimentos, observa de perto os chefes
políticos eminentes de outras localidades e de outros partidos; esforça-se por elevar a si
próprio ao nível de tais chefes e aliar o conhecimento do meio operário e o ardor da fé
socialista à competência profissional, sem a qual o proletariado não pode empreender
uma luta tenaz contra um inimigo perfeitamente preparado. E assim, e apenas assim,
que surgem os Bebel e os Auer da massa operária. Mas aquilo que em um país
politicamente livre é feito por si só, entre nós deve ser realizado sistematicamente por
nossas organizações. Todo agitador operário, um pouco dotado e em quem se "deposite
esperanças", não deve trabalhar onze horas na fábrica. Devemos cuidar para que viva
por conta do partido e possa, no momento desejado, passar à ação clandestina, mudar de
localidade, pois, de outro modo, não adquirirá grande experiência, não alargará seu
horizonte, não se poderá manter sequer por alguns anos na luta contra os policiais.
Quanto mais amplo e profundo tornar-se o impulso espontâneo das massas operárias,
mais serão colocados em destaque aqueles agitadores de talento, e também os
organizadores e propagandistas talentosos e "práticos" no melhor sentido da palavra
(que são tão poucos entre nossos intelectuais, em sua maioria tão apáticos e indolentes à
maneira russa). Quando tivermos destacamentos de operários revolucionários
especialmente preparados (e, bem entendido, de "todas as armas" da ação
revolucionária) por um longo aprendizado, nenhuma polícia política do mundo poderá
derrubá-los, porque esses destacamentos de homens devotados de corpo e alma à
revolução gozarão da confiança ilimitada das massas operárias. E cometemos um erro
não "empurrando" bastante os operários para esse caminho, comum tanto a eles como
aos intelectuais, o caminho da aprendizagem revolucionária profissional, e arrastandoos
com muita freqüência para trás. através de nossos discursos estúpidos sobre o que é
"acessível" à massa operária, aos "operários médios" etc. Também sob esse aspecto, a
estreiteza do trabalho de organização apresenta uma conexão inegável, íntima (embora a
imensa maioria dos "economistas" e dos práticos novatos não tenham consciência disso)
com a restrição de nossa teoria e de nossas tarefas políticas. O culto da espontaneidade
faz com que de certa forma tenhamos medo de nos afastarmos nem que seja um só
passo daquilo que é "acessível" à massa; de nos elevarmos muito acima da simples
satisfação de suas necessidades diretas e imediatas. Nada temam, Senhores! Lembremse
que em matéria de organização estamos em tão baixo nível que é até absurdo pensar
que poderíamos subir tão alto!
e) A Organização de "Conspiradores" e o Democratismo
E é justamente isso que temem acima de tudo aquelas pessoas muito numerosas entre
nós cujo "senso das realidades" é extremamente desenvolvido, e que acusam os que
apoiam o ponto de vista aqui exposto Zie aferrar-se à opinião da "Narodnaia Volia", de
não compreender o "democratismo" etc. Devemos deter-nos nessas acusações, que o
Rabótcheie Dielo naturalmente também apoiou. O autor destas linhas sabe muito bem
que os "economistas" de Petersburgo já acusavam a Rabótchaia Gazeta de entregar-se
ao "narodovolisrno" (o que é compreensível, se comparada à Rabótchaia Mysl). Por
isso, absolutamente não nos surpreendemos ao saber através de um camarada, pouco
depois do nascimento do Iska, que os sociais-democratas da cidade X ... chamavam-no
de órgão do "narodovofismo-. Tal acusação, evidentemente, constituiu para nós um
elogio, pois qual é o social-democrata digno desse nome, que os "economistas" não
tenham acusado de "narodovolismo"? Essas acusações originam-se em um duplo malentendido.
Em primeiro lugar, a história do movimento revolucionário é tão
precariamente conhecida entre nós, que é taxada de "narodovolismo toda idéia referente
a uma organização de combate centralizada e que declare resolutamente a guerra contra
o tzarismo. Mas a excelente organização revolucionária de 1870-1880 que deveria servir
de modelo a todos nós. não foi criada pelos partidários da "Narodnaia Volia", mas pelos
adeptos de "Zemlia i Volia", que em seguida cindiram-se em partidários do "Tcherny
Perediel" e em narodovoltsy. Portanto, ver em uma organização revolucionária de
combate uma herança específica dos "narodovoltsy" constitui um absurdo histórico e
lógico, pois toda tendência revolucionária, ainda que vise pouco seriamente a luta, não
poderia prescindir de uma organização desse gênero. Isto não constituiu o erro, mas,
sim, o grande mérito histórico dos "narodovoltsy", o fato de serem tentados a atrair
todos os descontentes para sua organização e de orientá-la para a luta decisiva contra a
autocracia. O erro dos "narodovoltsy" consistiu em se terem apoiado sobre uma teoria
que, no fundo, não era de forma alguma revolucionária, e em não terem sabido, ou
podido, ligar indissoluvelmente seu movimento à luta de classes no seio da sociedade
capitalista em desenvolvimento. E só a mais grosseira incompreensão do marxismo (ou,
sua "compreensão- no espírito do "struvismo") podia conduzir à crença de que o
nascimento de um movimento operário de massa espontâneo nos libera da obrigação de
criar uma organização revolucionária tão boa, ou incomparavelmente melhor, do que a
de "Zemlia "Volia". Ao contrário, esse movimento nos impõe precisamente essa
obrigação, pois, a luta espontânea do proletariado não se transformará em uma
verdadeira 1uta de classe" do proletariado enquanto não for dirigida por uma forte
organização de revolucionários. Em segundo lugar, há muitos - e ao que parece aí está
incluído B. Kritchévski (Rab. Dielo, n.º 10, p. 18) - que interpretam falsamente a
polêmica de que os sociais-democratas sempre foram contra a concepção da luta política
como "conspiração". Combatemos e sempre combateremos a limitação de luta política
às dimensões de uma conspiração, mas isto não significa absolutamente, como se pensa,
que neguemos a necessidade de uma organização revolucionária forte. Assim, na
brochura mencionada na nota, encontra-se ao lado da polêmica contra aqueles que
desejariam restaurar a luta política como uma conspiração, o esboço de uma
organização (apresentada como o ideal dos sociais-democratas) bastante forte para
poder "recorrer à insurreição" e a qualquer "outra forma de ataque", "a fim de dar um
golpe decisivo no absolutismo(10)". Considerando-se apenas sua forma, essa
organização revolucionária em um país autocrático pode ser qualificada como
organização "de conspiração", pois o segredo lhe é absolutamente necessário e
indispensável, a ponto de todas as outras funções (número de membros, escolha dos
membros, suas funções etc.) deverem ajustar-se a isso. Estaríamos, portanto sendo
muito ingênuos se nós, sociais-democratas receássemos ser acusados de criar uma
organização de conspiração. Semelhante acusação também é lisonjeira para todo
inimigo do "economismo", tal como a acusação de "narodovolismo". Ouviremos,
porém, a objeção de que uma organização tão poderosa e tão estritamente secreta, que
concentre em suas mãos' todos os fios de ação clandestina, organização necessariamente
centralizada, pode lançar-se ao ataque prematuro de maneira demasiado fácil e estimular
de forma imprudente o movimento, antes que este se torne possível e necessário pelos
progressos do descontentamento político, pela força da efervescência. e da exasperação
da classe operária etc. A isso responderemos: Falando de maneira abstrata,
evidentemente não seria possível negar que uma organização de combate pudesse
empenhar-se irrefletidamente em uma batalha, que pode terminar em derrota e que, em
outras condições, não aconteceria. Mas, no caso, é impossível restringir-se a
considerações abstratas, pois todo combate implica possibilidades abstratas de derrota, e
não há outro meio de diminuí-las senão preparando-se sistematicamente para o combate.
E se a questão é colocada sobre o terreno concreto da situação russa de hoje, chega-se à
conclusão positiva de que uma organização revolucionária forte é absolutamente
necessária justamente para dar estabilidade ao movimento, e preservá-lo da
possibilidade de ataques irrefletidos. Agora, quando nos falta essa organização e o
movimento revolucionário espontâneo faz rápidos progressos, já se observa o
aparecimento de dois extremos opostos (que, como é lógico, "tocam-se"): um
"economismo" completamente inconsistente e a prédica da moderação, ou então um
"terrorismo excitativo" não menos inconsistente, buscando "provocar artificialmente os
sintomas para colocar um termo ao movimento, em um movimente que progride e se
fortalece. mas que ainda está mais perto, de seu ponto de partida do que de seu fim". (V.
Zassoulitch, Zaria n.º 2-3, p. 353) 0 exemplo do Rabótcheie Dielo mostra que Já
existem sociais-democratas que cedem diante desses dois extremos. Isto nada apresenta
de surpreendente, pois, abstraindo-se as outras circunstâncias, "a luta econômica contra
os patrões e o governo" jamais satisfará a um revolucionário, e os extremos opostos
sempre aparecerão, aqui ou ali. Apenas uma organização de combate centralizada que
pratique com firmeza a política social-democrata e, por assim dizer, que satisfaça a
todos os instintos e aspirações revolucionárias, está em condições de preservar o
movimento contra um ataque irrefletido e preparar outro que prometa o êxito. Em
seguida, ser-nos-á colocada a objeção de que nosso ponto de vista sobre a organização
está em contradição com o "princípio democrático". Da mesma forma que a acusação
precedente apresenta uma origem especificamente russa, esta apresenta um caráter
especificamente estrangeiro. Apenas uma organização sediada no estrangeiro (a "União
dos Sociais-Democratas Russos") podia dar à sua redação, entre outras, a seguinte
instrução: "Princípio de organização. No interesse do bom desenvolvimento da união da
social-democracia, é conveniente sublinhar. desenvolver, reivindicar o princípio de unia
ampla democracia na organização do Partido, o que se tornou particularmente
necessário. pelas tendências antidemocráticas que se revelaram nas fileiras de nosso
Partido" (Dois Congressos. p. 18). Veremos no capítulo seguinte como o Rabótcheie
Dielo luta contra as "tendências antidemocráticas" do Iskra. No momento,
examinaremos mais de perto esse "princípio" colocado pelos "economistas". O
"princípio de urna ampla democracia" como todos provavelmente concordarão, implica
duas condições expressas: em primeiro lugar, a publicidade completa e, em segundo, a
eleição para todas as funções. Seria ridículo falar de "democratismo" sem uma
publicidade que não se limitasse aos membros da organização. "Chamaremos ao partido
socialista alemão uma organização democrática, pois tudo aí se faz abertamente, até as
sessões do congresso do partido; mas ninguém qualificará de democrática uma
organização encoberta pelo véu do segredo para todos aqueles que são membros. Por
que então colocar o "princípio de uma ampla democracia", quando a condição essencial
desse princípio, é inexeqüível para uma organização clandestina? Esse "amplo
princípio". no caso, é apenas uma frase sonora, porém oca. E ainda mais. Essa frase
atesta uma incompreensão total das tarefas imediatas em matéria de organização. Todos
sabem que, entre nós, a "grande" massa dos revolucionários guarda mal o segredo.
Vimos com que amargura B.v queixa-se, reclamando com justa razão uma "seleção
rigorosa dos membros" (Rab. Dielo, nº6, p.42). E eis que as pessoas que se vangloriam
de seu "senso das realidades" vêm sublinhar em uma situação semelhante, não a
necessidade de um segredo rigoroso e de uma seleção severa (portanto, mais restrita)
dos membros, mas o "princípio de uma ampla democracia"! É o que se chama "meter os
pés pelas mãos". Em relação ao segundo critério do "democratismo", o princípio eletivo,
as coisas não são melhores. Nos países onde reina a liberdade política, esse fator existe
por si mesmo. "São membros do partido todos aqueles que reconhecem os princípios de
seu programa e apoiam o partido na medida de suas forças", diz o primeiro parágrafo
dos estatutos do partido social-democrata alemão. E como a arena política é visível a
todos, como o palco de um teatro para os espectadores, todos sabem pelos jornais e
assembléias públicas se essa ou aquela pessoa reconhece ou não esses princípios, apoia
o partido ou a ele se opõe. Sabe-se que tal militante político teve esse ou aquele início,
teve essa ou aquela evolução, que em um determinado momento difícil de sua vida
comportou-se de uma determinada maneira, que se distingue por essas ou aquelas
qualidades; além disso, todos os membros do partido podem, com conhecimento de
causa, eleger ou não esse militante para um determinado posto do partido. O controle
geral (no sentido restrito da palavra) de cada passo dado por um membro do partido em
sua carreira política cria um mecanismo que funciona automaticamente, e que assegura
o que em biologia se denomina a "sobrevivência do mais apto". Graças a essa "seleção
natural", resultado de uma publicidade completa, da elegibilidade e do controle geral,
cada militante encontra-se afinal "classificado em seu lugar", assume a tarefa mais
apropriada a suas forças e capacidades, arca ele próprio com todas as conseqüências de
suas faltas, e demonstra diante de todos sua capacidade de tomar consciência de suas
faltas e evitá-las. Tentem encaixar esse quadro na moldura de nossa autocracia! Seria
possível entre nós, que todos aqueles "que reconhecem os princípios do programa do
partido e o sustentam na medida de suas forças", pudessem controlar cada passo dado
pelos revolucionários clandestinos? Que todos fizessem uma escolha entre esses
últimos,, quando o revolucionário é obrigado, no interesse do trabalho, a esconder
aquilo que realmente é de nove entre dez pessoas? Se refletíssemos um pouco no
verdadeiro sentido das frases grandiloqüentes lançadas; pelo Rabótcheie Dielo,
compreenderíamos que o "amplo democratismo" da organização do partido, nas trevas
da autocracia e sob o regime da seleção praticada pelos policiais, "não é senão uma
futilidade prejudicial, pois, de fato, nenhuma organização revolucionária jamais aplicou,
nem poderá aplicar, apesar de toda sua boa vontade, um amplo "democratisrno". E uma
futilidade prejudicial, pois as tentativas para se aplicar de fato o "princípio de uma
ampla democracia" apenas facilitam o grande número de detenções que a polícia realiza,
perpetuam o reinado do trabalho artesana1 desviam o pensamento dos práticos de sua
séria e imperiosa tarefa, que é, "proceder à educação de revolucionários profissionais,
para a redação de detalhados estatutos "burocráticos sobre os sistemas de eleições.
Apenas no estrangeiro, onde freqüentemente se reúnem homens que não têm
possibilidade de realizar um trabalho útil e prático, é que pôde desenvolver-se essa
mania de "brincar de democratismo", sobretudo em grupos pequenos e diferentes. Para
mostrar ao leitor corno é indigna a maneira de proceder do Rabótcheie Dielo, que prega
esse "princípio"' aparentemente verdadeiro que é o "democratismo" no trabalho
revolucionário, mais uma vez recorreremos a uma testemunha. Essa testemunha, E.
Serbriakov. Diretor da revista Nakanune, em Londres, mostra nitidamente uma fraqueza
pelo Rabótcheie Dielo e urna aversão acentuada por Plekhânov e seus
"plekhanovianos"; em seus artigos sobre a cisão Nakanune tomou resolutamente o
partido do Robótcheie Dielo e derramou uma onda de palavras desprezíveis contra
Plekhânov. Por isso o testemunho sobre essa questão nos é tão precioso. No artigo
intitulado "A Propósito do Apelo do Grupo de Autoliberação dos Operários"
(Nakanune, n.º 7 julho de 1899), E. Serebriakov, observando a "inconveniência que
havia em levantar as questões "de prestígio, de primazia, do chamado areópago num
movimento revolucionário sério", escrevia, entre outras coisas: "Mychkine, Rogatchev,
Jehabov, Míkhailov, Perovskaía, Figner e outros nunca se consideraram dirigentes.
Ninguém os elegeu ou nomeou e, no entanto, eram, chefes, pois, tanto período de
propaganda como em período de luta contra o governo, assumiam o trabalho mais
difícil, iam aos lugares mais expostos, e sua atividade era a mais proveitosa. E essa
primazia não era o resultado de seus desejos, mas da confiança dos camaradas que os
rodeavam em sua inteligência, sua energia e seu devotamento. E seria muita
ingenuidade temer um areópago, sei lá qual, (e se ele não for temido, por que fala
nisso?) que dirigisse autoritariamente o movimento. Então, quem o obedeceria?"
Perguntamos ao leitor: Qual a diferença entre um "areópago" e as "tendências
antidemocráticas"? Não é evidente que o princípio de organização aparentemente
verdadeiro do Rabótcheie Dielo é tão ingênuo quanto inconveniente? Ingênuo, porque o
"areópago" ou as pessoas com "tendências antidemocráticas" não serão obedecidas
sinceramente por ninguém, desde o momento que "os camaradas que os cercam não
tiverem confiança em sua inteligência, energia e devotamento".. Inconveniente, como
procedimento demagógico que se aproveite da vaidade de alguns e da ignorância de
outros, do verdadeiro estado de nosso movimento, da falta de preparação e ainda da
ignorância da história do movimento revolucionário. Para os militantes de nosso
movimento, o único princípio sério em matéria de organização deve ser: segredo
rigoroso, escolha rigorosa dos membros, formação de revolucionários profissionais.
Reunidas essas qualidades, teremos algo mais do que o "democratismo": uma confiança
plena e fraternal entre revolucionários. Ora, esse algo a mais nos é absolutamente
necessário, pois, entre nós, na Rússia, não seria possível substituir isso pelo controle
democrático geral. E seria um grande erro acreditar que a impossibilidade de um
controle verdadeiramente "democrático" torna os membros da organização
revolucionária incontroláveis: de fato, estes não têm tempo de pensar nas formas pueris
do "democratismo" ("democratismo" no seio de um núcleo restrito de camaradas entre
os quais, haja plena confiança), mas percebem com muita clareza sua responsabilidade,
e além disso sabem pela própria experiência que, para se livrar de um membro indigno,
uma organização de verdadeiros revolucionários não recuará diante de qualquer meio.
Ademais, existe entre nós, no meio revolucionário russo (e internacional), uma opinião
pública bastante desenvolvida, que tem uma longa história e castiga com rigor
implacável qualquer falta aos deveres de camaradagem (ora, o "democratismo", o
democratismo verdadeiro e não pueril, é um elemento constitutivo dessa noção de
camaradagem!). Levando tudo isso em conta, compreenderemos como esses discursos e
resoluções sobre as "tendências antidemocráticas" exalam o cheiro de porão
característico da emigração, Corri suas pretensões ao generalato! É conveniente notar,
além da ingenuidade, uma outra fonte desses discursos, que também se origina da idéia
confusa que se faz da democracia. A obra do casal Webb sobre os sindicatos ingleses
apresenta um capítulo curioso sobre a "democracia primitiva". Os autores aí narram que
os operários ingleses, no primeiro período de existência de seus sindicatos,
consideravam como condição necessária da democracia a participação de todos os
membros em todos os detalhes da gestão dos sindicatos: não somente todas as 'questões
eram resolvidas pelo voto de todos os membros, mas também as próprias funções eram
exercidas por todos os membros, sucessivamente. Foi preciso uma longa experiência
histórica para que os operários compreendessem o absurdo de tal concepção da
democracia e a necessidade de instituições representativas, de um lado, e de
funcionários profissionais, de outro. Foi preciso que ocorressem inúmeras falências de
caixas sindicais para fazer com que os operários compreendessem que a questão da
relação proporcional entre as cotizações depositadas e os subsídios recebidos não podia
ser decidida apenas pelo voto democrático, e que tal questão também exigia o parecer
de um especialista em seguros. Em seguida, tomem o livro de Kaustsky sobre o
parlamentarismo e a legislação popular, e verão que as conclusões desse teórico
marxista concordam com os ensinamentos advindos da longa prática dos operários
"espontaneamente" unidos. Kautsky ergue-se resolutamente contra a concepção
primitiva da democracia de Rittinghausen, zomba das pessoas prontas a reclamar, em
nome dessa democracia, de "os jornais populares serem redigidos pelo próprio povo",
prova a necessidade de jornalistas, de parlamentares profissionais etc., para a direção
social democrata da luta de classe do proletariado , "ataca o socialismo dos anarquistas e
dos literatos" que, "visando o efeito", pregam a legislação popular direta e não
compreendem que sua aplicação é muito relativa na sociedade atual. Aqueles que
trabalham praticamente em nosso movimento, sabem como a concepção "primitiva" da
democracia difundiu-se amplamente entre a juventude estudantil e os operários. Não é
de surpreender que essa concepção também invada os estatutos e a literatura. Os
"economistas" do tipo bernisteiniano escreviam em seus estatutos: "§ 10. Todos os
casos que interessem à organização como um todo serão decididos por maioria dos
votos de todos os seus membros". Os "economistas" do tipo terroristas repetem atrás
deles: "É preciso que as decisões dos comitês tenham passado por todos os círculos
antes de se tornarem decisões válidas" (Svoboda, n.º 1, P. 67). Observem que essa
reivindicação relativa à aplicação ampla do referendo é acrescentada à que deseja que
toda a organização seja construída sobre o princípio eletivo! Longe de nós, bem
entendido, a idéia de condenar por isso os práticos que tiveram tão pouca possibilidade
de se iniciarem na teoria e na prática de organizações. verdadeiramente democráticas.
Mas quando o Rabótcheie Dielo, que aspira a um papel de dirigente, limita-se em
condições semelhantes a uma resolução sobre o princípio de uma ampla democracia,
por que não dizer de forma simples que "visa o efeito"?
f) O Trabalho à Escala Local e Nacional
Se as objeções de "não-democratismo" e de caráter de conspiração, dirigidas à
organização cujo plano foi exposto aqui, estão destituídas de qualquer fundamento, resta
ainda uma questão que freqüentemente é levantada e merece exame detalhado. É o
problema da relação entre o trabalho local e o trabalho em escala nacional.. A formação
de uma organização centralizada, pergunta-se com inquietude, não levará ao
deslocamento do centro de gravidade do primeiro em direção ao segundo? Isto não
prejudicará o movimento, visto que nossa ligação com a massa operária será
enfraquecida e, de maneira geral, também será abalada a estabilidade da agitação local?
A isso responderemos que, nesses últimos anos, nosso movimento ressente-se
precisamente do fato de os militantes locais estarem excessivamente absorvidos pelo
trabalho local; que é absolutamente necessário, por conseguinte, deslocar um pouco o
centro de gravidade em direção ao trabalho em escala nacional; que esse deslocamento
longe de enfraquecer, apenas reforçará nossa ligação com a massa e a estabilidade de
nossa agitação local. Tomemos a questão do órgão central e dos órgãos locais; pedimos
ao leitor não se esquecer que a imprensa, para nós, é apenas um exemplo que ilustra a
ação revolucionária infinitamente maior e diversa, em geral. No primeiro período do
movimento de massa (1896-1898); os militantes locais fizeram uma tentativa de criar
um órgão para toda a Rússia: a Rabótchaia Gazeta; no período seguinte (1898-1900), o
movimento deu um grande passo à frente, mas a atenção dos dirigentes estava
inteiramente absorvida pelos órgãos locais. Se todos esses órgãos locais fossem levados
em conta, verificar-se-ia(11) que, em números redondos, publicava-se um número por
mês. Tal ilustração não é representativa de nosso trabalho artesanal? Isso não mostra de
forma evidente que nossa organização revolucionária retarda-se em relação ao impulso
espontâneo do movimento? Se a própria quantidade de números de jornais tivesse sido
publicada não por grupos locais dispersos, mas por uma única organização, não somente
teríamos economizado quantidade de forças, mas também nosso trabalho teria sido
infinitamente mais estável e contínuo. Eis uma constatação bastante simples
freqüentemente esquecida pelos práticos. que trabalham ativamente de uma forma quase
que exclusiva nos órgãos locais (infelizmente, isto ocorre ainda hoje na grande maioria
das vezes) e pelos publicistas que aqui dão provas de um espantoso quixotismo. O
prático contenta-se comumente em objetar que é "difícil"(12) para os militantes locais
ocuparem-se em montar um jornal para todo o país, e que é melhor Ter jornais locais do
que não ter nenhum. Naturalmente, isto é perfeitamente correto, e para reconhecer a
enorme importância e utilidade dos órgãos locais em geral, não necessitamos da
advertência de nenhum prático. Mas não é essa a questão; trata-se de saber se não é
possível remediar essa dispersão, esse trabalho rudimentar, que o aparecimento de trinta
números de jornais locais em toda a Rússia, nesses dois anos e meio, atesta de maneira
tão clara. Portanto, não se contentem com uma tese incontestável, porém demasiado
geral, sobre a utilidade dos jornais locais em geral; tenham também coragem de
reconhecer abertamente seus lados negativos revelados pela experiência de dois anos e
meio. Essa experiência atesta que, dadas as nossas condições, os jornais locais, na maior
parte dos casos, são instáveis do ponto de vista dos princípios, não têm penetração
política, são excessivamente onerosos no que diz respeito ao dispêndio de forças
revolucionárias, e absolutamente insatisfatórios do ponto de vista técnico (não me
refiro, bem entendido, à técnica de impressão, mas à freqüência e regularidade da
publicação). E todos esses defeitos indicados não constituem obra do acaso, mas o
resultado inevitável, desse esfacelamento que, de um lado, explica a predominância dos
jornais locais no período examinado e, de outro lado, é sustentado por essa
predominância. Uma organização local, por si mesma, não pode assegurar a estabilidade
de seu jornal do ponto de vista dos princípios e elevá-lo ao nível de um órgão político;
não pode, por si própria, reunir e utilizar documentação suficiente para esclarecer toda a
nossa vida política. Quanto ao argumento ao qual geralmente se recorre nos países livres
para justificar a necessidade de numerosos jornais locais - o fato de terem preços
módicos, por serem impressos pelos operários do lugar, e de apresentarem maior
amplitude e rapidez de informações à população - esse argumento, conforme o
demonstra a experiência, volta-se entre nós contra os jornais locais. Esses últimos
custam demasiado caro, em relação ao dispêndio de forças revolucionárias, e aparecem
em intervalos extremamente espaçados pela simples razão de que um jornal ilegal, por
menor que seja, exige um enorme aparelho clandestino, que é possível montar em um
grande centro fabril, porém, impossível na oficina do artesão. O caráter rudimentar do
aparelho clandestino permite ordinariamente (todo militante conhece inúmeros
exemplos desse gênero) à polícia realizar prisões em massa, após o aparecimento e a
divulgação de um ou dois números, e destruir às coisas a ponto de ser preciso recomeçar
tudo de novo. Um bom aparelho clandestino exige, uma boa preparação profissional dos
revolucionários e uma divisão rigorosamente lógica do trabalho. Duas condições
absolutamente impossíveis para uma organização local, por mais forte que seja em um
determinado momento. Sem falar dos interesses de nosso movimento como um todo
(educação socialista e uma política operária conseqüente), não é através dos órgãos
locais que os interesses especificamente locais são melhor defendidos; apenas à
primeira vista isto poderia parecer um paradoxo; mas, na realidade, é um fato
irrefutavelmente provado pela experiência de dois anos e meio de, que já falamos. Todo
mundo concordará que, se todas as forças locais que publicaram trinta números de
jornais tivessem trabalhado para um único jornal, esse teria facilmente chegado a
sessenta, senão a cem números e, por conseguinte, teria refletido de forma mais
completa todas as particularidades puramente locais do movimento. Na verdade, não é
fácil atingir esse grau de organização, mas também é preciso que tomemos consciência
de sua necessidade, que cada círculo local pense e trabalhe ativamente nesse sentido,
sem esperar um impulso de fora, sem se deixar seduzir pela acessibilidade, pela
proximidade de um órgão local, proximidade que é em grande parte ilusória, como o
demonstra nossa experiência revolucionária. E os publicistas, que não percebem tal
caráter ilusório, acreditam estarem especialmente próximos dos práticos, e se esquivam
com o raciocínio espantosamente fácil e vazio da necessidade de jornais locais, jornais
regionais, jornais para toda a Rússia, prestam assim precários serviços ao trabalho
prático. Em princípio, tudo isso é necessário, evidentemente, mas é preciso pensar
também nas condições do meio e do momento, quando se aborda um problema concreto
de organização. De fato, não é quixotismo dizer, como a Svoboda (nº 1, p. 68), ao
"tratar especificamente a questão do jornal" que: "Em nossa opinião, toda aglomeração
operária algo significativa deve ter seu próprio jornal. Seu próprio jornal feito por ela, e
não trazido de fora". Se esse publicista não quer refletir no sentido de suas palavras, que
o leitor ao menos reflita por ele: quantas dezenas, ou centenas, "de aglomerações
operárias algo significativas" não existem na Rússia, e como nossos métodos artesanais
seriam perpetuados se toda organização local começasse realmente a editar seu próprio
jornal! Como esse fracionamento facilitaria o trabalho da policia: prender sem nenhum
esforço "considerável" "os militantes locais no início de sua atividade, antes que
tivessem tempo de se transformar em verdadeiros revolucionários! Em um jornal para
toda a Rússia, continua o autor, não seriam de todo interessantes as tramas dos
fabricantes e "os pequenos fatos da vida de fábrica em outras cidades que não a do
leitor", mas "o habitante de Orel não se aborrecerá ao ler o que se passa em Orel. Em
cada ocasião pode reconhecer aqueles que 'foram pilhados', os que foram 'perseguidos' e
sua mente trabalha" (p. 69). Sim, naturalmente a mente do habitante de Orel trabalha,
mas a imaginação do nosso publicista também "trabalha" demasiadamente. É oportuno
defender assim semelhante mesquinharia? É nisso que deveria refletir. Naturalmente as
revelações sobre a vida das fábricas são necessárias e importantes, isso reconhecemos
melhor que ninguém, mas é preciso lembrar que chegamos a uma situação em que os
habitantes de Petersburgo já se cansaram de ler a correspondência petersburguesa do
jornal petersburguês Rabótchaia Mysl. Para as revelações do que ocorre nas fábricas
sempre tivemos e sempre deveremos ter as folhas volantes, mas quanto ao tipo do nosso
jornal, devemos elevá-lo e não rebaixa-lo ao nível de uma folha volante de fábrica.
Quando se trata de um "jornal", é preciso revelar não tanto os "pequenos fatos" como os
defeitos essenciais, particulares à vida da fábrica, revelações à base de exemplos
relevantes e, por conseguinte, suscetíveis de interessar a todos os operários e dirigentes
do movimento, enriquecendo verdadeiramente seus conhecimentos, alargando seu
horizonte, despertando uma nova região, uma nova categoria profissional de operários.
"Em seguida, no jornal local pode-se apreender in loco, ainda quentes, todas as tramas
da hierarquia da fábrica ou das autoridades. Ao contrário, com um jornal central,
distante, a notícia demoraria a chegar, e quando o jornal saísse o acontecimento estaria
esquecido: "Quando foi isto, que vá pró diabo quem se lembra!" (Mid). Precisamente:
para o diabo quem se lembra! Segundo a mesma fonte, os trinta números publicados em
dois anos e meio vêm de seis cidades. Isto significa que, em média, há um número a
cada seis meses por cidade! Supondo mesmo que nosso publicista, irrefletidamente,
triplica o rendimento do trabalho local (o que seria, absolutamente falso para uma
cidade média, pois nossos métodos artesanais impedem um aumento sensível do
rendimento), teremos apenas um número a cada dois meses; portanto, não seria possível
"aprender ainda quentes" as notícias: Porém, bastaria que dez organizações locais se
unissem e confiassem a seus delegados a função ativa de organizar um jornal comum,
para que fosse possível "apreender" não somente os pequenos fatos, mas os abusos
gritantes e típicos de toda a Rússia e isto a cada quinze dias. Aqueles que conhecem a
situação em nossas organizações não podem duvidar disso. Quanto a surpreender o
inimigo em flagrante delito, se isto for levado a sério e não somente pela beleza do
estilo, um jornal ilegal não poderia sequer pensar nisso: isto pode ser feito apenas
através de folhas volantes, pois a maior parte das vezes, dispõe-se apenas de um ou dois
dias (por exemplo, quando se trata de uma greve comum e curta, de um tumulto na
fábrica, de uma manifestação qualquer etc.). "O operário não vive apenas na fábrica,
vive também na cidade" prossegue nosso autor, passando do particular para o geral com
um rigoroso espírito de seqüência que honraria ao próprio Bóris Kritchévski. E indica as
questões a tratar: as dumas municipais, hospitais, escolas, e declara que um jornal
operário não poderia silenciar sobre os assuntos municipais. Tal condição é, em si,
excelente, mas mostra bem as abstrações vazias de sentido com as quais nos
contentemos com tanta freqüência quando se trata de jornais locais. Primeiro, se em
"toda organização operária algo significativa" fossem fundados de fato jornais com uma
seção municipal tão pormenorizada como quer a Svoboda, isso infalivelmente
degeneraria em verdadeiras mesquinharias, em nossas condições russas, enfraqueceria o
sentimento que temos sobre a importância de uma investida revolucionária de toda a
Rússia contra a autocracia; reforçaria os germes bastante resistentes - antes
dissimulados ou reprimidos do que extirpados - da tendência tornada célebre pela
famosa frase sobre os revolucionários que falam muito de parlamento inexistente, e
pouco das dumas municipais existentes. Infalivelmente, dizemos acentuando assim que
não é isso que a Svoboda deseja, mas o contrário. Não bastam as boas intenções. Para
que os assuntos municipais sejam tratados sob uma perspectiva apropriada ao conjunto
de nosso trabalho, é preciso, primeiro, que essa perspectiva seja perfeitamente definida,
firmemente estabelecida não pelos simples raciocínios, mas também por inúmeros
exemplos; é preciso que adquira a solidez de uma tradição. Ainda estamos longe disso, e
portanto é preciso começar daí, antes que se possa pensar em uma grande imprensa
local, ou dela falar. Em segundo lugar, para escrever verdadeiramente bem e de forma
interessante sobre os assuntos municipais, é preciso conhecê-los bem, e não apenas
através dos livros. Ora, em toda a Rússia, quase não há sociais-democratas que possuam
esse conhecimento. Para escrever em um jornal (e não em uma brochura popular) sobre
os assuntos da cidade e do Estado, é preciso ter uma documentação nova, múltipla,
recolhida e elaborada por homens competentes. Ora, para recolher e elaborar
semelhante documentação, não basta a "democracia primitiva" de um círculo primitivo,
no qual todo mundo se ocupa de tudo e se diverte com referendos. Para isso, é preciso
um estado-maior de escritores especializados, de correspondentes especializados, um
exército de repórteres sociais-democratas que estabeleçam relações de todos os lados,
saibam penetrar até nos menores "segredos de Estado"(dos quais o funcionário russo
tanto se gaba e com tanta facilidade divulga). introduzir-se em todos os "bastidores", um
exército de pessoas obrigadas "pelas suas funções" a serem onipresentes e oniscientes. E
nós, Partido de luta contra toda opressão econômica, política, social, nacional, podemos
e devemos encontrar, reunir, instruir, mobilizar e pôr em marcha esse exército de
homens oniscientes. Porém, isto ainda precisa ser feito! Ora, nada temos realizado nesse
sentido, na maior parte das localidades, e, freqüentemente, tampouco temos consciência
dessa necessidade. Procurem em nossa imprensa social-democrata artigos vivos e
interessantes, notícias que revelem nossos assuntos diplomáticos, militares, religiosos,
municipais, financeiros etc., grandes ou pequenos; quase nada ou muito pouco será
encontrado(13). Por isso, "fico terrivelmente irritado quando alguém vem me dizer uma
série de coisas muito lindas e notáveis" sobre a necessidade de haver, "em toda
aglomeração operária algo significativo", jornais que denunciem os abusos que ocorrem
nas fábricas, na administração municipal, e no Estado! A predominância da imprensa
local sobre a imprensa central é um indício de miséria ou opulência. De miséria. quando
o movimento ainda não forneceu forças suficientes para a produção em grande escala,
quando ainda vegeta nos métodos artesanais e está quase imerso nos "pequenos fatos da
vida de fábrica". De opulência, quando o movimento já teve êxito completo em cumprir
suas múltiplas tarefas de divulgação e de agitação, e surge a necessidade de se ter,
paralelamente a um órgão central, numerosos órgãos locais. Quanto ao significado da
preponderância dos órgãos locais, entre nós, no momento atual, deixo a cada um a
preocupação de decidir. Quanto a mim, para evitar qualquer mal-entendido, formularei
de forma precisa minha conclusão. Até agora, a maioria de nossas organizações locais
pensa quase que exclusivamente nos órgãos locais: ocupam-se ativamente apenas desses
últimos. Isto não é normal. Ao contrário, é preciso que a maioria das organizações
locais pense principalmente na criação de um órgão para toda a Rússia. que disso se
ocupe. Enquanto não for assim, não poderemos publicar nem mesmo um único jornal
que seja capaz de servir verdadeiramente o movimento, através de uma grande agitação
pela imprensa. E quando isso ocorrer, as relações normais entre o órgão central
indispensável e os indispensáveis órgãos locais serão estabelecidas por si próprias. À
primeira vista pode parecer que a necessidade de deslocar o centro de gravidade, do
trabalho local para o trabalho em escala nacional, não é indicada no terreno da luta
econômica pura. Aqui, o inimigo direto dos operários é representado pelos
empregadores isolados ou grupos de empregadores não ligados entre si por uma
organização que lembre, mesmo longinquamente, uma organização puramente militar,
estritamente centralizada, dirigida nos menores detalhes por uma vontade única, como é
a organização do governo russo, nosso inimigo direto na luta política. Mas, não é assim,
A luta econômica - já dissemos milhares de vezes - é uma luta profissional, e por isso
exige o agrupamento dos operários por profissão, e não unicamente por lugar de
trabalho, E esse agrupamento profissional é tanto mais urgente quanto maior for a
precipitação dos empregadores em se agruparem em sociedades e sindicatos de toda a
espécie. Nosso fracionamento e nossos métodos artesanais entravam nitidamente essa
reunião, que necessita de uma organização de revolucionários única para toda a Rússia e
capaz de assumir a direção de associações profissionais operárias em escala nacional.
Expusemos acima o tipo de organização apropriada; acrescentaremos a seguir algumas
palavras apenas em relação à nossa imprensa. Ninguém contesta que todo jornal socialdernocrata
deva trazer uma seção dedicada à luta profissional (econômica). Mas o
crescimento do movimento profissional nos obriga a pensar também na criação de uma
imprensa profissional. Contudo, parece-nos que, com raras exceções, ainda não é
possível colocar, na Rússia, tal questão: isto é um luxo, e freqüentemente nos falta o pão
de cada dia. Em matéria de imprensa profissional, a melhor forma adaptada às
condições atuais do trabalho ilegal, a forma desde hoje necessária, seria a brochura,
profissional. Aí deveria ser coletada e agrupada sistematicamente a documentação
legal(14) e ilegal sobre as condições de trabalho nessa ou naquela profissão, o que
distingue a esse respeito as diferentes regiões da Rússia, as principais reivindicações dos
operários de uma dada profissão, as insuficiências da legislação a que ela se refere;
sobre os exemplos mais relevantes da luta econômica dos operários dessa ou daquela
corporação; sobre o início, o estado atual e as necessidades de sua organização sindical
etc. Inicialmente, essas brochuras dispensariam, que nossa imprensa social-democrata
fornecesse uma série de detalhes profissionais que interessassem especialmente os
operários de uma determinada profissão; em seguida, reproduziriam os resultados de
nossa experiência na luta sindical, conservariam a documentação coletada, que hoje
literalmente se perde na massa de folhas volantes e publicações fragmentárias;
generalizariam essa documentação. Em terceiro lugar, poderiam servir, de, alguma
forma, como guia para os agitadores, uma vez que as condições de trabalho modificamse
de forma relativamente lenta, e as reivindicações essenciais dos operários de uma
determinada profissão são muito estáveis (comparem as reivindicações dos tecelões da
região de Moscou, em 1885, e as da região de Petersburgo, em 1896). O resumo dessas
reivindicações e necessidades poderia constituir, durante anos, um excelente manual
para a agitação econômica nas localidades atrasadas ou entre as categorias de operários
mais atrasadas. Os exemplos de greves vitoriosas, em determinada região, os dados
ilustrando um nível superior de vida, de melhores condições de trabalho numa
determinada localidade, encorajariam os operários de outras localidades a novas lutas.
Enfim, tomando a iniciativa de generalizar a luta profissional e reforçando, assim, a
ligação do movimento profissional russo com o socialismo, a social-democracia
trabalharia simultaneamente para que nossa ação sindical ocupasse um lugar nem muito
grande nem muito pequeno no conjunto de nosso trabalho social-democrata. É muito
difícil, quase impossível, para uma organização local, isolada das organizações; de
outras cidades, observar em justa proporção esse aspecto (e o exemplo da Rabótchaia
Mysl indica o monstruoso exagero a que se pode chegar, em termos de sindicalismo).
Mas uma organização de revolucionários para toda a Rússia, que se mantenha
deliberadamente ligada ao ponto de vista do marxismo, dirija toda a luta ponto de vista
do marxismo, dirija toda a luta política e disponha de um estado-maior de agitadores
profissionais, jamais terá dificuldades para estabelecer essa justa proporção.
Capítulo 5 - Plano de um Jornal Público para Toda a
Rússia
"0 maior erro do Iskra nesse aspecto", escreve B. Kritchévski que nos censura pela
tendência de, "isolando a teoria da prática, transformar a primeira numa doutrina morta"
(Rab. Dielo, nº 10, p. 30), "é o seu 'plano' de uma organização geral do Partido" (isto é,
o artigo "Por Onde Começar?"). Martynov lhe faz coro e declara que "a tendência do
Iskra em diminuir a importância da marcha progressiva da obscura luta cotidiana, em
relação à propaganda de idéias brilhantes e acabadas... foi coroada pelo plano de
organização do partido, proposto no artigo "Por Onde Começar?" publicado no número
4 desse jornal" (Idem, p. 61). Enfim, ultimamente, àqueles a quem esse "plano" agastou
(as aspas exprimem a ironia quanto a isso),juntou-se L. Nadejdine que, em uma
brochura que acabamos de receber - Às Vésperas da Revolução (editada pelo "grupo
revolucionário socialista" Svoboda, que já conhecemos) - declara que "falar agora de
uma organização cujos fios seriam atados a um jornal para toda a Rússia, é produzir em
profusão ideias abstratas e um trabalho de gabinete" (p. 126), é fazer "literatura
falsificada" etc. A solidariedade de nosso terrorista com os partidários da "marcha
progressiva da obscura luta quotidiana" não nos poderia espantar: indicamos as raízes
desse parentesco nos capítulos sobre a política e a organização. Mas, desde já devemos
observar que L. Nadejdine, e somente ele, tentou conscienciosamente penetrar no
sentido do artigo que lhe desagradou, ao qual tentou responder em profundidade,
enquanto o Rab. Dielo nada disse de profundo e apenas procurou confundir a questão
através de uma série de procedimentos demagógicos indignos. E por mais desagradável
que seja, é preciso primeiro perder tempo para limpar as estrebarias de Augias.
a) Quem se Escandalizou com o Artigo "Por Onde Começar"
Vamos citar o rosário de expressões e exclamações que o Rabótcheie Dielo lançou
sobre nós. "Não é um jornal que pode criar a organização do Partido, mas, sim, o
contrário"... "Um jornal colocado acima do Partido, fora de seu controle e independente
do Partido graças à sua própria rede de agentes"... "Qual foi o milagre que fez com que
o Iskra esquecesse as organizações sociais-democratas já existentes de fato no Partido
ao qual ele próprio pertence?"... "Os que possuem firmes princípios e um plano
apropriado são também os, supremos reguladores da luta real do partido, ao qual ditam a
execução do seu plano"... "O plano relega nossas organizações tão reais e viáveis ao
reino das trevas, e quer dar vida a uma rede fantástica de agentes"... "Se o plano do
Iskra fosse executado, acabaria por apagar inteiramente os traços do Partido Operário
Social-Democrata da Rússia, em vias de formação entre nós"... "O órgão de propaganda
torna-se um legislador incontrolado, autocrata, de toda a luta revolucionária prática"...
"O que deve pensar nosso partido sobre sua submissão absoluta a uma redação
autônoma" etc. etc. Como o conteúdo e o tom dessas citações mostram ao leitor, o
Rabótcheie Dielo escandalizou-se. Entretanto, escandalizou-se não por si próprio, mas
pelas organizações e comitês de nosso Partido que o Iskra pretensamente pretende
relegar ao reino das trevas e até fazer apagar os seus traços. Que horror, pensam vocês!
Apenas uma coisa é estranha. O artigo "Por Onde Começar?" apareceu em maio de
1901; os artigos do Rabótcheie Dielo, em setembro de 1901; ora, já estamos na metade
de janeiro de 1902. Durante todos esses cinco meses (tanto antes como depois de
setembro) nenhum comitê e nenhuma organização levantaram protesto formal contra
essa coisa monstruosa, que quer relegar comitês e organizações ao reino das trevas! Ora,
durante esse tempo, o Iskra e a grande maioria das outras publicações locais e não locais
publicaram dezenas e centenas de informações vindas de todos os pontos da Rússia.
Como pôde acontecer que aqueles que se quer relegar ao reino das trevas não tenham se
apercebido nem escandalizado com tal coisa, mas, sim, que uma terceira pessoa tenha
sido melindrada? Isso ocorreu porque os comitês e as outras organizações não brincam
de "democratismo", mas realizam trabalho útil. Os comitês leram o artigo "Por Onde
Começar?", e perceberam que constituía uma tentativa de "traçar o plano de uma
organização de modo a poder começar sua construção de todos os lados, e ao mesmo
tempo" e como sabiam e compreendiam perfeitamente que nenhum "desses lados"
pensava em "empreender a construção", antes, de se convencer de sua necessidade e da
realidade do plano arquitetônico, naturalmente nem me smo pensaram em
"escandalizar-se" com a extrema audácia dos homens que declararam no Iskra o
seguinte: "Dada a urgência e a importância dessa questão, decidimos, de nossa parte,
submeter à consideração dos camaradas o esboço de um plano que desenvolveremos de
forma mais detalhada em uma brochura já em preparo. "Seria possível, de fato, quando
se considera seriamente tal questão, não compreender que se os camaradas aceitassem o
plano que lhes era oferecido, executá-lo-iam não por "submissão", mas porque estavam
convencidos de sua necessidade para nossa causa comum, e se não o aceitassem, o
"esboço" (que palavra pretensiosa, não é mesmo?) não permaneceria um simples
esboço? Na verdade, não constitui demagogia o fato de se declarar guerra a um esboço
de plano, não apenas "demolindo-o completamente" e aconselhando aos camaradas a
rejeitá-lo, mas ainda voltando os homens pouco competentes em matéria de revolução
contra os autores do esboço, pelo simples fato de, ousarem legislar", de se colocarem
como "reguladores supremos", isto é ousarem pregar um esboço de plano? Nosso
partido pode desenvolver-se e seguir adiante, quando uma tentativa de elevar os
militantes locais para concepções e objetivos de planos mais amplos etc., recebe
objeções não somente porque essas concepções parecem falsas, mas também fica-se
"escandalizado" pela "preocupação" de nos elevarmos? Assim, L. Nadejdine, por
exemplo, também "demoliu completamente" nosso plano, mas não se deixou levar por
uma demagogia que não poderia ser explicada senão pela ingenuidade ou pelo caráter
primitivo das concepções políticas; desde o início repudiou deliberadamente a acusação
de se colocarem "inspetores do Partido" para esse fim. Portanto, pode-se e deve-se
responder em profundidade a crítica do plano feita por Nadejdine, e responder ao
Rabótcheie Dielo apenas com o desprezo. Mas o desprezo pelo escritor que se rebaixa a
ponto de censurar a "autocracia" e a "submissão", não nos dispensa da obrigação de
desfazer a confusão que essas pessoas criam no leitor. Aqui, podemos demonstrar
claramente a todos, de que qualidade são essas frases correntes sobre a "ampla
democracia". Acusam-nos de esquecer os comitês, de querer ou tentar relegá-los ao
reino das trevas etc. O que responder a essas acusações, quando não podemos contar ao
leitor quase nada de real sobre nossas relações práticas com os comitês - por razões
ligadas à conspiração? As pessoas que lançam uma acusação áspera, que irrita a
multidão, levam vantagem por sua desenvoltura, pelo desdém demonstrado pelos
deveres do revolucionário, que esconde cuidadosamente dos olhos do mundo as relações
e ligações que realiza, que estabelece ou procura estabelecer. Compreende-se porque
renunciamos de uma vez por todas a competir com essas pessoas no campo da
"democracia". Quanto ao leitor não iniciado em todos os assuntos do Partido, o único
meio de preencher nosso dever em relação a ele, é contar não o que existe ou o que se
encontra im Werden, mas uma pequena parte do que já aconteceu, e já se pode falar
como coisa passada. O Bund faz alusão à nossa "usurpação"(1); a "União" sediada no
estrangeiro nos acusa de querer fazer desaparecer os traços do Partido. Olhem,
Senhores, terão plena satisfação quando expusermos ao público quatro fatos extraídos
do passado. O primeiro fato(2). Os membros de uma das "Uniões de luta", que tiveram
participação direta na formação de nosso Partido e no envio de um delegado ao
congresso que fundou o Partido, entenderam-se com um dos membros do grupo Iskra
para criar uma biblioteca operária especial a fim de atender às necessidades de todo o
movimento operário. Não se conseguiu criar uma biblioteca operária e as brochuras
escritas para ela, As Tarefas dos Sociais-Democratas Russos e A Nova Lei Operária,
chegaram por vias transversas e por intermédio de terceiros ao estrangeiro, onde foram
impressas. O segundo fato. Os membros do Comitê Central do Bund propuseram a um
dos membros do grupo Iskra montar, como então se expressou o Bund, um "laboratório
literário". E lembraram que se isso não fosse conseguido, nosso movimento poderia
sofrer um recuo sensível. A brochura intitulada A Causa Operária na Rússia(3) foi a
conseqüência das negociações. O terceiro fato. O Comitê Central do Bund, por
intermédio de uma pequena cidade de província, propôs a um dos membros do Iskra
assumir a direção da Rabótchaia Gazeta a ser reinstituída; a proposta naturalmente foi
aceita, e depois modificada; foi proposta a colaboração, uma nova combinação com a
intervenção da redação. E, naturalmente. nova aceitação. Foram enviados artigos (que
se conseguiu conservar): "Nosso Programa" - com um protesto direto contra a
"bernsteiniada" e a reviravolta ocorrida na literatura legal e na Rabótchaia Mysl; "Nossa
Tarefa Imediata" ("a organização de um órgão do partido que apareça regularmente, e
esteja estreitamente ligado a todos os grupos locais", as insuficiências do "trabalho
artesanal" predominante); "Uma Questão Urgente" (análise da objeção segundo a qual é
preciso, primeiro, desenvolver a ação dos grupos locais, antes de se proceder à ação de
um órgão comum; insistia-se sobre a importância primordial da "organização
revolucionária", - sobre a necessidade de trazer para a organização, a disciplina, e a
técnica do trabalho clandestina elevada à mais alta perfeição"). A proposta de fazer
reaparecer a Rabótchaia Gazeta não foi realizada, e os artigos não foram impressos. O
quarto fato. O membro do Comitê, que organizou o segundo congresso ordinário de
nosso Partido, deu conhecimento a um membro do grupo Iskra do programa do
congresso, e propôs a candidatura desse grupo para as funções de redator da Rabótchaia
Gazeta a ser reinstituída. Tal providência, por assim dizer preliminar, foi em seguida
sancionada também pelo Comitê ao qual pertencia, bem como pelo Comitê central do
Bund; o grupo Iskra foi informado do lugar e da data do congresso, e (não fora
assegurada, por determinadas razões, a possibilidade de enviar um delegado a esse
congresso) também redigiu um relatório escrito especialmente para o congresso. O
relatório exprimia a idéia de que a eleição do comitê central, em si, não nos permitiria
resolver o problema da união nesse período de plena dispersão que vivemos, mas que,
no caso de ocorrerem novas ondas de prisões, o que é mais do que provável que
aconteça nas atuais e precárias condições do trabalho clandestino, ainda assim
arriscaríamos a comprometer uma grande idéia: fundar um partido; era preciso,
portanto, começar convidando todos os comitês e todas as outras organizações para
apoiar o órgão comum reinstituído, que realmente ligaria todos os comitês através de
laços efetivos, e prepararia realmente um grupo que assumiria a direção de todo o
conjunto do movimento; os comitês e o Partido poderiam, então, transformar facilmente
esse grupo criado pelos comitês em um comitê central, a partir do momento em que esse
grupo crescesse e adquirisse forças. O congresso, entretanto, não pôde reunir-se por
causa de uma série de detenções, e o relatório foi destruído por questões de segurança,
após ter sido lido apenas por alguns camaradas, entre eles os delegados de um comitê.
Agora, julgue o próprio leitor sobre a natureza de métodos como a alusão à usurpação,
da parte do Bund, ou o argumento do Rabótcheie Dielo, que pretende termos nós
proposto relegar os comitês ao reino das trevas, "substituir" a organização do Partido
pela organização da difusão das idéias de um jornal. Sim, foi justamente perante esses
comitês, após vários convites que deles partiram, que apresentamos relatórios sobre a
necessidade de aceitar um determinado plano de trabalho comum. Foi justamente para a
organização do Partido que elaboramos esse plano nos artigos destinados à Rabótchaia
Gazeta e em um relatório para o congresso do Partido, e isso após termos sido
convidados por aqueles que ocupavam posição tão influente no Partido, que assumiam a
iniciativa de sua reconstituição (prática). E foi após o fracasso definitivo da nova
tentativa de organização do Partido, para que juntamente conosco fosse oficialmente
renovado o órgão central do Partido, que julgamos ser nosso primeiro dever lançar um
órgão não oficial a fim de que, na terceira tentativa, nossos camaradas pudessem ter
diante deles certos resultados advindos da experiência, e não apenas de conjecturas
hipotéticas. No momento atual, certos resultados dessa experiência já se encontram
diante de nossos olhos, e todos os camaradas podem julgar se compreendemos bem
nosso dever e a opinião daqueles que buscam induzir ao erro as pessoas que ignoram o
passado recente, a despeito de termos mostrado a alguns, sua inconseqüência na questão
"nacional", e a outros, a inadmissibilidade das vacilações por falta de princípios.
b) Pode um Jornal Ser um Organizador Colectivo?
O artigo "Por Onde Começar?" apresenta de essencial a colocação precisa dessa questão
e sua resolução afirmativamente. Segundo sabemos, a única pessoa que tentou analisar a
questão em profundidade e provar a necessidade de resolvê-la negativamente foi L.
Nadejdine, cujos argumentos reproduzimos na íntegra: "...A maneira como o Iskra põe
em foco a necessidade de um jornal para toda a Rússia muito nos agrada, mas não
podemos de forma alguma admitir que esse ponto de vista identifique-se ao título do
artigo, "Por Onde Começar?. Inegavelmente isto constitui algo de extrema importância,
mas não é com isso, nem com toda uma série de panfletos populares, nem com uma
montanha de proclamações que os fundamentos de uma organização de combate para
um momento revolucionário podem ser lançados. É preciso abordar a questão da criação
de fortes organizações políticas locais. Não as temos, temos trabalhado sobretudo entre
os operários instruídos, uma vez que as massas foram conduzidas quase que
exclusivamente para a luta econômica. Sem fortes organizações políticas locais bem
treinadas, de que serviria um jornal para toda a Rússia, mesmo que fosse perfeitamente
organizado? Uma sarça ardente que queima sem se consumir, e que não inflama a
ninguém! Ao redor desse jornal, por esse jornal, o povo reunir-se-á e organizar-se-á
para a ação, assim pensa o Iskra. Mas, isto será feito de modo muito mais rápido através
da reunião e organização em torno de um trabalho mais concreto! Isto pode e deve
consistir na criação de jornais locais em grande escala, na preparação imediata das
forças operárias para manifestações; as organizações locais efetuarão uma ação
constante entre os sem-trabalho (difundir sem cessar, entre eles, folhas volantes e
panfletos; convocar os sem-trabalho para reuniões, exortá-los à resistência ao governo
etc.) É preciso empreender localmente um trabalho político vivo; e quando surgir a
necessidade da união nesse terreno real, não será artificial e não permanecerá no papel.
Não será com jornais que se poderá unificar o trabalho local em um plano comum para
toda a Rússia" (Às Vésperas da Revolução, p. 54). Grifamos nessa passagem eloqüente,
os trechos que permitem melhor apreender a falsa idéia que o autor faz de nosso plano
e, em geral, a falsidade do ponto de vista que ele opõe ao Iskra. Sem organizações
políticas locais, fortes, e bem treinadas, de nada serviria à Rússia o melhor jornal que se
pudesse fazer. Isto é absolutamente correto. Infelizmente, para educar pessoas para
formar organizações políticas fortes não há outro meio senão um jornal para toda a
Rússia. O autor não notou a declaração essencial do Iskra: a que precede a exposição de
seu, "plano"; é preciso "apelar para a construção de uma organização revolucionária
capaz de reunir todas as forças e que seja, não apenas nominalmente, mas também, de
fato, a dirigente do movimento, isto é, uma organização sempre pronta a apoiar cada
protesto e cada explosão, aproveitando-os para aumentar e fortalecer um exército apto
para se dedicar ao combate decisivo" . Agora, prossegue o Iskra, após os
acontecimentos de fevereiro e de março, todo mundo em princípio estará de acordo com
isso; ora, não necessitamos de urna solução que se baseie em princípios, mas de uma
solução prática para a questão. É preciso formular imediatamente um plano preciso de
construção para que, prontamente e de todos os lados, todo o mundo possa empreender
essa construção. Ora, querem arrastar-nos de novo, para trás, afastando-nos da solução
prática, em direção, a essa grande verdade, justa em princípio, incontestável, mas
absolutamente insuficiente e incompreensível para a grande massa dos trabalhadores: "a
formação de organizações políticas fortes". Não se trata mais disso, respeitável autor,
mas da forma conveniente para se proceder precisamente à formação e de fato realizála.
É falso que "tenhamos trabalhado sobretudo entre os operários instruídos, enquanto
as massas conduziam quase que exclusivamente a luta econômica". Sob esta forma, esta
afirmação desvia-se para a tendência radicalmente falsa, que a Svoboda sempre
apresentou, de opor os operários instruídos à "massa". Durante esses últimos anos, os
próprios operários, instruídos também conduziram, entre nós, "de forma quase exclusiva
a luta econômica". Este é o primeiro ponto. Por outro lado, as massas jamais aprenderão
a conduzir a luta política, enquanto não ajudarmos a formar dirigentes para essa luta,
tanto entre os operários instruídos, como entre os intelectuais. Ora, tais dirigentes
apenas podem ser educados iniciando-se na apreciação cotidiana e metódica de todos os
aspectos de nossa vida política, de todas as tentativas de protesto e de luta das diferentes
classes e por diferentes motivos. Por isso, falar de "formação de organizações políticas"
e ao mesmo tempo opor "à trabalheira da papelada" de um jornal político ao "trabalho
político vivo no plano local" é simplesmente ridículo! O Iskra não procura ajustar o
"plano" de seu jornal ao "plano" que consiste em realizar um "grau de preparação" que
permita apoiar ao mesmo tempo o movimento dos sem-trabalho, as revoltas
camponesas, o descontentamento dos membros dos zemstvos, "a cólera da população
contra um bachibuzuque tzarista enfurecido"etc. De fato, todos aqueles que conhecem o
movimento sabem muito bem que a grande maioria das organizações locais nem mesmo
pensa nisso; que muitos dos projetos de "trabalho político vivo", aqui indicados, ainda
não foram executados por nenhuma organização; que, por exemplo, a tentativa de
chamar a atenção para o crescimento do descontentamento e dos protestos entre os
intelectuais dos zemstvos, descontenta também a Nadejdine ("Deus! Não é aos
membros dos zemstvos que esse órgão está dirigido?" Às Vésperas da Revolução, p.
129), aos "economistas" (carta no nº 12 do Iskra) e a numerosos ativistas. Nessas
condições, pode-se "começar" somente por isto: incitando as pessoas a pensar em tudo
isso, a totalizar e a generalizar até as menores manifestações de efervescência e de luta
ativa. Em uma época onde as tarefas da social-dernocracia são depreciadas, não se pode
começar o "trabalho político vivo" senão através de uma agitação política viva, o que é
impossível sem um jornal para toda a Rússia, que apareça freqüentemente e seja
difundido de forma regular. Os que vêem no "plano" do Iskra apenas "literatura", não o
compreenderam em sua essência; tomaram como fim o que se propõe, no momento
presente, como o meio mais indicado. Essas pessoas não se deram ao trabalho de refletir
sobre as duas comparações que ilustram esse plano de maneira relevante. A elaboração
de um jornal político para toda a Rússia - escrevia-se no Iskra - deve ser o fio condutor:
seguindo-o, poderemos desenvolver ininterruptamente essa organização, aprofundá-la e
alargá-la (isto é, a organização revolucionária sempre pronta a apoiar todo protesto e
efervescência). Por favor, digam-me: quando, os pedreiros colocam em diferentes
pontos as pedras de um enorme edifício, de linhas absolutamente originais, esticam um
fio que os ajuda a encontrar o lugar justo para as pedras, que lhes indica o objetivo final
de todo o trabalho, que lhes permite colocar não apenas cada pedra, mas até cada
pedaço de pedra que, cimentado ao que o precedeu e ao que o sucede, formará a linha
definitiva e total. Será isto um trabalho "'de escrita"? Não é evidente que, hoje,
atravessamos em nosso Partido um período em que, possuindo as pedras e os pedreiros,
falta-nos exatamente esse fio que fosse visível para todo o mundo e ao qual cada um
pudesse se ater? Deixemos gritar aqueles que sustentam que, esticando o fio, queremos
é mandar: se assim fosse, Senhores, ao invés de intitularmos nosso jornal de Iskra nº 1,
teríamos utilizado o nome de Rabótchaia Gazeta nº 3, como nos fora proposto por
alguns camaradas e como teríamos pleno direito de fazê-lo, após os acontecimentos
relatados anteriormente. Mas não o fizemos, porque queríamos ter as mãos livres para
combater sem piedade todos os pseudo-sociais-democratas: a partir do momento em que
nosso fio fosse esticado corretamente, queríamos que fosse respeitado por sua própria
retidão, e não por ter sido esticado por um órgão oficial. "A unificação da atividade
local nos órgãos centrais é uma questão que se movimenta em um círculo vicioso", diz
sentenciosamente L. Nadejdine. "Para tal unificação, necessitamos de elementos
homogêneos: ora, essa homogeneidade não pode ser criada senão por algo que a
unifique; mas isto só pode ser o produto de organizações locais fortes que, no momento
presente, não se distinguem exatamente pela homogeneidade". Verdade tão respeitável e
tão incontestável como a que afirma a necessidade de educar pessoas para formar
organizações políticas fortes. Verdade, porém, não menos estéril. Toda questão
"movimenta-se em um círculo vicioso", pois, toda a vida política é uma cadeia sem-fim
composta de um número infinito de elos. A arte do político consiste precisamente em
encontrar o elo e a ele agarrar-se fortemente, o elo mais difícil de escapar das mãos, o
mais importante naquele momento, e que garanta a seu possuidor a melhor forma de
manter toda a cadeia(4). Se tivéssemos uma equipe de pedreiros experientes,
suficientemente solidários para poder colocar as pedras onde é preciso (falando de
forma. a abstrata, isto não é impossível de todo), mesmo sem um cordão de
afinhamento, poderíamos, talvez, agarrar-nos a um outro elo. Entretanto, infelizmente
ainda não temos esses pedreiros experientes e solidários; e, com muita freqüência, as
pedras são colocadas sem alinhamento, ao acaso, a tal ponto deslocadas que basta ao
inimigo um sopro para dispersá-las, não como se fossem pedras, mas sim, grãos de
areia. Outra comparação: "O jornal não é apenas um propagandista coletivo e um
agitador coletivo; é também um organizador coletivo. A esse respeito, pode-se comparálo
aos andaimes que se levantam ao redor de um edifício em construção; constitui o
esboço dos contornos do edifício, facilita as comunicações entre os diferentes
construtores, permitindo-lhes que repartam a tarefa e atinjam o conjunto dos resultados
obtidos pelo trabalho organizado(5). Pode-se realmente dizer que, da parte de um
literato, de um homem especializado no trabalho de gabinete, haveria um exagero de
seu papel? Os andaimes não são de modo algum necessários à construção em si; são
feitos com material da pior qualidade; são utilizados durante um curto período de tempo
e atirados ao fogo antes de estar a obra terminada. No que diz respeito à construção de
organizações revolucionárias, a experiência confirma que, por vezes, é possível
construí-las mesmo sem andaimes - como em 1870-1880. Mas, nesse momento, não
podemos sequer imaginar a possibilidade de construir sem andaimes o edifício de que
necessitamos. Nadejdine não está de acordo com isto, e diz: "Em torno desse jornal, por
esse jornal, o povo reunir-se-á e organizar-se-á para a ação; assim pensa o Iskra. Mas,
isto será feito de modo muito mais rápido através da reunião e da organização em torno
de um trabalho mais concreto!" Certo, certo: "de modo muito mais rápido em torno de
um trabalho mais concreto"... 0 provérbio russo diz: "Não cuspa no poço, pois precisará
da água para saciar a sua sede." Mas há quem não se importe de saciar a sede em poço
onde se cuspiu. Nessa busca do mais concreto, quantas infâmias não foram levados a
dizer e a escrever os nossos notáveis "críticos" legais "do marxismo" e os admiradores
ilegais da Rabótchaia Mysl. Como nosso movimento está comprimido pela nossa
estreiteza, nossa falta de iniciativa e de ousadia, justificadas por argumentos tradicionais
semelhantes àquele que afirma ser muito mais rápido reunir-se em torno de um trabalho
mais concreto! E Nadejdine, que pretende ser particularmente dotado do senso das
"realidades", que condena tão severamente os homens "de gabinete", que (com
pretensões de sagacidade) recrimina o Iskra por sua fraqueza em ver por toda a parte o
"economismo", que imagina estar muito acima dessa divisão em ortodoxos e críticos,
Nadejdine não percebe que, através de seus argumentos, faz o jogo dessa estreiteza que
o indigna, e que também bebe nos poços onde se cuspiu! Sim, a indignação mais sincera
contra a estreiteza, o desejo mais ardente de desiludir aqueles que a reverenciam não são
o bastante, se aquele que se indigna, erra ao sabor dos ventos, sem velas nem leme, e se
se aferra instintivamente", tal como os revolucionários de 1870-1880, ao "terrorismo
excitativo", ao "terrorismo agrário", ao "toque a rebate" etc. Vejamos, agora. em que
consiste esse "algo de mais concreto" em torno do qual, pensa o autor, "será feita de
modo muito mais rápido" a reunião e a organização: 1º) jornais locais; 2º) preparação de
manifestações; 3º) ação entre os sem-trabalho. Vê-se, à primeira vista, que todas essas
coisas foram tomadas ao completo acaso, ao azar, unicamente para dizer alguma coisa,
pois, qualquer que seja o modo com que sejam consideradas, seria um verdadeiro
absurdo que aí se encontrasse algo especialmente suscetível de levar à "reunião e
organização". Além disso, o próprio Nadejdine declara duas páginas adiante: "Já é
tempo de constatarmos simplesmente esse fato: na província o trabalho é ínfimo, os
comitês não fazem um décimo do que poderiam... os centros de unificação que
possuímos, atualmente, são apenas ficção, burocratismo revolucionário, mania geral de
se atacar mutuamente, e assim será enquanto não forem constituídas organizações locais
fortes." Essas palavras, ainda que exageradas, encerram incontestavelmente uma grande
e amarga verdade; mas, como Nadejdine não enxerga, que o trabalho local ínfimo é
resultado da estreiteza de visão dos militantes, da pequena envergadura de sua ação,
coisas inevitáveis devido à falta de preparação dos militantes confinados ao quadro das
organizações locais? Teria esquecido, tal como o autor do artigo publicado, na Svoboda
sobre a organização, que em seus primórdios a formação de uma grande imprensa local
(a partir de 1898) foi acompanhada por uma intensificação especial do "economismo" e
do "trabalho artesanal"? E mesmo que fosse possível organizar de forma conveniente
"uma grande imprensa local" (cuja impossibilidade, salvo raríssimas exceções, já
demonstramos anteriormente), as organizações locais não poderiam "reunir e organizar"
todas as forças de revolucionários para uma ofensiva geral contra a autocracia, para a
direção da luta comum. Não se esqueçam que, aqui, trata-se unicamente de um jornal
como "fator de recrutamento", de organização, e que poderíamos devolver a Nadejdine,
campeão do fracionamento, a questão irônica que ele próprio nos coloca: "Teríamos
recebido como herança 200.000 organizadores revolucionários?" Além disso, não seria
possível opor a preparação de manifestações" ao plano do Iskra, pela simples razão de
esse plano prever justamente as manifestações de maior repercussão como um dos
objetivos a atingir; porém, aqui se trata de escolher o meio prático. Mais uma vez
Nadejdine enveredou por um caminho falso; esqueceu que apenas um exército já
"recrutado e organizado" pode "preparar" manifestações (que até agora, na grande
maioria dos casos, desenrolaram-se de maneira espontânea). Ora, o que exatamente não
sabemos fazer, é recrutar e organizar. "Ação entre os sem-trabalho." Sempre a mesma
confusão, pois aí também se trata de uma operação militar de uma tropa mobilizada, e
não de um plano de mobilização de tropas. Veremos até que ponto Nadejdine ainda
subestima o prejuízo que nos causou nosso fracionamento, a ausência entre nós de
"200.000 organizadores". Muitos (entre eles Nadejdine) recriminaram o Iskra por
fornecer precárias informações sobre o desemprego, e dar apenas notícias fortuitas sobre
as ocorrências mais comuns da vida rural. A recriminação tem fundamento; nesse caso,
porém, o Iskra é "culpado sem ter culpa". Esforçamo-nos para "esticar nosso cordão"
também no campo; mas aí quase não há pedreiros; é preciso que encorajemos todos
aqueles que nos comunicam os fatos, mesmo os mais corriqueiros, na esperança de que
isso aumente o número de nossos colaboradores nesse campo, e que nos ensine, a todos,
a escolher, afinal, os fatos verdadeiramente relevantes. Mas, a documentação para o
estudos é tão restrita que, se não for difundida para toda a, Rússia, decididamente nada
teremos para nos instruir. Naturalmente, um homem que possua algumas das
capacidades de agitador de Nadejdine e seu conhecimento da vida dos vagabundos
poderia, através de agitação efetuada entre os sem-trabalho, prestar serviços
inestimáveis ao movimento; porém, esse homem desperdiçaria seu talento se não se
preocupasse em colocar todos os camaradas russos ao corrente do menor progresso de
sua ação, a fim de dar exemplo e informações às pessoas que, em sua grande maioria,
nem mesmo sabem ainda juntar-se a essa tarefa, que lhes é desconhecida. Hoje, sem
exceção, todos falam da importância que se atribui à unificação, da necessidade de
"recrutar e organizar"; mas a maior parte das vezes não se tem idéias definidas sobre a
questão de saber por onde começar e como realizar essa unificação. Sem dúvida estarão
de acordo que para "unificar", por exemplo, os círculos de bairro de uma cidade, é
preciso que haja instituições comuns, isto é, não apenas o nome comum de "união", mas
um verdadeiro trabalho comum, uma troca de documentação, experiência e forças, uma
partilha de funções para cada atividade dentro da cidade, não somente por bairros, mas
por especialidades. Todo mundo concordará que um aparelho clandestino sério não
poderá realizar seus encargos (se for permitido empregar essa expressão comercial), se
estiver limitado aos "recursos" (materiais e humanos, bem entendido) de um único
bairro, e que o talento de um especialista não poderá ser desenvolvido em campo de
ação tão restrito. Isso também ocorre em relação à união das diferentes cidades, pois a
história de nosso movimento social-democrata já demonstrou e mostra que o campo de
ação de uma localidade isolada é extremamente limitado: isto já foi provado
anteriormente, de forma detalhada, pelo exemplo da agitação política e do trabalho de
organização. É preciso - e indispensável - antes de tudo, alargar esse campo de ação,
criar uma ligação efetiva entre as cidades à base de um trabalho regular comum, pois o
fracionamento reprime as faculdades daqueles que, "encerrados em uma torre" (segundo
a expressão do autor de uma carta ao Iskra), ignoram o que se passa no mundo, não
sabem com quem se informar, como adquirir a experiência, como satisfazer sua sede de
uma ação extensa. E insisto em sustentar que apenas se pode começar a criar essa
ligação efetiva com um jornal comum, empresa única e regular para toda a Rússia, que
resumirá as mais variadas atividades e incitará as pessoas a progredir constantemente
por todos aqueles numerosos caminhos que conduzem à revolução, da mesma forma e
todos os caminhos levam a Roma. Se queremos nos unir não apenas em palavras, é
preciso que cada círculo local imediatamente reserve, digamos, um quarto de suas
forças para a participação ativa na obra comum. E o jornal mostrará prontamente(6) os
contornos gerais, as proporções e o caráter dessa obra; as lacunas que se fazem sentir
mais fortemente na ação conduzida em escala nacional, os lugares onde a agitação é
deficiente e onde a ligação é precária, as engrenagens do imenso mecanismo comum
que o círculo poderia reparar ou substituir por outras melhores. Um círculo, que ainda
não trabalhou e procura fazê-lo, poderia começar não como um artesão isolado em sua
pequena oficina, que não conhece nem a evolução anterior da "indústria", nem o estado
geral dos meios de produção industrial, mas como o colaborador de uma grande
empresa que reflete o impulso revolucionário geral contra a autocracia. E quanto mais
perfeito fosse o acabamento de cada engrenagem, mais numerosos seriam os
trabalhadores empregados nos diferentes detalhes da obra comum, mais densa seria
nossa rede, e menores as inevitáveis detenções a perturbar nossos escalões. A própria
função de difusão do jornal começaria a criar uma ligação efetiva (se esse jornal fosse
digno do nome, isto é, se aparecesse regularmente e não uma vez por mês, como as
grandes revistas, mas cerca de quatro vezes por mês). As relações entre cidades quanto
às necessidades da causa revolucionária são, hoje, muito raras e, quando existem,
constituem exceção; tornar-se-iam, então, uma regra e assegurariam, bem entendido,
não apenas a difusão do jornal, mas também (o que é mais importante) a troca de
experiências, documentação, forças e recursos. O trabalho de organização assumiria
amplitude muito mais considerável, e o sucesso obtido em uma localidade encorajaria
constantemente o aperfeiçoamento do trabalho, incitaria o aproveitamento da
experiência já adquirida pelos camaradas que militassem em outro ponto do país. O
trabalho local ganharia infinitamente em extensão e variedade; as revelações políticas e
econômicas coletadas em toda a Rússia forneceriam o alimento intelectual aos operários
de todas as profissões e todos os graus de desenvolvimento; forneceriam material e
oportunidade para debates e conferências sobre as mais variadas questões, suscitadas,
também, pelas alusões da imprensa legal, pelas conversas em sociedade e pelos
"tímidos" comunicados do governo. Cada explosão, cada manifestação seriam
apreciadas e examinadas sob todos os seus aspectos, em todos os pontos da Rússia;
provocaria o desejo de não se ficar atrás dos outros, de se fazer melhor que os outros -
(nós, socialistas, não recusamos absolutamente qualquer forma de emulação e
"competição"!) - de preparar conscientemente o que antes fora feito de forma
espontânea, de aproveitar as circunstâncias favoráveis de tempo ou de lugar para
modificar o plano de ataque etc. Além disso, essa reanimação do trabalho local não
conduziria a essa tensão desesperada, in extremis, de todas as forças, a esse estado de
alerta de todos os nossos homens, a que nos obriga ordinariamente, hoje, toda
manifestação ou número de jornal local: de um lado, a polícia teria muito mais
dificuldade para descobrir as "raízes", não sabendo em qual localidade procurá-las;de
outro lado, o trabalho comum regular ensinaria os homens a adequar um determinado
ataque ao estado das forças desse ou daquele destacamento de nosso exército comum (o
que, hoje, quase ninguém pensa, pois, em cada dez ataques, nove produzem-se
espontaneamente) e facilitaria o "transporte" não apenas da literatura de propaganda,
mas de forças revolucionárias, de um lugar ao outro. Atualmente, em sua maioria, essas
forças são exauridas no estreito campo de ação do trabalho local. Mas, então, haveria a
possibilidade e a oportunidade constantes de transferir de um extremo a outro do país
todo agitador ou organizador pouco capaz. Após terem começado por pequenas viagens
para tratar de assuntos do Partido, às custas do Partido, os militantes estariam
habituados a viver inteiramente por conta do Partido; tornar-se-iam revolucionários
profissionais e preparar-se-iam para o papel de verdadeiros chefes políticos. E se
realmente chegássemos a obter que a totalidade ou a maior parte dos comitês, grupos e
círculos locais se associassem ativamente para a obra comum, poderíamos em breve
elaborar um semanário, regularmente divulgado em dezenas de milhares de exemplares
em toda a Rússia. Esse jornal seria parte de um gigantesco fole de urna forja que
atiçasse cada fagulha da luta de classes e da indignação popular, para daí fazer surgir
um grande incêndio. Em torno dessa obra em si ainda inofensiva e pequena, mas regular
e comum no pleno sentido da palavra, um exército permanente de lutadores
experimentados seria sistematicamente recrutado e instruído. Sobre os andaimes e
cavaletes dessa organização comum em construção, logo veríamos subir, saídos das
fileiras de nossos revolucionários, os Jeliabov sociais-democratas e, saídos das fileiras
de nossos operários, os Bebel russos que, à frente desse exército mobilizado,
levantariam todo o povo para fazer justiça à vergonha e à maldição que pesam sobre a
Rússia. É com isto que precisamos sonhar! "É preciso sonhar!" Escrevo essas palavras e
de repente tenho medo. Imagino-me sentado no "congresso de unificação", tendo à
minha frente os redatores e colaboradores do Rabótcheie Dielo. E eis que se levanta o
camarada Martynov e, ameaçador, dirige-me a palavra: "Mas, permita-me perguntar!
Uma redação autônoma ainda tem o direito de sonhar sem ter comunicado tal fato aos
comitês do Partido?" Depois, é o camarada Kritchévskí que se dirige a mim e
(aprofundando filosoficamente o camarada Martynov, que há muito tempo já
aprofundara o camarada Plekhânov) continua ainda mais ameaçador: "Irei mais longe.
Pergunto-lhe: um marxista tem, em geral, o direito de sonhar, se já não esqueceu,
segundo Marx, que a humanidade sempre se atribuí tarefas realizáveis, e que a tática é
um processo de crescimento das tarefas do Partido, que crescem junto com o Partido?"
À simples idéia dessas questões ameaçadoras sinto um calafrio, e penso apenas em uma
coisa: onde me esconder. Tentemos nos esconder atrás de Pissarev. "Há desacordos e
desacordos", escrevia Pissarev sobre o desacordo entre o sonho e a realidade. "Meu
sonho pode ultrapassar o curso natural dos acontecimentos, ou desviar-se para uma
direção onde o curso natural dos acontecimentos jamais poderá conduzir. No primeiro
caso, o sonho não produz nenhum mal; pode até sustentar e reforçar a energia do
trabalhador... Em tais sonhos, nada pode corromper ou paralisar a força de trabalho. Ao
contrário. Se; o homem fosse, completamente desprovido da faculdade de sonhar assim,
se não pudesse de vez em quando adiantar o presente e contemplar em imaginação o
quadro lógico e inteiramente acabado da obra que apenas se esboça em suas mãos, eu
não poderia decididamente compreender o que levaria o homem a empreender e realizar
vastos e fatigantes trabalhos na arte, na ciência e na vida prática... O desacordo entre o
sonho e a realidade nada tem de nocivo se, cada vez que sonha, o homem acredita
seriamente em seu sonho, se observa atentamente a vida, compara suas observações
com seus castelos no ar e, de uma forma geral, trabalha conscientemente para a
realização de seu sonho. Quando existe contato entre o sonho e a vida, tudo vai bem".
Infelizmente há poucos sonhos dessa espécie em nosso movimento. E a culpa é
sobretudo de nossos representantes da crítica legal e do "seguidismo" ilegal, que se
gabam de sua ponderação, de seu "senso" do "concreto".
c) Qual o Tipo de Organização de que Necessitamos?
0 leitor pode ver, pelo que foi dito anteriormente, que nossa "tática-plano" consiste em
recusar o apelo imediato à ofensiva, em exigir a organização de um "assédio em regra
da fortaleza inimiga", ou dito de outra forma: em exigir a concentração de todos os
esforços para recrutar, organizar e mobilizar um exército permanente. Quando
zombamos do Rabótcheie Dielo, que de um salto abandonou o "economismo" para
atirar-se aos gritos sobre a necessidade da ofensiva (gritos que irromperam em abril de
1901, no nº' 6 do Listok do "Rabótcheie Dielo"), este jornal naturalmente nos atacou,
acusando-nos de "doutrinarismo", de incompreensão do dever revolucionário, de apelo à
prudência etc. Naturalmente, tais acusações, na boca dessa gente, não nos
surpreenderam absolutamente, pois, não tendo essas pessoas princípios estáveis,
ocultam-se atrás da profunda "tática processo"; também não nos surpreenderam as
acusações de Nadejdine, que manifesta apenas o mais soberbo desprezo pelos princípios
firmes de programa e de tática. Diz-se que a história não se repete. Nadjdine esforça-se
de todas as maneiras para repeti-lo e imita com ardor Tkatchev, denegrindo "a educação
revolucionária", clamando sobre a necessidade de "fazer soar o toque de rebate",
pregando o "ponto de vista particular da aurora da revolução" etc. Ao que parece,
Nadejdine esquece a conhecida frase que diz: se o original de um acontecimento
histórico é uma tragédia, sua cópia é apenas uma farsa. A tentativa de tomada do poder,
preparada pela propaganda de Tkatchev e realizada pelo terror, instrumento de
"intimidação" e que realmente intimidava nessa época, era majestosa, enquanto o
terrorismo "excitativo" desse Tkatchev em ponto pequeno é simplesmente ridículo, e
ridículo sobretudo quando se combina a seu projeto de organização dos trabalhadores
médios. "Se o Iskra", escreve Nadejdine, "saísse da esfera da literatura falsificada, veria
que tais coisas (por exemplo, a carta de um operário publicada no nº 7 do Iskra etc.) são
sintomas que atestam que a "ofensiva"' está muito, muito próxima, e que falar agora
(sic) de uma organização onde todos os fios estariam unidos a um jornal para toda a
Rússia, é produzir ideias abstractas e trabalho de gabinete em profusão." Vejam um
pouco essa confusão inimaginável! De um lado, prega-se o terrorismo excitativo e "a
organização dos trabalhadores médios", declarando que isso "será feito de modo muito
mais rápido pelo agrupamento em torno de algo "mais concreto", por exemplo, em torno
de jornais locais; de outro lado, pretende-se que falar "agora" de uma organização para
toda a Rússia, é produzir em profusão ideias abstractas, isto é, para ser mais franco e
simples, que "agora" já é muito tarde! E também não será muito tarde, respeitável
L.Nadejdini para uma "organização ampla de jornais locais"? Comparem a isso o ponto
de vista e a táctica do Iskra: o terrorismo excitativo é uma infantilidade; falar da
organização particular dos trabalhadores médios e de uma ampla organização de jornais
locais é escancarar as Portas ao "economismo". E preciso falar de uma única
organização de revolucionários para toda a Rússia, e não será tarde para falar dela
mesmo no próprio momento em que começar a verdadeira ofensiva, e não uma ofensiva
formulada no papel: "Sim", prossegue Nadejdine, "no que diz respeito à organização,
nossa situação está longe de ser brilhante; sim, o Iskra tem toda a razão de dizer que o
grosso de nossas forças militares é constituída de voluntários e insurrectos... Está certo
que considerem efectivamente o estado de nossas forças. Mas, por que se esquecem que
a multidão absolutamente não está connosco e que, por conseguinte, não nos perguntará
quando será preciso abrir as hostilidades e lançar-se ao 'motim'... Quando a própria
multidão intervir com sua força destrutiva espontânea, será capaz de triturar, de esmagar
o "exército regular", onde foi proposto que se procedesse a uma organização
rigorosamente sistemática, que não houve tempo de se realizar". (0 grifo é nosso).
Lógica espantosa! Precisamente porque "a multidão não está conosco?", é pouco
razoável e inconveniente proclamar "a ofensiva" imediata, pois a ofensiva significa o
ataque de um exército regular, e não a explosão espontânea de uma multidão.
Precisamente porque a multidão é capaz de triturar e esmagar o exército regular, é
absolutamente necessário que nosso trabalho de "organização rigorosamente
sistemática", no exército regular, "combine-se" ao impulso espontâneo, pois haverá
maiores oportunidades para que o exército regular não seja esmagado pela multidão,
mas marche à sua frente, se nos apressarmos em proceder a essa organização.
Nadejdine, engana-se, porque imagina que esse exército organizado sistematicamente
age de forma a afastar-se da multidão, enquanto, na realidade, ocupa-se de uma agitação
política intensificada e multiforme, isto é, de um trabalho que tende justamente, a
aproximar e fundir em um todo a força destrutiva espontânea da multidão e a força
destrutiva consciente da organização dos revolucionários. A verdade é que os Senhores
atribuem aos outros suas próprias faltas; e é precisamente o grupo Svoboda que,
introduzindo o terrorismo no programa, exorta assim à criação de uma organização de
terroristas, ora, tal organização impediria verdadeiramente nosso exército de se
aproximar da multidão que, infelizmente, ainda não está connosco, e, infelizmente, não
nos pergunta ou raramente nos pergunta, como e quando é preciso abrir as hostilidades.
"Não veremos chegar a revolução", continua Nadejdine amedrontando o Iskra, "como
não vimos chegar os acontecimentos atuais, acontecimentos que nos apanharam de
surpresa". Esta frase, juntamente com as citadas anteriormente, demonstra-nos
claramente o absurdo do "ponto de vista da aurora da revolução"(7), elaborado pela
Svoboda. Esse "ponto de vista" especial reduz-se, propriamente, a proclamar que
"agora" é muito tarde para deliberar e preparar-se. Mas, então, respeitável inimigo da
1iteratura falsificada", por que escrever 132 páginas impressas sobre "os problemas de
teoria(8) e de tática"? Será que não percebem que, do "ponto de vista da aurora da
revolução" seria melhor lançar 132.000 folhas volantes com esse breve apelo: "Abaixo
o inimigo!" Aqueles que como o Iskra colocam a agitação política entre todo o povo à
base de seu programa, de sua tática e de seu trabalho de organização, correm menos
riscos de deixar a revolução acontecer sem percebê-la. As pessoas que, em toda a
Rússia, ocupam-se em trançar os fios de uma organização, fios a serem ligados a um
jornal para toda a Rússia, não deixaram de perceber os acontecimentos da primavera; ao
contrário, ofereceram-nos a possibilidade de predizê-los. Não deixaram passar
desapercebidas as manifestações descritas nos números 13 e 14 do Iskra: ao contrário,
compreendendo seu dever de auxiliar o impulso espontâneo da multidão, participaram
dessas manifestações e, ao mesmo tempo, contribuíram através de seu jornal para que
todos os camaradas russos percebessem o seu caráter e utilizassem sua experiência. Se
continuarem vivos, verão acontecer a revolução que exigirá de todos nós, antes e acima
de tudo, a experiência em matéria de agitação, e que saibamos sustentar (à maneira
social-democrata) todos os protestos, dirigir o movimento espontâneo e preservá-lo dos
erros dos seus amigos e ciladas dos seus, inimigos! Chegamos, assim, à última
consideração que nos força a insistir, de forma particular, no plano de organização em
torno de um jornal para toda a Rússia, através da colaboração de todos para esse jornal
comum. Apenas essa organização poderá assegurar ao empreendimento de combate
social-democrata a flexibilidade indispensável, isto é, a faculdade "de evitar a batalha
em terreno descoberto com um inimigo numericamente superior, que concentrou suas
forças em um único ponto e a faculdade de aproveitar a incapacidade do inimigo,
quanto à estratégia militar, para atacá-lo onde e quando menos o espera(9)". Seria um
gravíssimo erro estruturar a organização do Partido contando apenas com as
manifestações e combates de rua, ou com "a marcha progressiva da obscura luta
cotidiana". Devemos realizar sempre nosso trabalho cotidiano e devemos estar sempre
prontos para tudo, porque com muita freqüência é quase impossível prever a alternância
dos períodos de explosão e dos períodos de calma momentânea; e quando é possível
prevê-los, não se pode tirar partido disso para remanejar a organização, pois, em um
país autocrático, a situação muda com assombrosa rapidez: às vezes basta uma batida
noturna dos janizaros tzaristas. E não seria possível imaginar a própria revolução sob a
forma de um ato único (como parecem fazer os Nadejdine): a revolução será uma
sucessão rápida de explosões mais ou menos violentas, alternando-se algumas fases de
calma momentânea mais ou menos profunda. Por isso, a atividade essencial de nosso
Partido, o palco de sua atividade, deve consistir em um trabalho que seja possível e
necessário tanto nos períodos de explosões mais violentas como nos de calma absoluta,
isto é, deve consistir em um trabalho de agitação política unificada para toda a Rússia,
que ilumine todos os aspectos de vida e dirija-se às massas em geral. Ora, esse trabalho
é inconcebível na Rússia atual, sem um jornal que interesse a todo o país e apareça com
bastante freqüência. A organização a ser constituída por si mesma em torno desse
jornal, a organização de seus colaboradores (no sentido amplo de palavra, isto é, todos
aqueles que trabalham para ele) estará pronta para tudo, para salvar a honra, o prestígio
e a continuidade no trabalho do Partido nos momentos de grande "depressão" dos
revolucionários, e para preparar, determinar o início e realizar a insurreição armada do
povo. Suponhamos que ocorram prisões, o que é muito comum entre nós, em uma ou
várias localidades. Como todas as organizações locais não trabalham em uma única obra
comum e regular, essas detenções são seguidas, freqüentemente, pela suspensão da
atividade por vários meses. Mas, se todas trabalhassem para uma obra comum, mesmo
que as detenções fossem muitas, bastaria algumas semanas e duas ou três pessoas
enérgicas para restabelecer o contato dos novos círculos de jovens com o organismo
central, círculos esses que, mesmo agora, surgem de maneira muito rápida, e que
surgiriam e estabeleceriam ligações com esse centro de modo ainda muito mais rápido
se essa obra comum, que sofre as conseqüências das detenções, fosse bem conhecida de
todos. Suponhamos, por outro lado, que houvesse uma insurreição popular. Sem
dúvidas, hoje todos concordam que devemos pensar e nos preparar para isso. Mas como
preparar-nos? Terá um Comitê central que designar agentes em todas as localidades
para preparar a insurreição? Mesmo que tivéssemos um comitê central que tomasse essa
medida, nada poderia obter nas condições atuais da Rússia. Ao contrário, uma rede de
agentes(10) que se formasse por si própria trabalhando para a criação e a difusão de um
jornal comum, não "esperaria de braços cruzado" a palavra de ordem de insurreição;
realizaria exatamente uma obra regular, que lhe permitiria maiores chances de sucesso,
em caso de insurreição. Obra essa que reforçaria os laços com as massas operárias, em
geral, e todas as camadas da população descontentes com a autocracia, o que é tão
importante para a insurreição. É fazendo esse trabalho que aprenderíamos a avaliar,
exatamente a situação política geral e, por conseguinte, a escolher o momento favorável
à insurreição. É nesta espécie de ação que todas as organizações locais aprenderiam a
reagir simultaneamente aos problemas, incidentes ou acontecimentos políticos que
apaixonam toda a Rússia, a responder a esses "acontecimentos" da forma mais enérgica,
uniforme, e racional possível. Pois, no fundo, a insurreição constituí a "resposta" mais
enérgica, uniforme e racional de todo o povo ao governo. Tal ação ensinaria, de forma
precisa, a todas as organizações revolucionárias, em todos os pontos da Rússia, a manter
entre si relações mais regulares e, ao mesmo tempo, mais clandestinas, relações que
dariam origem à unidade efetiva - do Partido, e sem as quais é impossível discutir
coletivamente o plano de insurreição e tomar, às vésperas dessa insurreição, as medidas
preparatórias necessárias, que devem ser mantidas no mais rigoroso sigilo. Em uma
palavra, o "plano de um jornal político para toda a Rússia" não é fruto de trabalho de
gabinete, realizado por pessoas corrompidas pelo doutrinarismo e pela 1iteratura
falsificada" (como pareceu a pessoas que não refletiram o bastante sobre ele); ao
contrário, é o plano mais prático para que nos possamos preparar para a insurreição,
imediatamente e de todos os lados, sem que o trabalho normal e cotidiano seja
esquecido por um instante.
Conclusão
A história da social-democracia russa divide-se nitidamente em três períodos. O
primeiro abrange uma dezena de anos, aproximadamente de 1884 a 1894. Foi o período
do nascimento e consolidação da teoria e do programa da social-democracia. Os
partidários da nova orientação na Rússia eram contados nos dedos. A social-democracia
existia sem o movimento operário, e atravessava, como partido político, um período de
gestação. O segundo período estende-se por três ou quatro anos, de 1894 a 1898. A
social-democracia vem ao mundo como movimento social, como ascensão das massas
populares, como partido político. É o período da infância e da adolescência. Com a
rapidez de uma epidemia, o entusiasmo geral pela luta contra o populismo propaga-se
entre os intelectuais, que vão aos operários, bem corno difunde-se o entusiasmo geral
dos operários pelas greves. O movimento faz enormes progressos. A maior parte dos
dirigentes é constituída por jovens, que ainda não atingiram e ainda estão longe, "dos
trinta, e cinco anos", que o Sr. N. Mikhailóvski considerava como uma espécie de limite
natural. Por causa de sua juventude, revelam-se pouco preparados para o trabalho
prático e saem de cena com muita rapidez. Na maioria das vezes, porém, seu trabalho
apresentava grande amplitude. Muitos dentre eles tinham começado a pensar como
revolucionários, como narodovoltsy. Quase todos, em sua primeira juventude, haviam
cultuado os heróis do terror. Para subtraí-los à sedução dessa tradição heróica, foi
preciso lutar, romper com pessoas que queriam a qualquer custo permanecer fiéis à
"Narodnaia Volia", e a quem os jovens sociais-democratas tinham em alta estima. A
luta impunha instruir-se, ler obras ilegais de todas as tendências, ocupar-se intensamente
dos problemas do populismo legal. Formados nessa luta, os sociais-democratas iam ao
movimento operário, sem esquecer "um instante" a teoria marxista que os iluminava
como uma- luz brilhante, ou o objetivo de derrubar a autocracia. A formação de um
Partido, na primavera de 1898, foi o fato mais marcante e ao mesmo tempo o último ato
dos sociais-democratas desse período. O terceiro período anuncia-se, como vimos, em
1897 e substitui definitivamente o segundo período em i898 (1898-?). E o período de
dispersão, de desagregação, de vacilação. Tal como entre os adolescentes ocorre a
mudança de voz, também a voz da social-democracia russa desse período começou a
mudar, a soar falso - de um lado, nas obras dos Senhores Struve e Prokopovitch,
Bulgakov e Berdiaiev; de outro, entre V.I. e R. M., entre B. Kritchévski e Martynov.
Mas somente os dirigentes erravam, cada um de seu lado, e retrocediam: o movimento
continuava a estender-se, a avançar a passos de gigante. A luta proletária ganhava novas
camadas de operárias e propagava-se através da Rússia, contribuindo ao mesmo tempo,
indiretamente, para reanimar o espírito democrático entre os estudantes e as outras
categorias da população. Mas a consciência dos dirigentes cedeu diante da grandeza e
força do impulso espontâneo, entre os sociais- democratas já predominava uma outra
fase, a dos militantes alimentados quase que unicamente pela literatura marxista "legal";
esta era cada vez mais insuficiente, à medida em que a espontaneidade das massas
exigia desses militantes um maior grau de consciência. Os dirigentes não apenas
ficaram para trás no plano teórico ("liberdade de critica"), como também no plano
prático ("métodos artesanais de trabalho"), e ainda procuraram justificar seu atraso com
toda espécie, de argumentos grandiloqüentes. A social-democracia foi nivelada ao
sindicalismo, tanto pelos brentanistas da literatura legal como pelos seguidores da
literatura ilegal. O programa do Credo começou a se realizar, principalmente quando o
"trabalho artesanal" dos sociais-democratas, reanimou as tendências revolucionárias não
sociais-democratas. E se o leitor me recrimina por ter me ocupado demasiadamente de
um jornal como o Rabótcheie Dielo, responderei: O Rabótcheie Dielo assumiu
importância "histórica", porque traduziu da forma mais relevante o "espírito" desse
terceiro período(1). Não era o conseqüente R. M., mas Kritchévski e Martynov, que
giram como cata-vento, que podiam exprimir da melhor forma a dispersão e as
oscilações, o empenho em fazer concessões à "crítica", ao "economismo", e ao
terrorismo. Não é o majestoso desdém pela prática, de um admirador 140 qualquer do
"absoluto" que caracteriza esse período, mas exatamente a conjugação de um praticismo
mesquinho e da mais completa despreocupação em relação à teoria. Os heróis desse
período não se preocuparam tanto em negar diretamente as "grandes frases" como em
banalizá-las: o socialismo científico deixou de ser um corpo de doutrina revolucionária
e tornou-se uma mistura confusa, à qual foi acrescentado "livremente" o conteúdo de
qualquer manual alemão novo; a palavra de ordem, "luta de classes", não conduzia a
uma ação cada vez mais extensa e enérgica - servia de emoliente, pois a "luta
econômica está indissoluvelmente ligada à luta política", a idéia de partido não
estimulava a criação de uma organização revolucionária de combate, justificando uma
espécie de "burocratismo revolucionário" e uma tendência pueril em brincar com as
formas "democráticas". Ignoramos quando terminará o terceiro período e terá início o
quarto (que, em todo caso, já se anuncia por numerosos sintomas). Do domínio da
história, passamos aqui para o domínio do tempo presente e, em parte, para o do futuro.
Mas. temos a firme convicção que o quarto período conduzirá à consolidação do
marxismo militante: que a social-democracia russa sairá da crise mais forte e viril: que a
retaguarda dos oportunistas será "rendida" pela verdadeira vanguarda da mais
revolucionária das classes. Exortando para que se faça essa "rendição" e resumindo tudo
o que foi exposto anteriormente, podemos dar à pergunta "Que fazer?" uma breve
resposta: Liquidar o terceiro período
Anexo: Sobre a Unificação do Iskra e do Rabotcheie
Dielo
Resta-nos analisar a tática que o Iskra adotou e sistematicamente praticou em suas
relações de organização com o Rabótcheie Dielo, tática que já foi perfeitamente
explicada em um artigo dos Iskra, nº 1, sobre a "Cisão da União dos Sociais-Democratas
Russos no Estrangeiro". Adotamos imediatamente o ponto de vista de que a verdadeira
"União dos Sociais-Democratas Russos no Estrangeiro", reconhecida no primeiro
congresso de nosso Partido pelo seu representante no estrangeiro, cindiu-se em duas
organizações; que a questão da representação do Partido permanece aberta. sendo
resolvida apenas provisória e condicionalmente pelo fato de dois membros
representantes da Rússia terem sido designados para o Conselho Socialista Internacional
Permanente, um para cada parte da "União" dividida. Declaramos que, no fundo, o
Rabótcheie Dielo estava errado, deliberadamente nos colocamos, por princípio, ao lado
do grupo "Liberação do Trabalho", recusando ao mesmo tempo entrar nos detalhes da
cisão e assinalamos o mérito da "União" em relação ao trabalho puramente prático(1).
Nossa posição, portanto, era até certo ponto uma posição de expectativa: concordáramos
com a opinião que dominava entre a maioria dos sociais-democratas russos - de que
mesmo os inimigos mais declarados do "economismo" podiam trabalhar de mãos dadas
com a "União", tendo esta proclamado mais de uma vez sua concordância de princípios
com o grupo "Liberação do Trabalho", sem pretender (parecia), afirmar seu caráter de
independência nas questões fundamentais da teoria e tática. A correção da posição que
adotamos foi confirmada, indiretamente, pelo fato seguinte: quase ao mesmo tempo em
que aparecia o primeiro número do Iskra (dezembro de 1900), três membros separaramse
da "União" para formar o que se chamou "Grupo de Iniciadores", e dirigiram-se: 1, à
seção do estrangeiro da organização do lskra, 2. à organização revolucionária "socialdemocrata"
e 3. à "União", para oferecer sua mediação nas negociações de
reconciliação. As duas primeiras organizações concordaram imediatamente, a terceira
recusou. A verdade é que quando um orador expôs esses fatos no congresso de
"unificação" do ano passado, um membro da administração da "União" declarou que tal
recusa devia-se exclusivamente ao fato de a "União" estar descontente com a
composição do Grupo de Iniciadores. Julgando mau dever participar dessa explicação,
não posso, contudo, deixar de notar, de minha parte, que considero tal explicação
insuficiente: conhecendo o acordo das duas organizações para estabelecer as
conversações, a "União" poderia dirigir-se a elas, através de outro intermediário ou
diretamente. Na primavera de 1901, a Zaria (nº 1, abril) e o Iskra (nº 4, maio) deram
início a uma polêmica direta contra o Rabótcheie Dielo. O Iskra atacou sobretudo a
"Virada Histórica" do Rabótcheie Dielo que, em sua edição de abril e portanto depois
dos acontecimentos da primavera, mostrou-se hesitante quanto ao entusiasmo pelo
terror e os apelos "sanguinolentos". Apesar dessa polêmica, a "União" aceitou a
retomada das negociações para reconciliação através da mediação de um novo grupo de
"conciliadores". Uma conferência preliminar, composta de representantes das três
organizações acima citadas realizou-se no mês de junho e elaborou um projeto de
tratado à base de um "acordo de princípios", bastante detalhado, que a "União" fez
imprimir na brochura Documentos do Congresso de "Unificação". O conteúdo desse
acordo de princípios (ou resoluções da conferência de junho, como é chamado mais
freqüentemente) mostra com toda clareza que colocávamos como condição expressa
dessa Unificação, a negação definitiva de todas as manifestações de oportunismo em
geral, e de oportunismo russo em particular. Diz o primeiro parágrafo: "Repudiamos
toda tentativa de levar o oportunismo à luta de classe do proletariado, tentativa que está
traduzida no que chama de "economismo", bernsteinismo, millerandismo, etc." "A
atividade da social-democracia compreende... a luta ideológica contra todos os
adversários do marxismo revolucionário" (§ 4, letra c). "Em todas as esferas do trabalho
de organização e de agitação, a social-democracia não deve perder de vista por nenhum
instante a tarefa imediata do proletariado russo: a derrubada da autocracia" (§ 5, letra a);
... "a agitação não apenas no campo da luta cotidiano dos assalariados contra o capital"
(§ 5, b); "não reconhecendo ... a fase da luta puramente econômica e da luta pelas
reivindicações políticas específicas" (§3, c); ... "consideramos importante para o
movimento a crítica das tendências que erigem em princípio.... o caráter elementar e a
estreiteza das formas interiores do movimento" §5, d). Mesmo a pessoa mais
desinteressada, após ler com alguma atenção essas resoluções, verá pela própria maneira
como foram formuladas, que visam aqueles que se mostraram oportunistas e
"economistas"; que esqueceram, por um instante, a tarefa de derrubar a autocracia; que
reconheceram a teoria dos estádios, erigida em princípio de estreiteza etc. E quem
conhece, ainda que pouco, a polêmica estabelecida contra o Rabótcheie Dielo pelo
grupo "Liberação do Trabalho", a Zaria e o Iskra, não pode duvidar sequer um instante
que essas resoluções rejeitam, ponto por ponto, exatamente os erros em que o
Rabótcheie Dielo incorreu. Por isso, quando os membros da "União" declararam ao
congresso de "unificação" que os artigos inseridos no nº 10 do Rabótcheie Dielo não
eram conseqüência da nova "virada histórica" da "União", mas, do caráter
desmesuradamente "abstrato"(2) das resoluções, um orador teve toda razão de zombar
disso. As resoluções estão longe de ser abstratas, respondeu ele; são extremamente
concretas; basta um simples olhar para compreender que se queria "apanhar alguém".
Essa última expressão daria origem, no congresso, a um episódio característico. De um
lado, B. Kritchévski agarrou-se à palavra "apanhar", acreditando que se tratava de um
lapso que denunciaria más intenções de nossa parte ("armar uma cilada"), e gritou
pateticamente: "Quem é que se queria apanhar? - "Sim, quem?". perguntou Plekhânov,
irônico. - Vou suprir a deficiência de perspicácia do camarada Plekhânov", respondeu
B. Kritchévski, "vou lhe explicar quem se queria apanhar: a redação do "Rabótcheie
Dielo" .(riso geral). "Mas não nos deixamos apanhar!" (exclamações à esquerda, Pior
para vocês!). De outro lado, o membro do grupo "Borba" (grupo de conciliadores),
falando contra as emendas da "União". às resoluções e desejoso de defender nosso
orador, declarou que a palavra "apanhar" tinha sem dúvida escapado por acaso, no fogo
da polêmica. De minha parte, imagino o que semelhante "defesa" custaria ao orador que
fez uso da expressão. Penso que as palavras "queria-se apanhar alguém" "foram
pronunciadas em tom de brincadeira, mas levadas a sério": sempre acusamos o
Rabótchiei Dielo de instabilidade e vacilações. Portanto, é natural que se tenha desejado
apanhá-lo, para tornar as vacilações impossíveis no futuro. Quanto às más intenções, tal
não era a questão, pois tratava-se da instabilidade de princípios. E conseguimos
"apanhar": a "União" com tanta camaradagem(3) que as resoluções de junho foram
assinadas pelo próprio B. Kritchévski e um outro membro da administração da "União".
Os artigos no nº 10 do Rabótcheie Dielo (nossos camaradas só: puderam ver esse
número quando chegaram ao congresso, alguns dias antes da abertura das sessões)
mostraram nitidamente que, entre o Verão e o Outono, uma nova "virada" ocorrera na
"União": os "economistas" haviam tomado a dianteira, outra vez, e a redação, que gira
"ao sabor do vento", recomeçara a defender "os bernsteinianos mais declarados", a
"liberdade de crítica" e a "espontaneidade", e a pregar pela boca de Martynov a "teoria
da restrição" à esfera de nossa influência política com o objetivo, de pretensamente
acentuar essa influência). A justa observação de Parvus, de que é difícil pegar um
oportunista com a armadilha de uma simples assinatura, mais uma vez foi confirmada:
facilmente ele assinará qualquer papel, e com a mesma facilidade negará tal assinatura,
pois o oportunismo compreende exatamente a ausência de princípios determinados e
firmes. Hoje os oportunistas repudiam toda tentativa de introduzir o oportunismo, e toda
estreiteza, prometendo solenemente "não esquecer um só instante a derrubada da
autocracia", fazer "a agitação não somente contra o capital" etc. etc. E amanhã mudam o
meio de expressão e retomam os velhos métodos sob o pretexto de defender a
espontaneidade, a marcha progressiva da obscura luta cotidiana, exaltando as
reivindicações que deixam entrever resultados tangíveis etc.. Continuando a afirmar que
nos artigos do nº 10 a "União" não via, nem vê, qualquer digressão herética dos
princípios gerais que fundamentaram o projeto da conferência (Dois Congressos, p. 26),
manifesta assim apenas sua total incapacidade ou sua recusa de compreender a essência
das, divergências. Após o nº 10 do Rabótcheie Dielo resta-nos apenas uma única
tentativa: estabelecer uma discussão geral para nos certificar, se toda a "União" está
solidária com esses artigos e com seu comitê de redação. E é isto que desagrada
particularmente à "União": acusa-nos de querermos semear a discórdia dentro dela, de
nos intrometermos onde não somos, chamados etc. Acusações gratuitas, evidentemente,
pois com uma redação eleita, que "vira" à mais ligeira brisa, tudo depende de que lado
sopra tal brisa, e nós determinamos tal direção em sessões privadas, onde não havia
exceto os membros das organizações que desejavam unir-se. A proposta feita em nome
da "União" sobre as emendas às resoluções de junho diluiu nossa última esperança de
entendimento. Tais emendas confirmaram o fato de nova "virada" em direção ao
"economismo" e a solidariedade da maioria da "União" com o nº 10 do Rabótcheie
Dielo. Do conjunto dessas manifestações de oportunismo, eliminava-se o que se chama
de "economismo" (por causa da pretensa "indeterminação do sentido" dessas palavras
embora disso decorra a necessidade se definir com maior precisão a essência do erro
amplamente difundido); eliminou-se também o "millerandismo" (embora B. Kritchévski
o tenho defendido no Rabótcheie Dielo nº 2-3, p. 83-83, e de forma ainda mais explícita
no Vorwarts(4)). Apesar das resoluções de junho indicarem com precisão a tarefa da
social-democracia - "dirigir as menores manifestações da luta do proletariado contra
todas as formas de opressão política, econômica e social' - exigindo assim que a unidade
e o espírito de método sejam levados a tais manifestações de luta, a "União"
acrescentava frases completamente inúteis, dizendo que "a luta econômica estimulava
vigorosamente o movimento de massa" (essas palavras, em si mesmas, estão fora de
discussão, mas devido à existência de um. "economismo" estreito deveriam
forçosamente dar lugar a falsas interpretações). Ainda mais, nas emendas às resoluções
de junho chegava-se a restringir a "política": eliminando-se as palavras "Um instante"
(não esquecer o objetivo da derrubada da autocracia) e acrescentando-se que "a luta
econômica é o meio mais amplamente aplicável para integrar as massas à luta política
ativa". Compreende-se que, após a introdução dessas emendas, todos os nossos oradores
recusaram-se a falar, considerando que era totalmente inútil prosseguir as negociações
com homens que de novo tendiam para o "economismo" e asseguravam a liberdade das
vacilações. "O que a "União" considerou precisamente como a condição sine qua non da
solidez do futuro acordo, isto é, a conservação do caráter de independência do
Rabótcheie Dielo e de sua autonomia, o Iskra considerou como obstáculo para a
realização desse acordo" (Dois Congressos, p. 25). Isto é por demais inexato.
Nunca atentamos contra a autonomia do Rabótcheie Dielo(5). Efetivamente, negamos
de maneira categórica a independência de seu caráter, se por isso se entende o "caráter
de independência" nas questões de princípio em matéria de teoria e de tática: as
resoluções de junho implicam justamente a negação absoluta de tal independência de
caráter, pois essa "independência de carácter" sempre significou na prática, repetimos,
toda sorte de vacilações e o apoio que prestam ao estado de dispersão em que nos
encontramos, a que é insuportável do ponto de vista do Partido. Pelos seus artigos no nº
10 e suas "emendas", o Rabótcheie Dielo demonstrou claramente seu desejo de
preservar essa independência de caráter; ora, esse desejo conduziu, natural e
inevitavelmente, à ruptura e à declaração de guerra. Mas estávamos prontos a
reconhecer "a independência de carácter" do Rabótcheie Dielo, no sentido de que devia
dedicar-se às fundações literárias nitidamente determinadas. A distribuição judiciosa
dessas funções impunha-se por si própria: 1. revista científica, 2. jornal político, e 3.
compilações e brochuras de divulgação. Somente o fato de concordar com tal
distribuição já provaria o sincero desejo do Rabótcheie Dielo de acabar de uma vez por
todas com os equívocos das resoluções de junho, apenas tal distribuição eliminaria os
atritos eventuais e asseguraria de fato a solidez do acordo, servindo ao mesmo tempo de
base a um novo impulso de nosso movimento e a novos sucessos. Não existe um único
social-democrata russo que duvide que a ruptura definitiva da tendência revolucionária
com a tendência oportunista deveu-se não a causas de "organização", mas exatamente,
ao desejo manifestado pelos oportunistas de consolidar o carácter de independência do
oportunismo, e de continuar a lançar a confusão nos espíritos através dos raciocínios à
la Kritchévski e à la Martynov. Redigido no outono de 1901-fevereiro de 1902.
Publicado pela primeira vez em brochura, em março de 1902.
Notas: Capítulo 3
(1) A fim de evitar qualquer mal-entendido, fazemos notar que, na exposição que se
segue, entendemos sempre por luta econômica (segundo o vocabulário em uso entre
nós), a "luta econômica pratica" que Engels, na citação anteriormente mencionada,
chamou a "resistência aos capitalistas", e que, nos países livres, é chamada luta
profissional, sindical ou dos trade-unions.(retornar ao texto)
(2) Nesse capítulo, falamos unicamente da luta política e do seu conceito mais amplo ou
mais restrito. Por isso, não assinalaremos senão de passagem a título de curiosidade, a
acusação que o Rabótcheie Dielo faz ao Iskra de "reserva excessiva" no que diz respeito
à luta econômica (Dois Congressos p. 27, inutilmente repetida por Martynov em seu
folheto, A Social-Democracia e a Classe Operária) Se os senhores acusadores medissem
(como gostam de fazer) em quilos ou em folhas impressas a seção do Iskra sobre a vida
econômica, durante um ano, e a comparassem à mesma seção do Rabótcheie Dielo e da
Rabótchaia Mys1 reunidos, constatariam sem dificuldade que, mesmo quanto a esse
assunto, estão atrasados em relação a nós. Evidentemente, a consciência dessa simples
verdade faz com que recorram a argumentos que mostram nitidamente sua confusão.
Escrevem eles que, queira ou não, "o Iskra é obrigado a levar em conta as necessidades
imperiosas da existência e a incluir ao menos (!!) a matéria dos correspondentes sobre o
movimento operário" (Dois Congressos, p. 27). De fato, este é um argumento
massacrante: contra nós! (retornar ao texto)
(3) Dizemos, "em geral", porque o Rabótcheie Dielo, no caso, trata dos princípios gerais
e das tarefas gerais do partido, em conjunto. Certamente, de forma pratica, ocorrem
casos onde o político deve efetivamente vir após a econômico, irias só os "economistas"
dizem isso em uma resolução destinada a toda a Rússia. Há também casos onde se pode,
"desde o início", conduzir uma agitação política "somente no terreno econômico,
contudo, o Rabótcheie Dielo foi induzido a concluir que isto "não era de modo algum
necessário" (Dois Congressos, p. 11). No capítulo seguinte, mostraremos que a tática
dos "político" e dos revolucionários, longe de desconhecer as tarefas sindicais da socialdemocracia,
é capaz apenas de assegurar a realização metódica dessas tarefas.(retornar
ao texto)
(4) Expressões autênticas da brochura Dois Congressos, p. 31,32, 28 e30.(retornar ao
texto)
(5) Dois Congressos, p. 32.(retornar ao texto)
(6) Rabótcheie Dielo, n.º. 10, P. 6. Esta é a variação de Martynov à aplicação da tese:
"Todo passo adiante, todo progresso real, importa mais que uma dúzia de programas",
aplicação feita ao estado caótico atual de nosso movimento. e que já caracterizamos
acima. No fundo, não é mais do que a tradução russa da famosa frase de Bernstein: "0
movimento é tudo, o objetivo final não é nada."(retornar ao texto)
(7) "Se recomendamos aos operários que apresentem certas reivindicações econômicas
ao governo, é evidentemente porque, no aspecto econômico, o governo autocrático está
disposto, por necessidade, a fazer certas concessões."(retornar ao texto)
(8) Rabótchaia MysI, "Suplemento especial", p. 14.(retornar ao texto)
(9) Exigir que se "confira à própria luta econômica um caráter político é uma atitude
que traduz da forma mais surpreendente o culto da espontaneidade no domínio da
atividade política. Muito freqüentemente. a luta econômica reveste-se de um caráter
político de forma espontânea, isto é, sem a intervenção desse "bacilo revolucionário que
são os intelectuais". Sem a intervenção dos sociais-democratas conscientes. Assim, a
luta econômica dos operários na Inglaterra revestiu-se, também, de um caráter político
sem a menor participação dos socialistas. Mas, a tarefa dos sociais-democratas não se
limita à agitação política no terreno econômico: sua tarefa é transformar essa política
sindical em uma luta política social-democrata, aproveitar os vislumbres de consciência
política que a luta econômica fez penetrar no espírito dos operários para elevar esses
últimos à consciência política social-democrata. Ora, em lugar de elevar e de fazer
progredir a consciência política que desperta espontaneamente, os Martynov prostramse
diante da espontaneidade e repetem, repetem freqüentemente até enjoarem, que a luta
econômica "incita" os operários a pensar que estão frustrados em seus direitos políticos.
É lamentável que esse despertar espontâneo da consciência política sindical "não incite"
os Senhores a pensar em suas tarefas de sociais-democratas!(retornar ao texto)
(10) Para mostrar que todo esse discurso dos operários aos "economistas" não é pura
invenção de nossa parte, referimo-nos a duas testemunhas que conhecem plenamente o
movimento operário, e são os menos inclinados a mostrar parcialidade por nós,
"dogmáticos", uma vez que urna das testemunhas é um "economista" (que considera até
o Rabótcheie Dielo como um órgão político!); o outro é um terrorista. O primeiro é o
autor de um artigo notável, cheio de vida e de verdade: "O Movimento Operário de São
Petersburgo e as Tarefas Práticas da Social-Democracia" (Rabótcheie Dielo, n.º 6).
Divide os operários em: 1º) revolucionários conscientes: 2º) categoria intermediária, e
3º) o resto, a massa. Ora, a categoria intermediária "interessa-se freqüentemente mais
por questões da vida política do que por seus interesses econômicos diretos, cuja ligação
com as condições sociais gerais já foi compreendida há muito"... A Rabótchaia Mysl é
"asperamente criticada": "sempre' a mesma coisa, há muito tempo que o sabemos, e há
muito tempo que o lemos"; "na seção política, nunca há nada" (p. 30-31). A própria
terceira categoria: "a classe operária mais sensível, mais jovem, menos pervertida pela
taverna e pela igreja, que quase nunca tem a possibilidade de encontrar uma obra
política, fala a torto e a direito das manifestações da vida política, medita sobre as
informações fragmentadas que lhe chegam sobre os motins dos estudantes" etc. Por sua
vez o terrorista escreve: "... lêem uma ou duas vezes alguns fatos miúdos da vida das
fábricas em cidades que não conhecem, depois param aí... isto é tratar o operário como
criança... O operário não é uma criança." (Svoboda órgão do grupo revolucionário-
socialista, p. 69 e 70).(retornar ao texto)
(11) 1 Martynov "apresenta um outro dilema, mais real (?)" (A Social-Democracia e a
Classe Operária, p. 19): "Ou a social-democracia assume a direção imediata da luta e
econômica do proletariado e a transforma. assim, em luta revolucionária de classe..."
"Assim" quer dizer, provavelmente, através da direção imediata da luta econômica.
Martynov que mostre onde viu ser possível transformar o movimento sindical em
movimento revolucionário de classe, unicamente através do fato de se dirigir a luta
sindical. Será que não compreende que, para realizar essa "transformação", devemos
colocar-nos ativamente na "direção imediata" da agitação política sob todas as suas
formas?...."Ou então essa outra perspectiva - a social-democracia - abandona a direção
da luta econômica dos operários e, por isso, apara as asas, "Segundo a opinião, acima
citada, do Rabótcheie Dielo, é o Iskra quem "abandona essa direção". Mas, como vimos,
o Iskra faz muito mais do que o "Rabótcheie Dielo" para dirigir a luta econômica, com a
qual, aliás, não se contenta, e em cujo nome não restringe suas tarefas políticas.
(retornar ao texto)
(12) A primavera de 1901 foi marcada por grandes manifestações de rua. (retornar ao
texto)
(13) Assim durante a guerra franco-prussiana. Liebknecht ditou um programa de ação
para toda a democracia, como fizeram, em escala ainda maior. Marx e Engels, em 1848.
(retornar ao texto)
(14) A falta de espaço não nos permitiu dar ao Iskra uma resposta ampla a essa carta
extremamente característica dos "economistas". Ficamos muito felizes com sua
publicação, pois já havia muito que ouvíamos dizer de diferentes lados, que o Iskra
desviava-se do ponto de vista de classe, e esperávamos a ocasião favorável ou a
expressão precisa dessa acusação em voga para responder. Ora, não é pela defensiva,
mas pelo contra-ataque que temos o costume de responder aos ataques.(retornar ao
texto)
(15) Entre esses artigos, o Iskra (n.º 3) publicou um artigo especial sobre os
antagonismos de classe no campo.(retornar ao texto)
(16) Aqui se invocam "as condições concretas russas, que levam fatalmente o
movimento operário ao caminho revolucionário". As pessoas não querem compreender
que o caminho revolucionário do movimento operário pode ainda não ser o caminho
social-democrata! De fato, toda a burguesia ocidental sob o absolutismo "impelia",
impelia com conhecimento de causa os operários ao caminho revolucionário. Nós,
sociais-democratas, não podemos nos contentar com isso. E se rebaixamos de um modo
ou de outro a política social-democrata ao nível de uma política espontânea, sindical,
fazemos, através disso, exatamente o jogo da democracia burguesa.(retornar ao texto)
Notas: Capítulo 4
(1) Todas as passagens foram grifadas por nós. (retornar ao texto)
(2) Rabótchaia Mysl e Rabótcheie Dielo, em especial a "Resposta" a Piekhânov. *2
Quem Fará a Revolução Política? brochura publicada na Rússia, na compilação A Luta
Proletária, e reeditado pelo Comitê de Kiev. *3 Renascimento do Revolucionarismo e
Svoboda.(retornar ao texto)
(3) A luta do Iskra contra o joio provocou, da parte do Rabótcheie Dielo, esta saída
indignada: "Para o Iskra, o sinal dos tempos não é tanto os grandes acontecimentos (da
primavera); como os esforços em vão dos agentes de Zubatov para "legalizar" o
movimento operário. Não vê que esses fatos depõem contra ele: testemunham que o
movimento operário assumiu proporções inquietantes aos olhos do governo- (Dois
Congressos, p. 27). A culpa disto cabe ao dogmatismo- desses ortodoxos "surdos aos
imperativos da vida". Obstinam-se em não querer enxergar as espigas de um metro de
altura e lutam contra o joio ao rés do chão! isto não significa "deformar o sentido da
perspectiva em relação ao movimento operário russo?" (Idem, p. 27) (retornar ao texto)
(4) Aquele que se atirou à água, com medo de se molhar à chuva (N.T.). (retornar ao
texto)
(5) Apenas observamos aqui que, tudo o que já dissemos sobre o "estimulo de fora",
bem como todos os raciocínios ulteriores da Svoboda sobre a organização. referem-se
inteiramente a todos os "economistas", aí também compreendidos os "rabotchedicitsy"
que, em parte, pregaram e defenderam ativamente as mesmas formas de ver os
problemas de organização, e em parte desviaram-se disso. (retornar ao texto)
(6) Esse termo seria talvez mais correto que o anterior, no que diz respeito à Svoboda,
no Renascimento do Revolucionarismo defende-se o terrorismo, e no artigo em foco, o
"economismo". "As uvas estão verdes", pode-se dizer em geral da Svoboda. A Svoboda
tem excelentes aptidões e as melhores intenções, e, contudo, o resultado a que chega é
principalmente a confusão, porque, pregando a continuidade da organização, a Svoboda
nada quer saber da continuidade do pensamento revolucionário e da teoria socialdemocrata.
Esforçar-se para ressuscitar o revolucionário profissional (o Renascimento
do Revolucionarismo) e para tanto propor, primeiro, o terror excitativo e, em seguida, a
-organização dos operários médios- (Svoboda n.º 1, p. 66 e seguintes) menos
"estimulados externamente", é na verdade demolir a casa para ter madeira para aquecêla.(
retornar ao texto)
(7) Assim, nos meios militares observa-se, ultimamente, uma retorna da incontestável
do espírito democrático, em parte devido à freqüência, sempre maior, dos combates de
rua contra os "inimigos" como os operários e os estudantes. E, desde que nossas forças
permitam, devemos prestar a mais séria atenção à propaganda e à agitação entre os
soldados e os oficiais, à criação de "organizações militares" filiadas a nosso Partido.
(retornar ao texto)
(8) Um camarada contou-me uma vez que um inspetor de fábrica, que ajudara a socialdemocracia
e estava pronto a continuar a ajudá-la, queixava-se amargamente de não
saber se suas -informações- chegavam ao organismo revolucionário central, se sua
colaboração era necessária e em que medida seus pequenos. ínfimos serviços eram
utilizáveis. Todo militante poderia citar inúmeros casos semelhantes, onde nossos
métodos artesanais nos fizeram perder aliados. Ora. não apenas os empregados e
funcionários de fábricas, mas também os dos correios, ferrovias, alfândega, da nobreza,
do clero e de todas as outras instituições. inclusive a policia e a justiça. poderiam
prestar-nos e prestar-nos-iam -pequenos- serviços cujo total seria de um valor
inestimável! Se tivéssemos desde agora um partido verdadeiro, uma organização
verdadeiramente combativa de revolucionários, não utilizaríamos diretamente esses
auxiliares, não nos apressaríamos em integrá-los sempre e necessariamente à "ação
ilegal"; muito ao contrário, os homens para essas funções seriam preparados e formados
especialmente, sabendo-se quantos estudantes poderiam ser mais úteis ao Partido como
funcionários "auxiliares" do que como revolucionários "a curto prazo". Mas, repito,
apenas uma organização já perfeitamente sólida, e que disponha de forças ativas em
quantidade suficiente, tem o direito de aplicar essa tática. (retornar ao texto)
(9) Svoboda. n.º 1, artigo "A Organização". p. 66: "Amassa operária apoiará em peso
todas as reivindicações que serão formuladas em nome do Trabalho da Rússia"
(naturalmente, Trabalho com letra maiúscula). E o autor ainda exclama: "Não sou de
forma alguma hostil aos intelectuais, mas"... (e é este mas que Chendrine traduziu pelo
ditado: não se salta mais alto que as orelhas!). ... "Mas fico sempre terrivelmente
irritado, quando alguém vem me dizer uma série de coisas muito lindas e notáveis,
exigindo que sejam aceitas por sua beleza (dele?) e outros méritos" (p. 62). Eu também
"fico sempre terrivelmente irritado"... (retornar ao texto)
(10) As Tarefas dos Sociais-Democratas Russos, p. 23. Ilustração suplementar do fato
de que o Rabótcheie Dielo ou não compreende bem o que diz, ou muda de opinião
"segundo o vento". Assim, no Rabótcheie Dielo, nº1. vemos a frase, seguinte impressa
em itálico: "O conteúdo da brochura coincide inteiramente com o programa da redação
do "Rabótcheie Dielo" (p. 142). Será verdade? A recusa de se atribuir como primeira
tarefa do movimento de massa a derrubada da autocracia coincidiria com o ponto de
vista das Tarefas? E também a teoria dos estádios? Que o leitor julgue a estabilidade dos
princípios de um órgão, que compreende de maneira tão original as
"coincidências".(retornar ao texto)
(11) Ver o Relatório ao Congresso de Paris, p. 14: "Desde essa época (1897) até à
primavera de 1900 foram publicados em diferentes lugares trinta números de jornais
diferentes... Em média, mais de um número por mês".(retornar ao texto)
(12) Essa dificuldade é apenas aparente. Na realidade, não há círculo local que possa
preencher essa ou aquela função de um trabalho de interesse para toda a Rússia. "Não
diga: eu não posso; diga: não quero;" (retornar ao texto)
(13) Eis porque mesmo o exemplo de órgãos locais muito bem feitos confirma
inteiramente nosso ponto de vista. Assim, o Yuzhni Rabochi (O Operário do Sul) é um
excelente jornal, que não será acusado de instabilidade de princípios. Mas como aparece
raramente é alvo de numerosas prisões policiais, não pode oferecer ao movimento local
aquilo a que se propõe. O que é mais necessário ao Partido, no momento presente -
colocar, em princípio, os problemas fundamentais e proceder a ampla agitação política -
o órgão local não pôde realizar. E o que apresentou de melhor, como os artigos sobre os
congressos dos proprietários de minas, o desemprego etc., não era de interesse
estritamente local, mas geral, para toda a Rússia e não apenas para o Sul. Em toda nossa
imprensa social-democrata, ainda não tivemos artigos como esses.(retornar ao texto)
(14) A documentação legal é de especial importância a esse respeito, e estamos longe de
saber coletá-la e utilizá-la com método. Não é exagero dizer que apenas com a
documentação legal pode-se escrever uma brochura sindical, e que e impossível fázê-Io
apenas com a documentação legal. Coletando entre os operários a documentação ilegal
sobre questões como as tratadas pela Rabótchaia Mysl, desperdiçamos inutilmente as
forças dos revolucionários (que facilmente poderiam ser substituídos nesse trabalho
pelos militantes legais) sem obter, contudo uma boa documentação. De fato, os
operários, conhecem de ordinário apenas uma oficina de uma única grande fábrica;
quase sempre conhecem os resultados econômicos, mas não as condições e normas
gerais do seu trabalho; não podem adquirir os conhecimentos que possuíam os
empregados de fábrica, inspetores, médicos etc., e que estão dispersos nas pequenas.
publicações de jornais e publicações especiais de indústrias, serviços sanitários, dos
zerntsvos etc. Sempre me lembro de minha "primeira experiência", que não desejaria
repetir. Durante semanas. interroguei "com toda decisão" um operário que veio até mim,
sobre os menores detalhes do regime da grande fábrica onde trabalhava. Com grande
dificuldade consegui fazer a descrição (de uma única fábrica!), Porém, às vezes, ao fim,
de nossa conversa. o operário enxugando a testa me dizia sorrindo: "É mais fácil fazer
horas extras do que responder às suas perguntas!" Quanto mais energicamente
conduzirmos a luta revolucionária, mais o governo será obrigado a legalizar uma parte
de nosso trabalho "profissional", o que nos livrará de parte da nossa carga. (retornar ao
texto)
Notas: Capítulo 5
(1) Iskra, nº 8, resposta do Comitê Central da União Geral dos Judeus da Rússia e da
Polônia, em nosso artigo sobre a questão nacional.(retornar ao texto)
(2) Deliberadamente apresentamos esses fatos em ordem diferente daquela em que
ocorreram.(retornar ao texto)
(3) Em relação a isso, o autor dessa brochura pediu-me para dar a conhecer que, tal
como suas brochuras anteriores, também esta foi enviada à "União", supondo que o
redator de suas publicações fosse o grupo "Liberação do Trabalho" (dadas as
circunstâncias, não podia no momento, isto é, em fevereiro de 1899, imaginar a
mudança de redação). Essa brochura será prontamente reeditada pela Liga. (retornar ao
texto)
(4) 1 Camarada Kritchévski e camarada Martynov: chamo sua atenção para essa
revoltante manifestação de "autocratismo", de "autoridade incontrolada", de
"regulamentação suprema" etc. Como favor, quer ele se apoderar de toda a cadeia!
Redijam depressa uma queixa. Aí há assunto para dois editoriais do nº 12 do Rabótcheie
Dielo! (retornar ao texto)
(5) 2 Martynov, que cita a primeira frase dessa passagem no Rabótcheie Dielo (nº 18
p.62), omite exatamente a segunda, como se quisesse mostrar sua intenção de não tocar
no fundo da questão, ou sua incapacidade de compreendê-la. (retornar ao texto)
(6) 3 Com uma reserva: se aprovar a orientação desse jornal e julgar útil à causa tornarse
seu colaborador, entendendo-se por isso não apenas a colaboração literária, mas toda
colaboração revolucionária em geral. Nota para o Rabótcheie Dielo: subtende-se essa
reserva para os revolucionários que apreciam o trabalho em lugar de brincar de
"democratismo, que não separam a "simpatia" da participação mais ativa e mais
real. (retornar ao texto)
(7) 1 Às Vésperas da Revolução, p. 62. (retornar ao texto)
(8) *2 Aliás, em sua "vista d'olhos nos problemas de teoria", L.. Nadejdine quase nada
disse sobre a teoria, salvo a seguinte passagem, extremamente curiosa do "ponto de
vista da aurora da revolução": "A bernsteiniada, em seu conjunto, perde nesse momento
sua acuidade, de forma que para nós tanto faz se é o Sr. Adamovitch quem diz ser o Sr.
Struve quem merece a punição, ou o contrário. se é o Sr. Struve quem responde a
Adamovitch. recusando-se a aceitar a demissão, pois, aproxima-se o momento decisivo
da revolução" (p. 110). Seria difícil ilustrar com maior relevância a despreocupação sem
limites de L. Nadejdine pela teoria. Como proclamamos já estarmos "às vésperas da
revolução", para nós "tanto faz" que os ortodoxos consigam ou não desalojar
definitivamente os críticos de sua posição! E o nosso sábio não nota que é precisamente
durante a revolução que necessitaremos dos resultados de nossa luta teórica contra os
críticos, para combater resolutamente suas posições práticas! (retornar ao texto)
(9) Iskra, nº' 4. "Por Onde Começar?" - "Os educadores revolucionários, que não
adotam o ponto de vista da aurora da revolução, não se deixam de forma alguma
perturbar pela extensão do trabalho", escreve Nadejdine (p. 62). Quanto a isso faremos a
seguinte observação: se não soubermos elaborar uma tática política, um plano de
organização para um período bastante longo, e que assegure, pelo próprio processo
desse trabalho, a preparação de nosso partido para ocupar seu posto e cumprir o seu
dever nas circunstâncias mais inesperadas, por mais rápido que seja o curso dos
acontecimentos. não seremos mais do que miseráveis aventureiros políticos. Somente
Nadejdine, que desde ontem se dá o título de social-democrata, poderia esquecer que a
social-democracia tem por objetivo a transformação radical das condições de vida de
toda a humanidade, e que, por conseguinte, não é permitido a um social-dernocrata
deixar-se "perturbar" pela extensão do trabalho. (retornar ao texto)
(10) "Ai, ai! Eis que me escapou de novo a horrível palavra "agente", que tanto fere o
ouvido democrático dos Martynov! Parece estranho que tal palavra não tenha ferido os
corifeus da década de 70, e magoe os diletantes da década de 90. Essa palavra me
agrada, pois indica nitidamente e com precisão a causa comum à qual todos os agentes
subordinam seus pensamentos e acções, e se fosse preciso substitui-la por outra, apenas
poderia pensar na palavra "colaborador", se não tivesse certo sabor de literatura
falsificada e de amorfísmo. Ora, precisamos de urna organização militar de agentes.
Quanto ao resto, os Martynov, tão numerosos (principalmente no estrangeiro), e que de
bom grado se ocupam em "promoverem-se mutuamente a general", poderiam dizer, no
lugar de "agente do serviço de passaportes", "comandante-chefe de uma divisão especial
para o suprimento de passaportes aos revolucionários" etc. (retornar ao texto)
Notas: Anexo
(1) O conhecimento da literatura encontrava-se na base desse julgamento sobre a cisão,
além das informações colectadas no estrangeiro por alguns membros de nossa
organização que para lá se dirigiram. (retornar ao texto)
(2) A afirmação foi retomada em Dois Congressos, p. 25. (retornar ao texto)
(3) Na verdade, dissemos na introdução às resoluções de junho que a social-democracia
russa, em seu conjunto, sempre se manteve dentro dos princípios do grupo "Liberação
do Trabalho", e que o mérito da "União" consistiu sobretudo em sã actividade, em
publicações e em matéria de organização. E outras palavras, afirmamos nossa plena
vontade de relegar ao esquecimento todo o passado e de reconhecer a utilidade (para a
causa) de trabalho de nossos camaradas da "União", sob o condição de fazerem cessar
imediatamente os vacilações que era o que pretendíamos "apanhar". Toda pessoa
imparcial que lesse as resoluções de junho, compreenderia tais resoluções exactamente
assim. Portanto, se a "União", após ter provocado a ruptura pela sua nova "virada" para
o "economismo" (nos artigos do nº 10 e nas emendas), acusa-nos solenemente de não
dizer a verdade (Dois Congressos, p. 30) por essa lembrança a seus méritos, esta
acusação naturalmente pode apenas provocar sorrisos. (retornar ao texto)
(4) No Vorwürts foi iniciada uma polémica sobre isso, entre sua redacção actual,
Kautsky e a Zaria. Não deixaremos de tornar tal polemica conhecida aos leitores russos.
(retornar ao texto)
5. A menos que não se considere como restrições à autonomia, as conferências das
redacções à ocasião do estabelecimento de um conselho supremo de todas as
organizações unificadas, o que o Rabótcheie Dielo também aceitou em junho.
EMENDA A "QUE FAZER?" 0 "Grupo de Iniciadores", de que falo em minha
brochura Que Fazer? obriga-me a fazer essa emenda à exposição, sobre sua
participação na tentativa de reconciliação das organizações sociais-democratas
no estrangeiro: "Dos três membros desses grupo, apenas um deixou a "União",
ao final de 1900; os outros, em 1901, somente após serem convencidos de que
era impossível conseguir da "União" seu acordo para uma conferência a ser
realizada com a organização do Iskra no estrangeiro e a "Organização
Revolucionária Social-Democrata" - a proposta do "grupo de Iniciadores"
consistia exactamente nisso. Tal proposta foi inicialmente declinada pela
administração da "União", com a justificativa de recusar a aceitação da
conferência devido à "incompetência" de pessoas que faziam parte do "Grupo de
Iniciadores"; mas, manifestava o desejo de estabelecer relações directas com a
organização do Iskra no estrangeiro. Contudo, pouco depois, a administração da
"União" informava o "Grupo de Iniciadores" que após o aparecimento do
primeiro número do Iskra, onde havia uma nota anunciando a cisão da "União",
mudava de opinião e não mais queria estabelecer relações com o Iskra. Como
explicar depois disso a declaração feita por um membro da administração da
"União", segundo a qual a recusa dessa última em aceitar a conferência devia-se
exclusivamente ao fato de a "União" não estar satisfeita com a composição do
"Grupo de Iniciadores"? Na verdade, tampouco se, compreende o fato de a
administração da "União" ter concordado em realizar uma conferência em junho
do ano passado, uma vez que a nota do primeiro número do Iskra continuava a
ser válida, e que a atitude "negativa" do Iskra em relação à "União" afirmara-se
ainda mais no primeiro fascículo da Zaria e no quarto do Iska, ambos publicados
antes da conferência de junho. N. Lénin "Iskra", nº 19, 1º de abril de 1902.
(retornar ao texto)