quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Codigo Florestal- entrevista com Dieter Warchow

19/4/2011

Código Florestal: 'falta harmonia, conhecimento sistêmico e sobram dispersão e desinformação'. Entrevista especial com Dieter Wartchow

“A natureza que nos assiste, não tem voz para pedir socorro e não fala para mostrar novos caminhos”, constata o engenheiro e pesquisador da UFRGS.

Confira a entrevista.

Para o pesquisador Dieter Wartchow, o novo código florestal deveria ser baseado em fatos, dados e informações resultantes de estudos científicos. “Na abordagem natural usada nas discussões em torno do Novo Código Florestal, falta harmonia, conhecimento sistêmico e sobram dispersão e desinformação. As discussões direcionam-se para os sintomas do problema e são pautadas por ações ou posições fragmentadas, as quais, na maioria dos casos, representam um ponto de vista corporativista, de seu interesse”, apontou ele na entrevista que concedeu à IHU On-Line por e-mail.

Dieter Wartchow é engenheiro graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul com especialização em Hidrologia Aplicada pelo Instituto de Pesquisa Hidráulica. Na UFRGS fez o mestrado em Hidrologia Sanitária. É doutor em Engenharia Sanitária e Ambiental pela Universidade Stuttgart (Alemanha). Atualmente, é professor na UFRGS.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que outra abordagem é possível para o Código Florestal?

Dieter Wartchow –
Uma abordagem baseada em fatos, dados e informações resultantes do estudo e conhecimento científico. Esta abordagem científica estimularia, a partir da seriedade dos propósitos do Novo Código Florestal, maior participação da sociedade e permitiria um direcionamento do debate para as causas do problema. Na abordagem natural usada nas discussões em torno do Novo Código Florestal, falta harmonia, conhecimento sistêmico e sobram dispersão e desinformação. As discussões direcionam-se para os sintomas do problema e são pautadas por ações ou posições fragmentadas, as quais, na maioria dos casos representam um ponto de vista corporativista, de seu interesse. Criou-se uma grande discussão onde o que parece ser certo para alguns, para outros parece errado. Defende-se e busca-se salvaguardar a destruição já feita e não o que deve ser feito para garantir a sustentabilidade da vida. Neste tabuleiro de xadrez, cada um está a defender o seu quadrado, quando todos são importantes.

IHU On-Line – Em que aspectos o novo código florestal compreende a economia e a ecologia de forma integrada e equilibrada?

Dieter Wartchow –
No Novo Código Florestal falta sinergia entre economia e ecologia. Estudar e cuidar da “casa” pode significar um processo de desenvolvimento econômico mais duradouro e sustentável. Neste, nota-se certo cartesianismo nos percentuais e números propostos, visto que, a natureza tem características singulares de acordo com o bioma e região.

IHU On-Line – Qual é a melhor alternativa para preservar o princípio do ambiente sustentável com desenvolvimento?

Dieter Wartchow –
Vou parafrasear o educador Paulo Freire, no qual “Não há saber maior ou menor, mas sim, saberes diferentes”. Talvez devêssemos discutir e buscar com criatividade novas tecnologias, e não temer uma mudança de comportamento. Plantar de forma diferente, reconhecer a vulnerabilidade da natureza e da biodiversidade e dos riscos de sua irreversibilidade. Também devemos dar à natureza o que é da natureza, por exemplo, adequando nossas atitudes ao tempo que a natureza precisa para renovar o ciclo da água. Permitir o acesso democrático à informação sobre as causas, conseqüências de um pobre manejo florestal. Sermos educandos e educadores. Não sermos indiferentes e participar na construção de um mundo melhor para todos.

IHU On-Line – Você é favorável ao aprimoramento do texto antes da votação? Quais alterações devem ser realizadas?

Dieter Wartchow –
Sim, mas até onde? Por que não se trabalha sobre o antigo, que parece ser melhor do que o novo? A proteção das fontes, das zonas úmidas ao longo dos cursos d’água e das áreas de recarga deve integrar a proposta do Novo Código Florestal. Além disso, segundo a Agência Nacional de Água – ANA, apoiada por estudos internacionais e realizados no Brasil, deve-se compreender o papel das matas e das áreas ciliares na proteção da biodiversidade e da qualidade e quantidade dos nossos mananciais de água e manter faixa de mata ciliar com largura mínima de 30 metros. Não menos do que isto. A assistência técnica e a extensão rural são de vital importância para o assessoramento das atividades rurais nos assentamentos e pequenas propriedades rurais. Desta dependem a manutenção dos habitats para a fauna, a biodiversidade, a prevenção contra erosão e a retenção de água. Quanto às APPs nas encostas íngremes, elas também deveriam ser mantidas e consideradas como serviço ambiental passível de remuneração compensatória.

IHU On-Line – O presidente da Câmara garantiu que o projeto do código somente será encaminhado para votação quando houver acordo sobre a proposta. É possível vislumbrar um acordo entre agricultores e os movimentos sociais contrários as mudanças?

Dieter Wartchow –
Um acordo entre os interlocutores do agronegócio, da agricultura familiar, agricultores, pecuaristas e os movimentos sociais contrários às mudanças propostas no Novo Código Florestal não vai cessar as críticas das partes envolvidas. Um acordo para quais objetivos e metas? Deveríamos observar e dialogar mais com a natureza. A natureza que nos assiste não tem voz para pedir socorro e não fala para mostrar novos caminhos.

IHU On-Line – O presidente da CeCafé, Guilherme Braga, afirma que o Novo Código Florestal pode condenar pequenos sítios e a agricultura familiar. Para a Via Campesina, relacionar agricultura familiar a mudanças no Código Florestal é falácia. Já um estudo feito pela Embrapa mostra que os produtores familiares serão os principais beneficiados. Em um contexto de desinformação, como lidar com constatações tão divergentes?

Dieter Wartchow –
Através da pesquisa do conhecimento científico e do desenvolvimento de atitudes solidárias e sérias para preservar de fato a Floresta Amazônica Brasileira, a Mata Atlântica, os biomas do cerrado, pantanal e pampa. Como todos os atores participantes do debate dizem querer proteger o meio ambiente e as florestas, deveria-se cobrar destes uma declaração de moratória, para evitar a agressão às APPs, às matas e florestas. A discussão sobre o Novo Código Florestal está acontecendo devido ao desrespeito da legislação brasileira e da Constituição Federal, principalmente, do Art. 225, onde fica claro o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o dever do Poder Público e da coletividade de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Melhorar e ampliar a fiscalização contra os crimes ambientais.

IHU On-Line – Considerar as Áreas de Preservação Permanente (APPs) como Reserva Legal evitaria prejuízos para algumas propriedades? Qual seria a melhor proposta para a consolidação de ocupações em APPs?

Dieter Wartchow –
Não sou favorável à consolidação de ocupações em APPs, considerando que a maioria destas áreas oferecem risco às pessoas. Um sistema de informações geográficas, hidrológicas, geológicas, e outras informações relevantes poderia ser um bom instrumento para ao menos estas ocupações serem de conhecimento do poder público. Estes dados e os indicadores deveriam falar a linguagem do povo, para serem bem entendidas e interpretadas. Em sendo inevitável ou em se percebendo que a ocupação não oferece risco às pessoas e/ou relaciona-se com um sistema local de produção (ex.: plantio de uva), poder-se-ia analisar o potencial em transformar quem nelas trabalha em “cuidadores” do ambiente, educando-os e buscando desenvolver e capacitá-los para novas atividades locais de produção.

IHU On-Line – O Novo Código Florestal dá conta de atender a uma produção agrícola com qualidade econômica, ecológica e ambiental dentro dos preceitos atuais da ciência?

Dieter Wartchow –
Sim e não, se forem considerando os milhões de hectares de áreas mal aproveitadas ou ociosas; o uso da terra para produzir com elevada produtividade e também com baixa produtividade, portanto, com potencial para a ampliação da produção agrícola. A qualidade econômica pouco tem a ver com o Novo Código Florestal, pois é o mercado que estabelece os preços das commodities e as condições climáticas que impacta a produtividade para cima ou para baixo. Ecológica e ambientalmente, o Novo Código Florestal pode contribuir para melhorar a qualidade de vida promovendo impactos benéficos sobre a atmosfera (ar), litosfera (solo) e hidrosfera (água), que podem ser considerados reservatórios comunicantes de vida.

IHU On-Line – A proposta do novo código florestal dá conta de um cenário de mudanças climáticas, crise energética e crise alimentar?

Dieter Wartchow –
Quando especialistas discutem sobre o aquecimento global e sua relação com o crescimento dos níveis de carbono equivalente (CO2 equiv.), também estamos falando sobre as mudanças climáticas e seus efeitos sobre a produção de alimentos e sobre a vida em nosso planeta. Este tema, portanto associa ação local e efeito global. Florestas serão muito úteis para absorver gás carbônico e produzir oxigênio. A proposta do Novo Código Florestal poderá contribuir na diminuição dos riscos de geração de energia das hidroelétricas, pois é cientificamente comprovado que florestas e matas ciliares contribuem para a diminuição da erosão e melhora das vazões dos rios. Os sedimentos depositados no fundo das barragens ocupam o espaço que deveria ser destinado para armazenamento de água, além de poderem ser precursores da proliferação de algas tóxicas. A previsão de se poder usar parte da Reserva Legal para o plantio de árvores exóticas potencializa a queima da madeira para diversas atividades econômicas. O modelo de exportar água virtual e de usar madeira da floresta amazônica e do cerrado brasileiro como fonte de energia para a indústria do aço precisa ser reavaliado. A crise alimentar relaciona a falta de acesso aos alimentos pela população pobre, e não especificamente uma crise de produção de alimentos.

IHU On-Line – O novo código está sendo avaliado pelo que induz em termos de dinâmica social e cultural no país?

Dieter Wartchow –
Não acredito que a dinâmica social e cultural do país tenha importância preponderante na discussão em torno do Novo Código Florestal. Geralmente, é a ordem econômica que domina as ações políticas e determina quais concessões podem ser feitas ao povo e ao meio ambiente. Transformar um problema em uma oportunidade requer informações cientificamente analisadas em vez de informações desencontradas. Devemos procurar não acomodar situações e com conhecimento, habilidade e atitude, devemos também buscar equacionar este tema, que lida com nossa vida. Salvemos um grande potencial de futuro do Brasil, nossas florestas e nossa água.

Código Florestal

29/11/2011
Em vez de código florestal, Brasil terá código agrícola
No polarizado debate entre ambientalistas e ruralistas sobre as mudanças propostas no Código Florestal, o empresário Roberto Klabin é uma das raras personalidades com trânsito e atuação nas duas esferas, seja como presidente da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG ambientalista que atua na preservação das florestas, seja como pecuarista e empresário do setor de papel e celulose (é um dos principais acionistas da Klabin).

A entrevista é de André Palhano e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 29-11-2011.

Eis a entrevista.

De onde surgiu a ideia de alterar o Código Florestal?

A movimentação toda aconteceu a partir de 2008, quando o presidente Lula começou a utilizar a lei de crimes ambientais para enquadrar produtores que não estavam adequados. Isso gerou uma tensão grande no setor e criou-se uma comissão, chefiada pelo Aldo [Rebelo], para alterar a legislação.

O problema é que nunca houve ali a intenção de melhorar o código anterior ou tornar o Brasil mais moderno na questão ambiental, mas sim favorecer apenas um setor da sociedade, que é o do agronegócio, em detrimento de outros setores e até da população. O que temos na proposta é um código agrícola, não um código florestal.

O que explica tamanha polarização no debate?

O fato de terem chamado apenas um setor para discutir mudanças que dizem respeito a todos. Isso é que gerou toda essa mobilização da sociedade. Obviamente, não podemos criticar o processo, que foi democrático.

O problema é que, além da assimetria dos poderes envolvidos, o resultado é um retrocesso que afetará negativamente a todos no futuro, inclusive o produtor rural.

De que maneira?

Um exemplo: vários países estão começando a entender a necessidade de mitigar e adaptar os efeitos das mudanças climáticas, enquanto o Brasil está indo na contramão da história, uma vez que as mudanças no código claramente pioram esses efeitos. E não sou eu quem está afirmando isso, é a ciência.

Em resumo, para atender interesses de curto prazo de um grupo específico da sociedade, estamos retrocedendo em temas que afetarão negativamente a todos.

Quem defende a mudança no código alega que a legislação atual impede o aumento da produção no campo, prejudicando a economia. Como o sr. vê essa questão?

É um falso dilema. Um estudo da Esalq-USP, por exemplo, mostrou que há mais de 100 milhões de hectares de vegetação que se encontram fora de áreas de proteção e que poderiam ser desmatados, dos quais 26 milhões propícios à agricultura. Hoje, temos toda a agricultura do país localizada em 60 milhões de hectares. A alegação de que é impossível se adequar também não é correta.

Se a lei caminhar em sentido contrário, quem se adaptou não acaba sendo prejudicado?

De forma nenhuma. Tanto por essa tendência dos consumidores e da regulação como pela proteção que eles acabam tendo em um cenário de mudanças climáticas e aproveitamento do valor econômico da biodiversidade. Isso sem falar na proteção natural contra pragas, incêndios e outros temas. Ou seja, quem não se adaptar agora resolverá um problema econômico de curto prazo, mas terá de enfrentar isso lá na frente, provavelmente com impacto negativo maior.

O que o sr. está dizendo é que o setor agrícola sofrerá um efeito bumerangue no futuro?

O produtor brasileiro terá de se adequar para atender às exigências de mercado que vêm por aí, isso é inevitável. Fica cada vez mais claro que teremos de trabalhar em cadeias de certificação, e quem mais vai se prejudicar nesse processo, mantida a tendência atual, é o pequeno produtor, que tem mais dificuldades de adaptação quando comparado aos grandes. Isso não está sendo considerado.

Passada a votação, o embate entre ambientalistas e ruralistas deixará cicatrizes?

Sem dúvida ficarão mágoas, sem dúvida o Brasil perde com essa polarização, mas isso não é muito diferente de outros países. O entendimento da sociedade sobre as questões de sustentabilidade ainda é fraco, tratado de maneira secundária.

De qualquer forma, tudo isso deixará uma grande lição para os ambientalistas, que é trabalhar melhor e com maior representatividade em Brasília. Tenho certeza de que muitos deputados que votaram a favor das mudanças no código nem imaginavam o que estavam aprovando, só seguiram suas lideranças. Temos de reforçar esse trabalho de conscientização.