quinta-feira, 13 de março de 2008

Divida externa e interna

Os bilhões não investigados da dívida pública

Ivan Valente


O governo federal acaba de anunciar um suposto marco histórico para o país: nossas reservas internacionais superaram em valores o montante da dívida externa pública e privada. Ou seja, na opinião do governo Lula, o problema da dívida brasileira não mais existe. A realidade, no entanto, mostra uma situação bastante diversa: a dívida interna brasileira se perpetua e, em apenas dois anos, cresceu mais de 40%. Em dezembro de 2007, chegou a R$ 1,4 trilhão. É uma dívida cara, enorme, que sobrecarrega o orçamento brasileiro, mas da qual ninguém fala para não estragar a festa da agiotagem internacional.Na verdade, a dívida interna é um dos mecanismos encontrados pelo capital internacional para usurpar o dinheiro do povo brasileiro. Como boa parte dos credores são bancos internacionais estabelecidos aqui, o pagamento de juros – que estão entre os mais altos do mundo – acaba indo para o exterior em forma de remessa de lucros. No ano passado, elas atingiram o nível recorde de US$ 21,236 bilhões, e continuam a pressionar a conta corrente externa do país, que tem projeção de déficit para 2008. No Brasil, os beneficiários do pagamento dos juros da dívida são apenas 0,04% dos que têm títulos dos juros da dívida pública, ou seja, os bancos e alguns rentistas.Enquanto isso, cerca de 38% do nosso orçamento é consumido com a dívida. Desde o início do governo Lula, em 2003, R$ 851 bilhões foram gastos com o pagamento de juros da dívida pública, interna e externa. Para se ter uma idéia de grandeza de valor, isso é o mesmo que cada brasileiro e brasileira, dos 186 milhões que formam nossa população, tivesse desembolsado R$ 4.570,00 nos últimos cinco anos. Segundo o site Congresso em Foco, os juros da dívida consumiram, neste mesmo período, 22 CPMF. Só no ano passado, foram R$ 180 bilhões de juros, ou seja, cerca de 20 vezes o que foi gasto com o principal programa social do governo federal ao longo de 2007, o Bolsa Família. Isso num país em que o salário mínimo, já reajustado, é de R$ 412,00.O problema, no entanto, vem de longe. Durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso, o pagamento de juros e o esforço fiscal para viabilizá-lo foram condicionados à chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, fazendo com que os estados e municípios dessem prioridade para o pagamento de juros da dívida interna em detrimento de gastos sociais, criando um déficit de atendimento à população mais carente e à necessidade de serviços públicos essenciais. Como exemplo, o município de São Paulo destina 13% do seu orçamento para o pagamento de juros da dívida.Enquanto isso, as políticas sociais foram abandonadas. O país gasta apenas 4% do PIB com educação e a saúde pública está sucateada. Com este dinheiro poderíamos ter saneamento básico, moradia decente para milhões e investimentos em pesquisa e geração de emprego e renda. Esta escolha é o maior crime que se perpetra contra a população excluída. É o principal nó do desenvolvimento sustentável brasileiro e o maior impeditivo à distribuição de renda e à justiça social.Trata-se, aí sim, da grande farra e mau uso do dinheiro público. Enquanto a população se indigna e repudia os gastos com cartões corportativos, que segundo o jornal Folha de S. Paulo consumiram R$ 145 milhões nos últimos quatro anos, ninguém fala dos R$ 851 bilhões dos juros da dívida.É por isso que defendemos a instalação de uma CPI da dívida pública. Já protocolamos seu pedido na Câmara dos Deputados e 185 parlamentares, de diferentes partidos, apóiam nossa iniciativa. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito levará necessariamente a uma auditoria da dívida, como previsto na Constituição Federal, algo necessário e urgente para apurar os bilhões de reais que são drenados nos ganhos dos bancos e do setor financeiro. É uma CPI para apurar outra faceta do mau uso do dinheiro público, numa escala infinitamente superior. É uma CPI a favor do povo brasileiro, de uma política igualitária e sustentável para o nosso país.Artigo originalmente publicado no jornal Vale Paraibano do dia 1 de março/2008

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